O IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), criado no âmbito das Nações Unidas), estimou que 23% das emissões globais de GEEs (gases do efeito estufa) estão associadas ao uso da terra, incluindo 11% das emissões globais de GEE do desmatamento e da conversão de ecossistemas naturais. Um dos pontos de discussão mais salientes na COP26 foi a necessidade de estabelecer sistemas alimentares mais sustentáveis, pois as mudanças nos padrões de temperatura e clima podem interromper as cadeias de abastecimento, afetar a produtividade e levar a preços mais altos das commodities.
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O setor financeiro privado tem um papel a desempenhar, pois, ao redirecionar o capital as instituições financeiras podem ser cruciais na transição global para uma economia de natureza positiva. Por meio do Race to Zero, mais de 30 instituições financeiras, com mais de US$ 8,7 trilhões em ativos sob gestão, se comprometeram a trabalhar na eliminação dos riscos de desmatamento causados por commodities agrícolas em seus investimentos e carteiras de empréstimos até 2025. Por meio da iniciativa de Finanças Inovadoras para a Amazônia, Cerrado e Chaco, oito instituições financeiras e empresas do agronegócio anunciaram um compromisso de US$ 3 bilhões — com mais de US$ 200 milhões em desembolsos até 2022 — para a produção de soja e gado livre de desmatamento e conversão de terras na América do Sul. No entanto, existem barreiras significativas para a construção de um sistema agrícola mais sustentável.
Há uma falta de incentivos positivos para encorajar práticas agrícolas sustentáveis, o que é destacado pelo fato de que, na última década, cerca de 40 vezes mais financiamento fluiu para práticas destrutivas de uso da terra do que para proteção florestal, conservação e agricultura sustentável combinadas. Existem outros desafios em torno da fuga de capitais, falta de transparência e rastreabilidade, sensibilidade em relação ao preço e acessibilidade dos alimentos e, é claro, a concentração de mercado e a dinâmica de poder entre os participantes do mercado global.
O problema com os compromissos de desmatamento ou uso sustentável da terra é que se a estrutura do sistema econômico está focada na exploração de recursos em uma base financeira puramente de curto prazo, pode ser difícil para os formuladores de políticas implementar mudanças eficazes ou para os financiadores usarem seu dinheiro de forma eficaz. A Folu (Food and Land Use Coalition) estimou que se as 500 maiores empresas do mundo comprometessem menos de 0,1% de sua receita total e menos de 1,5% de seu lucro total em investimentos em grande escala na natureza, por ano, isso seria suficiente para salvar as florestas das quais depende toda a vida na terra. Pode ser que a própria estrutura do mercado e sua desagregação sejam as maiores barreiras – o que torna o comprometimento líquido zero de dez grandes participantes de commodities agrícolas em um potencial meio para virar o jogo.
No setor de energia, por exemplo, de acordo com a última avaliação da TPI (Transition Pathway Initiative), apenas uma em cada dez das maiores empresas de energia está alinhada com uma trajetória de 1,5°C em 2050, de 140 avaliadas na TPI. E apenas três empresas de petróleo e gás, TotalEnergies, Occidental Petroleum e Eni, estão alinhadas a 1,5° C. A maioria, 57%, não conseguiu se alinhar com qualquer um dos benchmarks de temperatura da TPI, incluindo um que reflete o novo benchmark National Pledges – 66% nem mesmo estão alinhados com o Acordo de Paris.
Portanto, o que precisamos ver no setor agrícola é uma ação clara que permitirá um melhor entendimento de onde surgem as emissões e a dependência de recursos, e as formas mais eficazes de enfrentá-las. Um dos desafios enfrentados por muitos compromissos líquidos zero é a enorme importância (e falta de compreensão) da cadeia de suprimentos, ou emissões de escopo 3. Ainda assim, as emissões de escopo 3 de uma empresa são o escopo 1 ou 2 de outra empresa — o importante é criar entendimento, alinhamento e ação. Esse é o potencial oferecido pelo compromisso de grandes empresas de commodities com a trajetória de 1,5 ° C, com planos de criar uma trajetória setorial até a COP27 no Egito.
As dez empresas que se reuniram — ADM, Amaggi, Bunge, Cargill, Golden Agri-Resources, JBS, Louis Dreyfus Company, Olam, Wilmar e Viterra — gerenciam grandes volumes de comércio global em commodities agrícolas importantes, incluindo mais da metade de ambas as exportações brasileiras de soja e comércio global de óleo de palma — duas áreas que quais são conhecidas por serem motores significativos do desmatamento.
Quando governos, empresas, sociedade civil, filantropia, ciência e inovação se unem, isso pode criar mudanças sem precedentes. Os compromissos globais com o desmatamento levarão a mudanças sistêmicas nas finanças, no comércio, nas prioridades agrícolas e nos direitos das comunidades locais e dos povos indígenas. Mas é alavancando as ações das corporações no local e encorajando a colaboração entre cadeias de suprimentos e até mesmo entre concorrentes que será possível construir um caminho mais sustentável para o futuro.
As políticas para realinhar o capital, definir os preços das emissões e impulsionar uma agenda líquida zero são necessárias para fornecer a estrutura e a certeza para a ação do setor privado. No entanto, nos últimos dois anos, vários setores ultrapassaram os países em termos de compreensão dos desafios e disposição para enfrentá-los. Novos acordos de ação, alinhados a 1,5 °C e a ciência com prazos claros para entrega, podem significar o início da transição do mercado agrícola global — tão abrangente e disruptivo quanto o que o mercado de energia enfrenta hoje.
* Felicia Jackson é colaboradora da Forbes EUA e fundadora da The Net Imperative Ltd e New Energy Finance (mais tarde comprada pela Bloomberg). É jornalista, professora na Escola de Estudos Orientais e Africanos da Universidade de Londres e autora de Conquering Carbon: Carbon Emissions, Carbon Markets and the Consumer.