“Black Mirror” da vida real: brasileiro funda startup para recriar pessoas mortas

10 de setembro de 2020
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O episódio “Be Right Back”, da 2ª temporada de Black Mirror, mostra uma tecnologia capaz de criar uma versão virtual da pessoa falecida

Em 2013, a série britânica “Black Mirror” lançava sua segunda temporada. No primeiro episódio, uma viúva desolada experimentava um novo serviço que permitia “contato com os mortos”, ou melhor, com uma versão virtual de seu falecido marido. Essa aproximação começava com mensagens de texto, já que o sistema era alimentado por uma base de dados com informações comportamentais das interações online entre os dois enquanto ele ainda era vivo. Mas, depois de um tempo, graças a vídeos e fotos, o serviço foi capaz de reproduzir a voz e, assim, permitir que a viúva “conversasse com ele” por telefone. A evolução desse processo foi a criação de um androide, à imagem e semelhança do falecido, que interagia pessoalmente com a inconsolável mulher.

Agora, sete anos depois, um pesquisador brasileiro acha que chegou o momento de colocar em prática o serviço previsto por uma das séries de ficção mais comentadas de todos os tempo. “Se eu falasse sobre a minha ideia três anos atrás, não teríamos tecnologia suficiente”, diz Deibson Silva, pesquisador e neuropsicólogo formado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).

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No início do ano, porém, quando Silva conversou com o especialista em inteligência artificial e chefe do departamento de ciência e tecnologia da Universidade de Berkeley, Alberto Todeschini, sobre a ideia de um aplicativo capaz de recriar uma pessoa na nuvem para que, após a morte, ela pudesse conversar com seus entes queridos, a recepção do especialista foi surpreendente.

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Deibson é especialista em Neuropsicologia pela USP e CEO do CIS Assessment, software de mapeamento e análise de perfil comportamental

Em pleno Vale do Silício, o brasileiro começou, então, a desenvolver a startup Legathum. “O intuito do projeto é mapear a personalidade humana e transferir tudo isso para uma inteligência artificial.” Ele explica que esse processo será feito por meio de um bot, que servirá como um mentor de vida, pedindo para que o usuário conte suas histórias e lembranças. “O sistema vai levar, no mínimo, seis meses para mapear todo o histórico de uma pessoa adulta, da infância aos dias atuais. E não vai mais parar, ou seja, será um processo contínuo até o último dia de vida.”

Silva diz que o objetivo é ter informações variadas: do cotidiano, momentos marcantes, memórias e conhecimentos. E é a partir dessa análise completa desses dados e da personalidade da pessoa que a ferramenta vai conseguir chegar no objetivo final: promover conversas por chamada de vídeo. “Só vamos alcançar esse resultado daqui, mais ou menos, três ou quatro anos.” Isso porque é preciso recriar a voz, a imagem e a tomada de decisões da pessoa falecida para que ela possa conversar e dar conselhos para seus familiares e amigos de forma fiel.

“Eu perdi minha avó, que foi como uma mãe para mim, quando tinha apenas 18 anos. Ela ainda tinha muita coisa para me ensinar sobre a vida. Tive que tomar muitas decisões sozinho, então, por que não consultar uma inteligência artificial com a mesma mentalidade daquela pessoa que se foi?”, pergunta.

Enquanto a startup é desenvolvida para chegar nesse nível de contato “póstumo”, o pesquisador conta que o primeiro protótipo, com previsão de lançamento restrito a um grupo de pessoas para dezembro de 2020, vai gerar um livro e um filme biográfico com as memórias de alguns usuários que estão testando a novidade. “Eu acredito que todo mundo tem que deixar o seu legado. Não só Steve Jobs ou Bill Gates. Não apenas eles merecem uma biografia”, diz Silva, destacando a possibilidade de que as chamadas de vídeo possam ser compartilhadas com o mundo todo graças a um aplicativo, e não apenas com a família.

“Vai ter o modo privado e o modo público, que é quando o usuário permite que disponibilizemos seu conteúdo para quem se interessar. No futuro, também teremos uma rede de mentores virtuais”, explica. Para o pesquisador, essa é uma função que vai possibilitar escalar o conhecimento de pessoas das mais diferentes áreas e realidades. Indivíduos que nunca se tornaram famosos, por exemplo, mas que podem contribuir muito com relatos e conhecimentos de vida. “Quantas histórias morrem porque, com o passar das gerações, são esquecidas?”, pergunta.

Empolgado, Silva acredita que todas essas ferramentas possibilitam a criação de um legado, por isso o nome da startup – “Legathum”. Essa palavra está tão ligada à essência do projeto que o pesquisador conta ter se surpreendido ao encontrar uma música que transmite exatamente o seu pensamento. Na faixa “Glorious”, do duo Macklemore & Ryan Lewis, há um trecho que diz: “Ouvi que você morre duas vezes: uma quando é enterrado no túmulo e a segunda quando alguém menciona seu nome pela última vez.”

Silva espera que, com o seu projeto, possa fazer ressoar para sempre as vozes dos que se vão. E que, assim, a morte ocorra apenas uma vez, como uma passagem que deixa rastros valiosos e duradouros. “Essa é a música da Legathum. Como se fosse nossa trilha sonora oficial.”

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