Como a pandemia está expulsando as mulheres do trabalho

23 de outubro de 2020
FG Trade/ Getty Images

Setores com força de trabalho notadamente feminina foram os que mais sofreram durante a crise do coronavírus

Um estudo recente do National Bureau of Economic Research (NBER), uma organização norte-americana de pesquisas econômicas, descobriu que, ao contrário das recessões anteriores –em que os homens costumavam ficar desempregados a taxas mais altas do que as mulheres–, a pandemia de Covid-19 tirou as mulheres de seus empregos a taxas desproporcionalmente altas. Dados recentes do Departamento do Trabalho dos Estados Unidos confirmam isso: 865 mil mulheres deixaram o mercado de trabalho em setembro, quase quatro vezes mais do que o número de homens.

E, ainda mais alarmante, o estudo espera que a pandemia tenha consequências duradouras para as mulheres nos próximos anos.

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Horários reduzidos como opção

Dedra Cameron, 53 anos, trabalha na área de hospitalidade em Nova Orleans, e a pandemia não é seu primeiro contato com o desemprego. Ela perdeu o emprego durante o furacão Katrina e na Grande Recessão. Mas estar desempregada desta vez é totalmente diferente, disse ela. “Antes, eu conseguia encontrar oportunidades em diferentes cidades ou estados. Mas, desta vez, a indústria da hospitalidade está sofrendo em todo o país. Estamos todos no mesmo barco. Simplesmente não há trabalho para nós.”

Dedra é mãe solteira de dois filhos. E, enquanto um filho é independente, seu segundo filho está na faculdade e depende dela para suporte financeiro. Antes da pandemia, ela trabalhou em tempo integral na franquia de hotéis Westin, onde ficou por 14 anos para sustentar sua família. Mas foi dispensada logo depois que o surto de pandemia forçou a maioria dos hotéis e restaurantes a fechar em março.

Como milhões, Dedra confiou no aumento do pagamento do seguro-desemprego para sobreviver. No entanto, no mês passado, seus benefícios foram interrompidos, deixando-a incerta sobre seu futuro financeiro.

E, embora ela tenha recebido recentemente um telefonema de seu emprego para voltar ao trabalho após oito meses difíceis, sua carga de trabalho foi substancialmente reduzida. Ela agora trabalha apenas um dia por semana.

Ter menos horas –e menos pagamento– pesa muito para ela. Cameron disse que não sabe como vai pagar o aluguel do próximo mês.

E ela não está sozinha. De fevereiro a agosto de 2020, o número médio de horas trabalhadas pelas mulheres caiu 19% em comparação com os homens, que viram uma queda de apenas 12%. Além disso, espera-se que uma em cada quatro mulheres deixe o local de trabalho como resultado da Covid-19.

Porque tantas mulheres pararam de trabalhar

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Antes do início da pandemia, pela primeira vez em uma década, as mulheres ultrapassaram os homens como maioria na força de trabalho dos EUA. O Ministério do Trabalho divulgou um relatório no final de 2019 que mostrava que as mulheres ocupavam 50,4% dos empregos.

Mas a Covid-19 apresenta dois desafios diferentes para mulheres.

Uma questão que explica as taxas de desemprego desproporcionais é que algumas áreas foram mais afetadas pelos desafios específicos da pandemia do que outras. Um estudo da Universidade de Pittsburgh descobriu que, em alguns setores altamente vulneráveis ​​aos efeitos da pandemia, incluindo preparação e serviço de alimentos, bem como cuidados e serviços pessoais (como salões de beleza), a proporção de funcionários do gênero feminino era de 74%.

Em recessões anteriores, qualquer aumento no desemprego geralmente afetava mais os homens do que as mulheres. Isso ocorre porque setores como construção e manufatura, que normalmente empregam mais homens do que mulheres, foram os mais atingidos.

De acordo com o estudo do NBER, as taxas de desemprego feminino aumentaram 12,8% durante fevereiro e abril de 2020, enquanto a taxa masculina aumentou 9,9%. Como resultado, o termo “mancession” (ou em tradução livre, recessão masculina) foi cunhado por um economista durante a Grande Recessão para descrever o impacto sobre os homens.

A segunda questão que está afetando negativamente o emprego das mulheres é que elas tiveram de assumir grande parte dos cuidados infantis e da educação de suas famílias, devido ao fechamento de escolas, ensino à distância e os horários limitados de creches.

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O Boston Consulting Group, uma empresa de consultoria de gestão, pesquisou pais que trabalham em cinco países, incluindo os EUA. O estudo descobriu que as tarefas de cuidado infantil aumentaram em 27 horas por semana durante a pandemia. E, embora esse número represente o tempo gasto por ambos os pais, ainda há uma grande divisão. Dessas 27 horas extras de responsabilidades com os filhos, as mulheres são afetadas de forma desproporcional, contribuindo com 15 horas adicionais por semana.

Contratempos permanentes

O desemprego de longa duração aumenta a probabilidade de uma pessoa não voltar a trabalhar. Um estudo de 2016 do Fed de Nova York descobriu que as chances de uma pessoa desempregada encontrar um emprego caem em 50% após oito meses consecutivos de desemprego. Isso significa que muitas das milhões de mulheres que já foram forçadas a deixar o mercado de trabalho podem ter dificuldades para retornar.

Um relatório de empregos de setembro de 2020 do Departamento de Trabalho estimou que 2,4 milhões de trabalhadores já estão sem trabalho há mais de 27 semanas (período usado como indicador para identificar o desemprego de longo prazo).

“Quanto mais tempo as pessoas ficam sem emprego, maior a chance de não poderem mais retornar a trabalhar”, disse Nazar Mustapha, professor assistente de economia financeira da Universidade Dillard, em Nova Orleans.

O que fazer

C. Nicole Mason, presidente e diretora-executiva do Institute for Women’s Policy Research, organização focada em implementar a legislação dos EUA para as mulheres, acredita que as mulheres terão de se esforçar muito para obter futuras oportunidades de emprego. “As mulheres terão de se requalificar, obter treinamento e considerar uma educação adicional, para que possam ser competitivas em um mercado de trabalho difícil”, disse Mason.

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Ela observa que as mulheres não podem fazer isso sozinhas –exigiria um esforço coordenado do governo federal para criar e implementar políticas que auxiliam especificamente as mulheres a retornarem ao mercado de trabalho, como dar auxílio-creche, expandir o seguro-desemprego e fornecer incentivos econômicos para combater os impactos negativos da Covid-19.

Mas não apenas o governo federal tem um papel a desempenhar, diz ela. “As mulheres que voltam ao trabalho precisarão do apoio de seus empregadores, e isso inclui políticas de trabalho flexíveis, licença remunerada, auxílio-creche e horários de trabalho flexíveis”, disse Mason. “Tudo isso junto pode ajudar a recuperar algumas das perdas que sofremos como resultado da Covid-19.”

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