Capital de risco para startups de saúde mental cresce nos EUA na mesma proporção que a ansiedade e a depressão

10 de junho de 2021
Reprodução/Forbes

Cerca de um em cada quatro norte-americanos não tem acesso a terapeutas nos convênios, de acordo com a National Alliance on Mental Illness

Os investidores mais corajosos começaram a se envolver em saúde mental nos últimos anos como parte de um boom mais amplo de financiamento digital do setor, mas muitos permaneceram cautelosos. O aval de celebridades, como a campanha do nadador olímpico Michael Phelps com a startup de terapia virtual Talkspace, começou a diminuir o estigma de longa data, enquanto aplicativos de atenção plena, como o Calm, passaram a oferecer sessões de meditação a um clique de distância. Mas foi a pandemia de Covid-19 e suas consequências psicológicas coletivas que finalmente colocaram a saúde mental em foco.

Em 2019, cerca de 11% dos adultos norte-americanos relataram sintomas de ansiedade ou depressão, índice que disparou para 42% em dezembro de 2020. Os investidores de risco chegaram ao final do ano tendo despejado um recorde de US$ 1,5 bilhão em startups relacionadas à saúde mental. “Quando a pandemia começou, houve uma pausa de duas semanas”, diz Lisa Suennen, uma antiga investidora na área de saúde que lidera o fundo de risco no escritório de advocacia e consultoria Manatt, Phelps & Phillips. “E, então, tudo enlouqueceu.”

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Atualmente, existem sete unicórnios de saúde mental nos Estados Unidos, ante dois há um ano, impulsionados pela enxurrada de IPOs (Oferta Pública Inicial, da sigla em inglês) de empresas de saúde digital, acordos de SPAC e fusões e aquisições. Em 2020, o financiamento de startups de saúde mental foi 5,5 vezes maior do que os US$ 275 milhões que os investidores aportaram quatro anos antes, de acordo com dados da CB Insights. Existiam 124 negócios no ano passado, em comparação com 69 em 2016.

Não há uma desaceleração à vista, com o volume de financiamento no primeiro trimestre de 2021 chegando a US$ 795 milhões, à medida que as startups continuam a disputar o domínio do mercado pós-pandemia. “Espero que o interesse pela saúde mental seja persistente”, diz Lisa. A onda de financiamento “parece uma moda passageira agora, o que me preocupa”, assim como a expansão das avaliações. “Alguns desses valores de mercado estão além do apropriado, dados os fundamentos subjacentes”, diz. “E isso não é exclusivo da saúde mental, isso é saúde digital em todos os aspectos agora.”

O ponto alto foi definido antes da pandemia, quando a empresa de telepsiquiatria Genoa Health foi comprada pelo UnitedHealth Group por US$ 2,5 bilhões em 2018. Na sequência, em 2019, a startup de saúde mental Calm atingiu uma avaliação de bilhões de dólares. A Lyra conquistou o status de unicórnio em 2020 após uma rodada de financiamento impulsionada pela pandemia. Já a Modern Health, BetterUp e Ginger se juntaram ao clube em 2021.

Em janeiro, o Talkspace anunciou planos de abrir capital em um acordo SPAC que avaliou a empresa em US$ 1,4 bilhão; espera-se que o negócio seja concluído ainda este ano. Em abril, a KKR adquiriu uma participação majoritária na empresa de software de registros eletrônicos de saúde mental Therapy Brands por um valor não revelado. Este mês, o LifeStance Health Group, provedor ambulatorial de saúde mental apoiado pela empresa de investimento TPG Capital, anunciou planos para abrir capital em uma avaliação estimada em mais de US$ 6 bilhões.

Bob Kocher, sócio da Venrock, está apostando na Lyra Health – empresa que ele cofundou em 2015 ao lado do ex-CFO do Facebook David Ebersman – para decolar. “A única coisa desvalorizada na saúde norte-americana é a saúde mental”, diz ele, acrescentando que, historicamente, os negócios da área não têm sido lucrativos. A Lyra, sediada em Burlingame, na Califórnia, e avaliada em US$ 2,3 bilhões em uma rodada de financiamento em janeiro, visa especificamente grandes empregadores como clientes, como Morgan Stanley, eBay e Genentech.

Apesar das leis federais nos EUA exigirem que a saúde mental seja reembolsada na mesma proporção das doenças físicas, muitas pessoas com seguro médico ainda enfrentam obstáculos, como longos tempos de espera e batalhas para reverter recusas de sinistros. Cerca de um em cada quatro norte-americanos não tem acesso a terapeutas nos convênios, de acordo com a National Alliance on Mental Illness. Muitos fornecedores de saúde mental optam por operar fora das redes credenciadas, uma vez que as taxas de reembolso são muito baixas.

Dada a cobertura irregular, Kocher e Ebersman levantaram a hipótese de que os empregadores estariam dispostos a pagar por um benefício de saúde mental separado, especialmente porque a depressão é uma das principais causas de incapacidade em todo o mundo. “Esta é a única empresa com a qual já trabalhei que não temos que fazer marketing”, diz Kocher. “Isso mostra como o acesso tem sido difícil para a maioria das pessoas durante a maior parte de suas vidas.”

Antes da pandemia, já se estimava que menos da metade dos adultos e crianças com problemas de saúde mental nos Estados Unidos ficavam sem nenhum tratamento. Isso se deve a uma combinação de problemas de estigma, custo e acesso, juntamente com uma crescente escassez de fornecedores de saúde mental. Em 2016, mais da metade dos condados do país não tinha um único psiquiatra.

As startups têm abordagens diferentes para conectar usuários a serviços de saúde mental. Algumas, como a Calm, de São Francisco, na Califórnia, avaliada em US$ 2 bilhões, não têm um componente médico. A plataforma começou como um aplicativo de atenção plena com foco direto no consumidor, por meio de meditações guiadas e trilhas sonoras calmantes. Agora, a empresa tem uma divisão empresarial que vende o serviço para outras companhias e afirma ajudar os usuários a reduzir o estresse e dormir melhor.

As empresas de plataforma de saúde mental ajudam a conectar usuários diretamente a terapeutas e outros fornecedores. A Lyra e a Modern Health, com sede em São Francisco, só podem ser acessadas por meio de um acordo do empregador, enquanto a Talkspace, com sede em Nova York, e a BetterHelp, em Mountain View, também na Califórnia, têm sites onde qualquer pessoa pode preencher um questionário e agendar uma consulta. (Nenhuma das companhias pode ajudar pessoas que estão em uma crise de saúde mental com risco à vida. Em vez disso, pessoas nessas condições devem recorrer aos serviços públicos de prevenção de suicídios, disponíveis na maioria dos países.)

Várias empresas apoiadas por capital de risco também empregam “coaches de saúde mental”. Essas pessoas não podem diagnosticar ou tratar condições clínicas, mas devem ajudar os usuários que estão lidando com fatores estressantes em seus empregos ou relacionamentos antes que eles cresçam.

Embora haja um consenso de que melhorar o acesso aos serviços de saúde mental é extremamente necessário, a explosão de financiamento e avaliações altíssimas significa que os consumidores e médicos são deixados para escolher entre centenas de opções sem um bom senso de quais irão funcionar e quais são apenas exageros. Muitas dessas startups fazem parceria com instituições de pesquisa para publicar estudos, mas ninguém fez uma comparação direta do mercado. Também existe a preocupação de que o hiperfoco em tecnologia e cuidado virtual seja como fazer algo superficial para parecer mais interessante.

Comunidades de baixa renda ou rurais sem acesso à banda larga suficiente seguem mal atendidas; e ainda haverá uma escassez de fornecedores nos EUA e problemas com reembolso. “Você não pode simplesmente colocar uma ferramenta em um sistema desigual e esperar que ela resolva todas essas desigualdades”, diz Nicole Martinez-Martin, professora assistente do Centro de Ética Biomédica de Stanford que estuda aplicativos de saúde mental.

Também há a questão do que pode ser perdido caso a maioria das consultas de saúde mental mude para o online. Jessi Gold, psiquiatra e professora assistente da Washington University em St. Louis, tem feito consultas virtuais, mas prefere ver os pacientes pessoalmente. Ela diz que existe um equívoco de que só porque os profissionais de saúde mental não conduzem exames físicos, tudo o que eles precisam é ver o rosto do paciente em uma tela para serem eficazes. “As emoções e a conexão com as pessoas são muito mais importantes e vão muito além de olhar apenas para o rosto delas”, diz Jessi, que também é colaboradora da Forbes .

A especialista reconhece que o sistema de saúde mental dos Estados Unidos é falho. Mas as startups de tecnologia apoiadas por capital de risco por si só não resolverão o pântano complicado de cobertura ruim do seguro, atos administrativos malucos para pacientes em perigo e médicos esgotados por carregar o peso da dor do país. “Eu entendo de uma perspectiva de negócios e de uma perspectiva de necessidades porque [as startups] estão interessadas em saúde mental agora”, diz ela.

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