Como sempre esteve cercada de homens que a apoiavam, Cíntia não enxergava o machismo que fazia parte das carreiras em engenharia e tecnologia. “Se eu voltar e repensar alguns momentos, talvez eu tenha sofrido machismo e não percebi”, diz. Ela tinha pavor de aparentar ser jovem demais ou inexperiente, então fazia questão de estar sempre bem preparada.
Leia também: Minha jornada: “Me tornei VP da Havaianas em dois anos de empresa”
Como uma pessoa da área de exatas, Cíntia é uma mulher prática, mas se emociona ao falar do marido, seu primeiro namorado. “Em todos os momentos da nossa vida em que eu fraquejei, foi ele que me ajudou.”
Um desses momentos foi o período depois de ter a primeira filha, Sofia, quando teve dificuldade de conciliar a maternidade com o retorno ao trabalho. “Eu achava que ninguém poderia cuidar dela como eu cuidava”, diz. Conhecendo a esposa, o marido sabia que ela iria se arrepender se não voltasse a trabalhar e fez questão de incentivá-la.
Como patrocinadora executiva do grupo de afinidades das mulheres na empresa de tecnologia da informação IBM, onde trabalhou por 28 anos, ela ouviu outras histórias de executivas de tecnologia. “Foi um divisor de águas”, afirma. Entendeu que muitas mulheres não tinham tido o apoio que ela teve dentro de casa. Seu casamento, diz Cíntia, sempre foi uma sociedade. São 33 anos juntos e 24 de casados. “Às vezes eu abria mão de algumas coisas para ele focar na carreira dele e tiveram vezes em que ele assumiu isso.”
Trajetória tech
Em 2017, ganhou o título de “distinguished engineer”, um dos mais altos níveis de reconhecimento que um profissional técnico pode atingir na empresa. Em um século de história no Brasil, a IBM reconheceu cerca de uma dezena de profissionais e Cíntia foi a primeira mulher na América Latina.
O namoro com o Bradesco já era história antiga. Ela teve a oportunidade de atuar como CTO da IBM para algumas empresas no Rio de Janeiro e, depois, para o banco. Mas isso implicaria uma grande mudança: trocar o Rio por São Paulo. A família já tinha a vida estabelecida, com rede de apoio, escola para as filhas e trabalho para o marido. Cíntia resolveu testar e ficou dois anos na ponte Rio-São Paulo. “Às vezes, é pior para quem vai do que para quem fica.” Em 2018, a família toda deixou o Rio de Janeiro.
Sair da cidade natal não foi fácil, assim como deixar a empresa onde já tinha quase três décadas de atuação. Mas Cíntia não nega um desafio; muito pelo contrário, é isso que a move. Ela vem de uma trajetória técnica, mas abraçou a liderança. “Quando você vira a melhor naquele assunto, esse é o momento de mudar. Porque ali o seu aprendizado vai ser pouco, não vai ser uma coisa disruptiva que vai te fazer crescer.”
Maternidade e trabalho
A logística não era fácil, mas sempre que possível buscava as meninas na escola e levava na médica ou dentista aos sábados. “A gente sempre foi muito próximo, mas na pandemia eu me dei conta de como sou uma pessoa de sorte, estando trancada em casa com as pessoas que eu mais gosto no mundo.”
No início da vida de mãe, com duas filhas pequenas e um trabalho que exigia muito, ela se viu angustiada. “Depois que você é mãe, sempre vive com culpa. De não estar o suficiente para os seus filhos e de não estar 100% no trabalho”, diz. Foi na terapia que ela encontrou a resposta para essa questão e se tornou uma profissional melhor no processo. “Comecei a dizer mais ‘nãos’ para o trabalho e fazer escolhas conscientes. Aprendi a priorizar, agregar valor e ser muito mais focada.”
Mulheres na tecnologia
Já com 20 anos de experiência em tecnologia, Cíntia foi em um evento de mulheres da área em que uma psicóloga palestrou sobre a síndrome da impostora. Foi a primeira vez que ela ouviu o termo, e identificou nele muitas das suas inseguranças. “Agora parece que acende uma luz, toda vez que eu começo a fazer isso eu percebo e paro”, diz. E, muitas vezes, quem dá o toque é o próprio marido.
O preconceito existe, assim como o estereótipo do profissional de tecnologia, do qual ela passa longe. “Eu nunca tentei parecer menino para me encaixar no meio. Eu sempre fui quem eu sou.”
Como uma referência na área, todos os dias ela recebe ligações de pessoas pedindo indicações de profissionais mulheres. Ela também não nega ajuda para as que a procuram pedindo indicações para trabalhar na área. “Eu me sinto muito responsável por trazer e apoiar mais mulheres.”
Turning point da carreira
Quem me ajudou
“Não tem uma única pessoa, eu tive a sorte de ter algumas pessoas que acreditaram em mim e na minha reputação e me deram uma oportunidade. E quando você tem a oportunidade, você vai com tudo, não só para agradecer à pessoa que te deu aquela chance, mas para provar que você consegue fazer.”
O que ainda quero fazer
“Outro dia eu estava ouvindo um podcast que dizia que a expectativa de vida das pessoas hoje está em 100 anos. Eu sou super saudável e pretendo viver isso. Eu tenho 49, não estou nem na metade da minha vida. E estava lendo que vai ser normal daqui alguns anos as pessoas terem várias carreiras. Então agora eu estou começando uma nova. Fui consultora por 30 anos. Agora vou ser executiva de tecnologia, quero crescer aqui dentro do banco e pretendo ficar mais muitos anos aqui. E sei lá o que eu vou querer fazer quando eu tiver 80. Quem sabe eu não vou fazer uma outra faculdade. Nesse momento, eu quero transformar a área de tecnologia do Bradesco para o banco ser cada vez mais relevante e inovador.”
Causas que abraço
Minha formação
“Engenharia eletrônica na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).”