Os críticos da agricultura moderna costumam citar sua dependência dos “fertilizantes sintéticos de nitrogênio”. Eles apontam para a pegada de carbono do gás natural usado para produzi-lo e o fato de que o nitrogênio das fazendas pode acabar como poluente da água ou do ar. Também há a questão de que, em certas circunstâncias, uma fração do nitrogênio aplicado na fazenda pode ser emitida pelo solo como um gás de efeito estufa muito potente — o óxido nitroso.
Embora esses problemas sejam reais, a solução não é evitar de alguma forma o uso desse fertilizante, ou estabelecer arbitrariamente limitações nas quantidades que os agricultores podem usar para cultivar suas plantações. Infelizmente, existem várias dessas abordagens equivocadas sendo adotadas. Uma advertência real vem do Sri Lanka, país que recentemente proibiu a importação de fertilizantes em uma tentativa de se tornar a primeira região do mundo de produção totalmente orgânica. Essa escolha prejudicou o suprimento de alimentos desse país e sua importante indústria de exportação de chá.
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O Canadá, recentemente, determinou a redução de fertilizantes nitrogenados para seus agricultores sem vincular isso a uma medida racional, como quilo de fertilizante por tonelada de produção. A Índia está promovendo “agricultura natural de orçamento zero, que poderia minar a independência alimentar que a nação desfruta desde a “revolução verde”. A União Européia está promovendo a agricultura orgânica que exclui “fertilizantes sintéticos” como parte de sua controversa estratégia “Farm to Fork”.
Na verdade, o orgânico é frequentemente promovido como uma solução para problemas de fertilizantes, sem o reconhecimento de que a produção de culturas orgânicas é realmente bastante dependente do nitrogênio “sintético” que acabou no esterco de animais criados de modo convencional. Como diz um especialista no assunto, “siga o nitrogênio”. E só para ficar claro, o fertilizante de nitrogênio produzido pelo homem começa como amônia, que é uma forma natural desse elemento e não algo artificial como o termo “sintético” pode sugerir.
Acertando na fertilização
No clássico conto de fadas Cachinhos Dourados, a personagem principal quer seu mingau “nem muito quente, nem muito frio, mas na medida certa”. O desafio para os agricultores é aplicar nitrogênio de uma maneira que não represente muito ou pouco, mas que seja “perfeito” para o crescimento ideal das lavouras. Os fertilizantes são um dos custos operacionais mais significativos do cultivo de uma lavoura, portanto, não há fundamento econômico para que os produtores usem o produto em excesso.
Mas, por outro lado, se uma cultura estiver com poucos nutrientes durante os principais estágios de crescimento, a renda baseada na produtividade do agricultor estará comprometida. Assim, o objetivo de longa data para a fertilização ideal foi expresso como “Os 4-Cs”, que são:
- a quantidade certa
- na forma certa
- no lugar certo
- na hora certa
Este é um desafio não trivial por causa das limitações logísticas e dos caprichos do clima, mas a economia básica leva ao uso cuidadoso.
Por que a agricultura precisa aperfeiçoar o uso de nitrogênio
Nos dias atuais existem dois fatores de “mudança de jogo” que chamam mais atenção para as questões dos fertilizantes nitrogenados – a guerra na Ucrânia e as mudanças climáticas. A guerra levou a um aumento dramático nos preços dos fertilizantes e destacou a conveniência de se mudar para o abastecimento doméstico. E as preocupações com as mudanças climáticas estão colocando os holofotes na pegada de gases de efeito estufa dos métodos atuais de produção de fertilizantes nitrogenados, bem como nas emissões de óxido nitroso no campo
Diante dessas preocupações crescentes, o setor agrícola está sendo chamado a “melhorar o seu seu jogo de N”. O desafio é atender à crescente demanda por alimentos, rações, fibras, combustíveis e outros biomateriais, sem provocar mudanças no uso da terra e sem exacerbar os problemas relacionados ao nitrogênio.
Felizmente, a tendência nas últimas três décadas é animadora. Considere o exemplo dos “estados I” (Illinois, Iowa e Indiana) que respondem por cerca de um terço da produção de milho dos EUA. O rendimento em 2021 foi 35-51% maior do que no início dos anos 1990, mas o uso de nitrogênio aumentou apenas entre 8% e 18%. Assim, a “eficiência de uso de nitrogênio” nesses estados (expressa como bushels produzidos por libra de nitrogênio aplicado) aumentou 29-35%. Isso significa que o uso de nitrogênio para o milho nesses três estados em 2021 foi de quase 800 mil toneladas a menos na comparação com as taxas aplicadas no início da década de 1990.
Recuperação de Nutrientes
Quando os animais (incluindo os humanos) digerem seus alimentos, eles não conseguem absorver todos os nutrientes desses alimentos. É por isso que o estrume, os dejetos animais, sempre foi usado como fertilizante, como continua a ser hoje. O estrume em suas várias formas (incluindo a compostagem) não é um fertilizante ideal, pois requer a aplicação de toneladas por hectare e não é passível de algumas práticas agrícolas desejáveis, como plantio direto ou aplicação de precisão (descritas abaixo).
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Mesmo assim, uma nova tecnologia chamada Varcor Processor, uma ferramenta comercial, já está disponível e que recupera os nutrientes fertilizantes do esterco em formas altamente utilizáveis. E tem mais. Há, também, interesse em estabelecer mecanismos para reciclar a urina humana como fertilizante rico em nitrogênio e fósforo. No entanto, como nem os animais nem os humanos produzem fertilizantes nitrogenados, essas são fontes potenciais limitadas.
Fertilização de precisão
Os solos dos campos agrícolas não são uniformes, eles têm diferentes potenciais de rendimento em diferentes zonas. É comum hoje que as máquinas agrícolas sejam equipadas com GPS ou outras tecnologias de georreferenciamento para “auto-direção” e gerar informações como um mapa de produtividade.
Para evitar desperdiçar dinheiro em excesso de fertilizante, o agricultor pode usar a “fertilização de taxa variável” colocando mais ou menos em cada área de plantio com base em seu potencial de crescimento. As taxas de aplicação também podem ser guiadas por várias tecnologias de imagem que usam “análise hiperespectral” para visualizar o status de nutrientes da cultura em crescimento e ajustar as taxas de fertilizantes nessa zona ainda mais precisa.
Para culturas que são irrigadas, é possível vincular muito estreitamente o fornecimento de nitrogênio e outros nutrientes ao que as plantas precisam em qualquer ponto da estação de crescimento por “alimentação com colher” – entregando o fertilizante por meio de linhas de gotejamento ou outros sistemas de irrigação em níveis que se aproximam do que as plantas irão absorver rapidamente com suas raízes em cada ponto ao longo da estação.
Na agricultura não irrigada, esse nível de controle não é possível, mas o fertilizante pode ser aplicado em algumas “aplicações fracionadas”, para atender melhor às necessidades das plantas. Outra opção é uma “formulação de liberação controlada” do fertilizante, em que um revestimento de polímero diminui a taxa na qual os nutrientes se movem para o solo.
Prevenção da perda de nitrogênio
Depois da aplicação de um fertilizante de nitrogênio em uma lavoura, pode demorar um pouco para que ele seja absorvido pela cultura em crescimento e, nesse meio tempo, pode ser convertido em formas que permitem que ele se mova no ar ou na água, de modo que não esteja mais disponível para a cultura podendo causar problemas ao meio ambiente.
Existem várias tecnologias que atuam como “Inibidores de Perda de Nitrogênio”. Por exemplo, a ureia é uma forma muito prática de nitrogênio para usar como fertilizante, mas existem enzimas presentes nos solos chamadas ureases que a convertem em amônia (NH4), que é volátil, de modo que sobe na atmosfera apenas para integrar uma chuva mais tarde e causar uma forma de poluição da água conhecida como “eutrofização”.
Há, também, produtos chamados “inibidores de urease” que previnem essa forma potencialmente importante de perda de nitrogênio. Quando o nitrogênio do fertilizante está na forma de amônia carregada positivamente (NH4+), ele se encontra em uma forma disponível, mas não móvel. Existem micróbios nos solos que convertem o amônio em nitrato (NO3-), que é muito móvel na água, de modo que pode lixiviar nas águas subterrâneas ou ser lavado em córregos.
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Se o solo estiver encharcado ou compactado para que não tenha ar disponível, o nitrato também pode ser perdido para a cultura se for “desnitrificado”, o que significa que é convertido em gás N2 que volta ao ar como um gás inofensivo. Infelizmente, nesse processo, parte do nitrogênio é transformado em óxido nitroso (N2O), que é um gás de efeito estufa extremamente potente.
Existem produtos chamados “inibidores de nitrificação” que reduzem esses problemas de perda de nitrogênio e poluição. A tecnologia de direção automática baseada em GPS também permite que o produtor empregue o “tráfego controlado de rodas” para que apenas uma pequena porcentagem de solo seja compactado pelas rodas de equipamentos pesados. Se nenhum fertilizante de nitrogênio for aplicado a esses possíveis trilhos de compactação do solo, o risco de emissões de óxido nitroso é bastante reduzido.
Usando nitrogênio “verde”
No início do século 20, os cientistas alemães Fritz Haber e Karl Bosch inventaram o processo pelo qual o gás nitrogênio inerte, que compõe 78% da atmosfera, poderia ser convertido em amônia e em outras formas com capacidade para fertilizar as plantas. Até aquele momento, o mundo havia extraído seu nitrogênio de fontes naturais, incluindo a mineração de depósitos de guano de pássaros. O hidrogênio também é necessário para essa reação e o gás natural (CH4) sempre foi usado no processo Haber-Bosch, porque era a fonte mais barata.
O hidrogênio também pode ser produzido a partir da água, usando eletricidade gerada pelo vento ou pelo sol, sendo possível contar com tecnologias disponíveis para produzir nitrogênio com pegada de carbono muito menor e que estão ficando mais competitivas em termos de custos. Outra vantagem do uso de energia renovável para gerar fertilizantes nitrogenados é que ela pode ajudar na redução da dependência de importação.
Fixadores de Nitrogênio
O termo “fixador” tem algumas conotações negativas, mas na natureza existem certas bactérias benéficas que podem “fixar” nitrogênio, o que significa que elas têm uma capacidade única de pegar parte do gás N2 quase inerte que compõe 78% da atmosfera e convertê-lo em amônia (NH4) que é o ponto de partida para todas as formas biologicamente importantes desse elemento.
Existe uma família de plantas conhecidas como leguminosas que têm uma relação especial com uma dessas espécies bacterianas chamada Rhizobium. A planta fornece ao micróbio os açúcares que contêm uma quantidade considerável de energia necessária para esse processo. As plantas também “abrigam” essas bactérias em estruturas especializadas ao longo de suas raízes, chamadas “nódulos”, que criaram um ambiente muito baixo de oxigênio que também é importante para o processo de fixação.
Várias culturas de leguminosas, principais e secundárias, têm essa capacidade e requerem pouco ou nenhum fertilizante de nitrogênio (soja, feijão comestível seco, ervilha, amendoim, lentilha, grão de bico, alfafa…). Quando as leguminosas fazem parte da rotação de culturas, elas deixam uma quantidade razoável de nitrogênio para a próxima safra não leguminosa (por exemplo, milho, trigo, canola…). Existem também leguminosas que podem ser usadas como plantas de cobertura, para aumentar a oferta de nitrogênio no solo.
De longa data, há estudos que buscam por maneiras de permitir que culturas não leguminosas também se beneficiem de bactérias fixadoras de nitrogênio. Existem algumas bactérias que vivem no solo e são capazes de fixar nitrogênio, sendo que algumas crescem nas raízes ou mesmo nas folhas das plantas. No entanto, quando os fertilizantes nitrogenados estão presentes no solo, essas bactérias não se ligam por conta própria com recursos de fixação intensivos em energia, pois podem simplesmente usar o que está disponível.
Uma estratégia tem sido desenvolver novas cepas bacterianas que manterão suas capacidades de fixação em funcionamento, identificando mutantes ou, mais recentemente, usando tecnologia de edição de genes. Dois desses produtos já são comercializados – um desenvolvido pela Azotic Technologies, chamado Envita, e um da Pivot Bio chamado Proven 40. Essas bactérias podem fornecer cerca de um quarto do nitrogênio necessário para uma cultura como o milho. Em escala, isso poderia representar uma grande redução na energia necessária para fazer fertilizantes.
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Há, também, pesquisas promissoras procurando maneiras de modificar as culturas de grãos para que facilitem a produção de nitrogênio por espécies bacterianas que crescem em suas raízes. Cientistas de Oxford, Sainsbury Laboratory, North Dakota State University e MIT desenvolveram linhas de cevada modificadas para produzir um composto chamado rizopina que induz uma bactéria associada chamada Azorhizobium caulinodans a fixar nitrogênio.
Eles então emparelham isso com uma versão modificada dessa bactéria que só fixa nitrogênio quando associada às linhas de cultivo modificadas, que o faz quando associada à linha de cultivo desejada. Pesquisadores da Universidade da Califórnia, em Davis, estão trabalhando com compostos sinalizadores do arroz que influenciam bactérias fixadoras de nitrogênio em biofilmes em suas raízes.
O fertilizante de nitrogênio sempre será um insumo crítico para a produção agrícola, mas com uma pegada de carbono monitorada. O setor agrícola está no caminho certo para lidar com essas questões por meio de ganhos em eficiência de uso, meios alternativos de produção e avanços potenciais para a fixação biológica expandida. Esses caminhos são muito melhores para a humanidade do que restrições que podem comprometer a produtividade e que levariam a mudanças no uso da terra para compensar o déficit.
* Steven Savage escreve para Forbes EUA. É biólogo por Stanford e doutor em doenças de plantas pela Universidade da Califórnia, Davis. Já passou por startups e grandes empresas, como a DuPont.