Desde metade do século passado, construir pirâmides financeiras é crime no Brasil. A Lei nº 1.521, de 1951, define em seu artigo 2º que pirâmide é um modelo de negócio no qual a empresa “vende” algo com a promessa de um retorno grande e rápido, ou com alguma vantagem excessivamente desproporcional em relação a outras empresas.
Leia também:
- 123 milhas pede recuperação judicial para interromper cobranças na Justiça
- Viagem furada? 123 Milhas suspende passagens promocionais
No caso da 123 Milhas, a empresa oferecia pacotes de viagens a preços bastante baixos, com um intervalo considerável entre a data de compra e a viagem. Só aí havia uma estratégia muito diferente das companhias aéreas, que geralmente não vendem passagens com mais de 12 meses de antecedência.
Além disso, há suspeitas dos parlamentares de que a empresa dependia do recrutamento contínuo de novos membros para pagar os retornos prometidos. Isso significa que a companhia constantemente precisava atrair novos clientes. Para isso, a empresa não economizava para chamar a atenção. Em 2021, ela foi a maior anunciante do Brasil, com um gasto de R$ 2,37 bilhões em espaços publicitários, inclusive mídia em aeroportos. Em 2022, a companhia ficou em segundo lugar, com um investimento total de R$ 1,18 bilhão. Os dados são do ranking Agências & Anunciantes, em parceria com a Kantar Ibope Media, divulgado pelo jornal Meio & Mensagem.
Outro aspecto de pirâmide apontado pelos especialistas é o fato de a 123 milhas operar em um mercado não regulamentado. Isso é comum nesses casos. O melhor exemplo são as criptomoedas. No Brasil, ainda não existe uma legislação específica para tratar da comercialização de milhas. Portanto, não se sabe se o que está sendo vendido/comprado possui lastro, colocando em dúvida a legitimidade das operações, pois podem ser meras especulações.
“Das duas, uma: ou houve falta de planejamento da empresa ou ela agiu de má-fé para obter ganhos rápidos em um espaço de tempo muito curto”, diz Ahmed El Khatib, coordenador do Instituto de Finanças da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP).
A advogada Thaís Oliveira explica que o procedimento de recuperação judicial tem uma ordem para o pagamento de credores. Portanto, se o pedido for aceito, os consumidores serão os últimos a receber. “A agência terá permissão para suspender os pagamentos.”
Modelo de negócio insustentável
O cerne do modelo de negócios da 123 Milhas é a intermediação entre dois grupos distintos. De um lado, indivíduos que acumularam milhas e, do outro, consumidores em busca de passagens aéreas com preços mais acessíveis. É aqui que a 123 Milhas atua. A empresa adquire milhas dos primeiros indivíduos, geralmente a preços mais baixos do que seu valor de mercado, e as utiliza como moeda para adquirir passagens aéreas. A diferença entre o custo de aquisição das milhas e o preço pelo qual a passagem é vendida representa a margem de lucro da empresa.
“Embora essa margem possa parecer pequena em transações individuais, o volume massivo de operações realizadas diariamente garante uma lucratividade robusta”, diz Araújo. “A empresa também estabelece parcerias estratégicas com outras entidades, como bancos e instituições financeiras. Estas parcerias podem envolver comissões por transações realizadas através de links de afiliados ou bonificações por cada novo cliente referido.”
Procurada, a 123 Milhas não se pronunciou.