Como o surto de coronavírus pode afetar o futuro das startups

18 de março de 2020
Divulgação

Pedro Teixeira, cofundador da aceleradora Troposlab

Assim como a maioria das empresas, dos mais variados setores, as startups também estão apreensivas quanto os impactos do coronavírus na economia. Os mercados enfrentam um cenário de incertezas e, nas próximas semanas, com a restrição da circulação para tentar controlar o contágio, haverá uma provável queda no consumo. Espera-se que as grandes empresas tenham lastro para enfrentar meses difíceis, ainda que tenham que rever seus planejamentos, redefinir investimentos e até diminuir custos.

Já para startups a situação é um pouco diferente, uma vez que seus planejamentos e orçamentos são, naturalmente, apertados. “Isso faz com que um cenário inesperado de crise aumente o impacto”, diz Pedro Teixeira, cofundador da Troposlab, aceleradora de negócios, projetos e pessoas. “No curto prazo, as startups mais impactadas serão aquelas com entregas no mundo offline, em especial as que dependem de componentes importados como eletrônicos da China. Além disso, startups ligadas a setores como transporte e turismo podem ser afetadas rapidamente pela não circulação de pessoas. A médio prazo, o comércio vai sofrer, o que prejudicará também as startups que atuam nesse setor.”

No que diz respeito aos estágios das startups, engana-se quem pensa que as early stages podem ser as mais afetadas. A opinião é de Pedro Waengertner, CEO da ACE, empresa de inovação que nasceu para ajudar empreendedores de alto potencial a transformarem suas startups em negócios globais. “Elas podem fazer adaptações nos seus modelos de negócios para enfrentar o momento atual”, diz.

Para ele, o setor de atuação das empresas será mais determinante no tamanho do impacto do que seu estágio atual. “As startups têm diferentes públicos, diferentes tipos de produtos, diferentes tíquetes. Temos startups com atividades B2B, B2C. Precisamos entender que algumas startups vão ser mais afetadas e outras menos”, diz.

Pedro Teixeira afirma que um outro ponto a ser observado é a disponibilidade de investimentos para o setor por parte de grandes empresas. Esses recursos tendem a minguar nos momentos de crise financeira e isso pode acontecer ao longo do ano, mesmo depois do pico do coronavírus.

Além disso, os eventos de capacitação e conexão estão sendo cancelados ou adiados. Como muitas startups dependem desse tipo de iniciativa para abrir as portas, o seu crescimento ou mesmo sobrevivência podem ser afetados.

“Resumido, o ano de 2020 deve ser mais difícil para todos, inclusive para se empreender. E, como toda crise, servirá para separar os mais competentes dos aventureiros que surgem”, diz Teixeira.

NEM TUDO É DESVANTAGEM

Pedro Teixeira lembra, no entanto, que as startups possuem uma importante vantagem em relação às grandes empresas: a agilidade de adaptação. “Setores específicos podem se beneficiar com essa situação, como, por exemplo, startups relacionadas à facilitação do trabalho remoto ou mecanismos de gestão à distância. Startups de delivery podem também enfrentar boas surpresas com a presença de pessoas dentro de casa evitando saídas a noite por exemplo”, diz.

Outras empresas que devem ser menos afetadas, segundo o especialista, são aquelas que trabalham com venda e entrega 100% online. “Não é uma expectativa, por exemplo, que startups de streaming diminuam drasticamente a sua receita ou que o mercado de games enfrente tantos problemas.”

Ele ressalta, no entanto, que mais importante que o setor ou característica do modelo é a capacidade dos empreendedores de encontrarem novos formatos de venda, novos canais, novos produtos que façam com que a startup aproveite esse momento de crise para crescer em relação aos seus concorrentes.

“Se há um setor realmente capaz de conseguir reagir e propor coisas novas durante uma crise é o setor de inovação. Por isso, acho que ele não deveria sofrer, e sim florescer, neste momento. É hora de sermos mais inovadores, de questionarmos as nossas ortodoxias e pensar em alternativas para lidar com tudo isso”, concorda Waengertner.

Para ele, além de medidas óbvias, como controle de custos, as startups precisam pensar tendo como perspectiva esse novo cenário e como seu cliente será impactado. Uma vez entendido isso, elas vão, de fato, conseguir desenhar estratégias para ajudar a nova realidade desse cliente e rever os produtos e serviços oferecidos.

“Eu acho que existe muita oportunidade aí. Veja o caso dos call centers, por exemplo. É uma função de bastante risco, pensando em contaminação, mas existem startups que têm call centers remotos, onde as pessoas ficam de home office e não utilizam a estrutura tecnológica da empresa para conseguir dar o suporte necessário aos clientes. Eu considero esse tipo de alternativa muito boa, na qual cada vez mais empresas deveriam pensar. Sempre que existem crises existem também oportunidades”, diz.

Vale lembrar que muitas empresas de sucesso foram criadas em períodos de tensão. Às vezes, a adversidade traz à tona o melhor de cada uma delas, fazendo com que se movimentem para ser mais criativas e inovadoras – justamente para sobreviver. Uber, AirBnb, WhatsApp, Square, Pinterest, Slack e Twilio são negócios que surgiram entre 2008 e 2009, logo após a crise financeira global iniciada pela falência do banco norte-americano de investimentos Lehman Brothers.

“Historicamente, são as crises que criam as grandes evoluções. Analisando apenas a história do século 20, é possível notar o grande boom econômico que a humanidade viveu após a Segunda Guerra Mundial. A competitividade desenfreada entre Estados Unidos e a União Soviética criou uma verdadeira corrida pelo desenvolvimento tecnológico. Ela moldou o mundo como conhecemos hoje”, lembra Marília Cardoso, sócia-fundadora da consultoria Palas especializada em inovação e gestão.

Marília diz que o momento atual passa por algo parecido. “Vimos a China construir um hospital em apenas 10 dias e dezenas de startups criarem testes rápidos para detecção da doença ou mesmo para mapear o seu avanço pelo mundo. Em Hong Kong, robôs estão desinfetando os vagões do metrô. Além disso, dezenas de ferramentas que facilitam o trabalho remoto estão sendo liberadas gratuitamente pelas gigantes da tecnologia a fim de manter as pessoas em casa. Isso sem falar no e-commerce, que vem disparando”, diz.

Ela lembra, ainda, que a pandemia também está estimulando a telemedicina. “Um paciente do hospital Albert Einstein apresentou febre após retornar de uma viagem ao exterior e se consultou com um médico por meio de um chat online. Uma equipe foi à sua casa recolher secreção nasal para a realização do teste. Positivo, ele continua sendo tratado em casa, por vídeo”, conta.

Marília propõe que as empresas façam uma análise do que pode ser feito de diferente, como melhorar processos, simplificar, reorganizar e otimizar. “Para isso, nada como uma boa dose de criatividade”, diz. De fato, diversos autores e especialistas no assunto defendem que existe um processo para despertar a criatividade – e ele sempre começa com um problema. “Precisamos entendê-lo bem, buscando ver não apenas a ponta do iceberg, mas toda a sua profundidade. Muitas vezes, a gente acha que sabe qual é o problema, e sai em busca das respostas muito antes de fazer as perguntas certas.”

Uma vez entendido o problema, ela recomenda olhar para dentro de casa. “Temos que nos perguntar se temos conhecimento profundo e diverso suficiente para buscar soluções inovadoras e criativas para problemas que são completamente novos. Se tivermos, vamos para a terceira etapa do processo criativo, a conexão. É momento ‘eureka’. Feita a conexão, temos que validar a ideia, a fim de avaliar se ela realmente é aplicável e se vai produzir os efeitos esperados”, ensina.

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Força-tarefa em prol da informação

Diante do desafio atual, em que empreendedores de todos os tamanhos podem ser diretamente afetados pela instabilidade econômica, disponibilidade de capital e restrição no acesso a mercados internacionais, a Endeavor anunciou que está disponibilizando um data room inédito, que reúne um conjunto de materiais e links úteis, como parte de uma série de medidas de apoio aos empreendedores brasileiros para navegar pela pandemia.

Para a entidade, a resposta para desafios sem precedentes está na experiência de quem já viveu situações semelhantes. O data room, batizado de “Benchmarks Endeavor Covid-19”, explica como as scale-ups estão reagindo ao novo coronavírus com base no ecossistema apoiado pela organização global sem fins lucrativos – 3.000 mentores globais, 60 embaixadores brasileiros e mais de 300 empresas. No data room estão referências de políticas de contenção, webinars gravados, ferramentas de gestão do trabalho remoto e um raio-X da situação no mundo para os empreendedores tomarem as melhores decisões.

O material, que pode ser acessado aqui, é atualizado diariamente a partir do conhecimento coletivo produzido pela rede da Endeavor. Além disso, a jornada de apoio da entidade está sendo migrada para um modelo 100% digital, com mentorias coletivas e individuais que acontecem em oito cidades do país pela internet.

Iniciativa parecida vem da Comunidade Governança & Nova Economia (Gonew.co) e da Associação Brasileira de Startups (Abstartups) que, juntas, lançaram a campanha #StartupsVsCovid19. “O ecossistema de inovação e as startups podem apresentar soluções que ajudem a mitigar direta ou indiretamente o Covid-19 e seus efeitos. Para fomentar a inovação e criação de soluções, compartilhamento de conhecimento é parte fundamental na busca por alternativas para sanar o problema”, avalia Anderson Godz, criador da Comunidade GoNew, investidor e conselheiro de administração.

Na campanha, empresas, empresários e inovadores estão compartilhando experiências e soluções por meio da hashtag #StartupsVsCovid19, com objetivo de levar o movimento ao maior número possível de pessoas e fomentar a inovação e informação. Até o momento, contabilizam-se mais de 40 soluções mapeadas.

“Em um momento de crise, precisamos pensar coletivamente e ter empatia em unir iniciativas de forma coordenada. Startups se adaptam rápido e essa é a essência da inovação. Nos adaptamos para ajudar a enfrentar esse desafio”, diz o presidente da Abstartups, Amure Pinho (foto). Os próximos passos são enriquecimento e ampliação da base de dados de startups, abertura de programa de voluntários e busca por soluções concretas que possam amenizar os impactos do coronavírus.

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Fintech lança solução para proteger investidores de quedas na Bolsa

Depois que o Ibovespa acionou o circuit breaker cinco vezes nos últimos seis pregões, a TradeMachine, fintech brasileira que automatiza investimentos na Bolsa desde 2017, anunciou uma solução quantitativa guiada por inteligência artificial para proteger investidores da queda no mercado de ações.

Com valor mínimo inicial de R$ 10 mil, o novo produto atua a partir de um viés racional, matemático e distante das especulações do mercado financeiro, sem qualquer interferência humana.

“Em períodos de baixa, os investidores, até os mais experientes, muitas vezes não sabem como reagir ao caos. Ao contrário dos seres humanos, algoritmos não ficam inseguros ou entram em pânico. Eles sempre seguem a estratégia à risca. Isso é uma grande vantagem em momentos de instabilidade”, afirma Rafael Marchesano (foto), CEO da fintech.

O executivo exemplifica contando que entre 18 de fevereiro e 11 de março, por exemplo, enquanto o Ibovespa apresentou queda de 36%, um dos portfólios quantitativos da TradeMachine – para investidores com perfil moderado-agressivo – obteve resultado positivo de 2,95%. “Enquanto os investidores vendiam suas ações a qualquer preço para se proteger, nosso portfólio seguia a estratégia”, diz.

Segundo ele, a tecnologia embarcada nos portfólios quantitativos é capaz até mesmo de transformar os momentos de crise em oportunidade para ganhar dinheiro. “Enquanto o mercado reage, a inteligência artificial aprende a utilizar o movimento para ganhar com operações rápidas, tanto no mercado de alta quanto de baixa.”

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MAIS

– A Uber e a Lyft anunciaram ontem (17) que suspenderam a opção de transporte compartilhado de suas plataformas em tempos de coronavírus. No caso da Uber, a medida vale, inicialmente, para Estados Unidos e Canadá. As outras alternativas de transporte continuam disponíveis, assim como o Uber Eats – que se comprometeu a entregar mais de 300.000 refeições para profissionais de saúde e socorristas que estão trabalhando neste momento. Já a Lyft vai aplicar a regra em todos os mercados nos quais atua;

– A Play2Sell, empresa de storytelling e gamificação voltada para vendas, viu na avalanche de informações sobre a pandemia uma oportunidade de usar uma linguagem lúdica e alcançar pessoas que desejam entender mais do assunto. A empresa está lançando um jogo para celular, gratuito, que testa o conhecimento dos gamers sobre o tema. Batizado de “Corona Vírus”, está disponível nas lojas Apple Store e Google Play;

– A Hughes Network Systems, especializada em redes e serviços de internet de banda larga via satélite, anunciou a instalação do milésimo hotspot do Comunidade Wi-Fi na América Latina, em parceria com o Facebook Connectivity. Os hotspots estão distribuídos por Brasil, Colômbia, México e Peru. Cada hotspot é conectado por um acesso via satélite, e permite que comerciantes ofereçam internet a preços acessíveis para até 500 pessoas em suas comunidades rurais, lugares em que a conectividade via cabo é muito cara ou indisponível;

– Startup criada na Incubadora Supera Parque de Inovação e Tecnologia de Ribeirão Preto, no campus da USP, a Educacross liberou gratuitamente sua plataforma de ensino e aprendizado para todas as instituições de ensino públicas e particulares do Brasil. O objetivo é apoiar as escolas neste momento de recesso forçado. A plataforma é constituída pela convergência de metodologias e processos que aperfeiçoam o ensino-aprendizagem em matemática e a gestão do conhecimento. Com metodologia própria, games e IA, a plataforma já está presente em 13 estados e no Distrito Federal, contabiliza 38 milhões de missões realizadas pelos alunos e 1,4 milhão de horas de estudos. São 1.800 jogos com mais de dois milhões de desafios, com personalização e gamificação;

– A SEDA College, escola irlandesa de intercâmbio e ensino de idiomas, está disponibilizando, a partir de hoje (18), gratuitamente, o conteúdo da sua plataforma, que conta com mais de 50 cursos em vídeos-aula. O objetivo da medida é que durante o período de quarentena as pessoas possam estudar inglês;

– O Dandelin, aplicativo que conecta pacientes a médicos com base em princípios de economia compartilhada, está comemorando um crescimento de 1.700% em seu faturamento de 2019 na comparação com 2018. Prestes a completar dois anos de operação, a startup também registrou um crescimento expressivo no volume de agendamento de consultas: 570%.

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