Licínio Januário, do streaming Wolo TV: "a solução para empreendedores negros no Brasil é buscar capital de fora"

15 de janeiro de 2021
Divulgação

O empreendedor angolano estabeleceu sua empresa nos EUA para atrair investimentos e acelerar a internacionalização

Angola, final dos anos 2000. O país africano se encontrava em momento importante de sua história, em que um longo período de guerra civil dava lugar ao início de uma reconstrução socioeconômica. Entretenimento de outros países, como o Brasil, começava a chegar às TVs.

Em meio a este recente processo de redemocratização, o engenheiro civil Licínio Januário mudou-se para o Brasil, e se deparou com um país muito diferente do que via nas novelas exportadas para seu país natal. O angolano então migrou para o setor de audiovisual e plantou a semente do que se tornaria a Wolo TV, plataforma de streaming com foco em cultura negra lançada no Natal de 2020, e que atraiu uma audiência de mais de 25 mil pessoas em 20 dias com a série de comédia “Casa da Vó”.

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“Eu não sabia que no Brasil a maioria da população era negra, e conheci um país com estatísticas elevadas de fome, desemprego e trabalho informal. Por outro lado, com um olhar de fora, vejo que a indústria do entretenimento daqui não reflete o tamanho e nem a demografia do país”, conta Januário, em entrevista à Forbes.

Com o objetivo de oferecer um catálogo focado em narrativas negras, bem como descentralizar a produção audiovisual no Brasil e oferecer oportunidades para profissionais negros do setor, Januário se uniu a Leandro Lemos, empreendedor de tecnologia que vendeu sua empresa – a TechParking, que criou o produto que indica a disponibilidade de vagas em estacionamentos de shopping center – e hoje é baseado no Canadá, para criar a Wolo TV.

A plataforma é parte um movimento que ganha força no mundo, com streamings que distribuem conteúdo desenvolvido por criadores negros como os pioneiros KweliTV e AfroLane TV, além de alternativas mais recentes, como os serviços norte-americanos ALLBLK e Blacktag, bem como a brasileira AFRO.TV, também lançada no final do ano passado.

A holding dona da Wolo é baseada nos Estados Unidos, e a operação brasileira é uma subsidiária. O pool de investidores inclui a DIMA, empresa de desenvolvimento internacional do Qatar. Segundo Januário, este movimento de internacionalização foi estratégico para facilitar investimentos de fora, bem como a futura entrada da Wolo em outros mercados na América do Norte e na África.

“No Brasil [o processo de busca por recursos] foi complicado, e nosso approach não teve sucesso nos eventos, aceleradoras, incubadoras, e junto aos [gestores de] venture capital”, conta o empreendedor. “A solução no Brasil, quando falamos de capital para empreendedores negros é partir de fora para dentro. Os investidores [estrangeiros] entendem o potencial do audiovisual. Decidimos focar 100% nos investidores de fora do Brasil – e isso deu certo”, ressalta.

Segundo Januário, o aparente desinteresse no potencial de plataformas de streaming no Brasil não se limita a investidores. A série produzida em quatro meses que marcou o início das operações da Wolo tem no elenco grandes nomes como Margareth Menezes, mas não atraiu o patrocínio de grandes empresas de bens de consumo, alimentos e outros setores.

Por outro lado, o projeto atraiu um grupo de empresas com diversos negócios liderados por negros que inseriram seus produtos na série, como o marketplace Afropolitan e o D’Black Bank, fintech de Nina Silva e Alan Santos, do Movimento Black Money, que aparece como o meio de pagamento utilizado nas cenas. Segundo Lemos, estes negócios se beneficiarão de uma plataforma global.

Júlio Limiro/Divulgação

Margareth Menezes como Teresa na série “Casa da Vó”

“Não estamos fazendo nada novo e sim algo que está dando super certo mundo afora; vamos apresentar estas narrativas não só para o Brasil, mas para o mundo inteiro”, ressalta Januário, dizendo que a Wolo já atraiu o interesse de investidores não só dos Estados Unidos, mas de países como a Nigéria, que nos últimos anos se tornou um importante hub de produção audiovisual.

Segundo Lemos, o câmbio atual torna a proposta da Wolo atrativa para apoiadores de fora do Brasil. “Vemos produtoras tradicionais fazendo um filme com budgets de R$ 10 milhões, R$ 30 milhões. Com R$ 10 milhões nós fazemos, no mínimo, três séries bem produzidas com narrativa popular – e sem focar em prêmios internacionais e no próprio enriquecimento”, aponta.

Com a primeira série no ar, prioridades para a Wolo em 2021 são a captação de novos recursos e o fechamento de um aporte para acelerar o crescimento e novas produções. A empresa também quer aumentar o alcance do seu mapeamento de profissionais de audiovisual no Brasil e aprimorar o marketing, principalmente nas redes sociais.

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Lemos diz que a Wolo quer estar com mais duas séries produzidas até o fim de 2022 e de portas abertas para produtoras menores lideradas por negros e indígenas. “Queremos garantir que estes criadores não levem mais nenhum ‘não’, e que tenham a oportunidade de levar para a Wolo seu conteúdo, sem ter que esperar pelas grandes plataformas de streaming.”

Angelica Mari é jornalista especializada em inovação há 18 anos, com uma década de experiência em redações no Reino Unido e Estados Unidos. Colabora em inglês e português para publicações incluindo a FORBES (Estados Unidos e Brasil), BBC e outros.

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