As vacas têm um “superpoder” especial. Elas, ou eles, os bois, são capazes de digerir celulose, a forma mais abundante de energia solar captada por plantas no planeta. Isso significa que podem viver pastando em gramíneas e, ao fazê-lo, permitem a produção de alimentos para os humanos em centenas de milhões de hectares de terras, incluindo aquelas com menor vocação para a produção agrícola.
Nos dias atuais, as pastagens ocupam 26% da área terrestre global, enquanto as terras agrícolas cobrem apenas 12%. Como fonte de energia, o gado também pode ser criado com feno e várias outras forragens ricas em celulose. Eles podem comer resíduos de culturas, como palha e até mesmo cascas, caroços – de algodão, por exemplo –, cana-de-açúcar, entre outros. Para os humanos, a celulose que consumimos em frutas, vegetais e cereais é apenas “fibra alimentar”, não uma fonte de energia.
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A razão pela qual vacas, bois e outros ruminantes (ovelhas, cabras, veados…) podem acessar a energia armazenada na celulose é que em seus complexos sistemas digestivos de quatro câmaras existem bactérias que fazem o trabalho de transformar a celulose em açúcares. Essa é a vantagem. A desvantagem é que alguns desses microrganismos intestinais geram metano – um “gás de efeito estufa”, ou GEEs, com 21 vezes o impacto do aquecimento global do dióxido de carbono (embora com uma vida mais curta na atmosfera).
Bovinos arrotam esse gás e estima-se que o “metano entérico” seja responsável por cerca de 30% de todas as emissões globais de metano. De acordo com a EPA (Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos), o metano representa 11% do total de emissões de gases de efeito estufa dos EUA em equivalentes de CO2, e 27% disso são provenientes dessas fontes animais.
Costuma-se dizer que os consumidores devem simplesmente comer menos alimentos à base de carne e laticínios como uma resposta consciente do clima, mas essa “solução” não aborda a questão do acesso à energia à base de celulose ou altera o fato de que esses alimentos são nutritivos e atraentes.
A boa notícia é que várias estratégias estão sendo estudadas para reduzir significativamente a quantidade de metano que cada bovino gera. Uma dessas estratégias envolve um aditivo alimentar chamado 3-NOP, desenvolvido pela empresa holandesa DSM. Quando o 3-NOP é incluído na dieta do gado, a produção de metano é reduzida em 22-35%. A tecnologia já está no mercado europeu e também no Brasil, Chile, Colômbia, Austrália e Tailândia. Em abril deste ano, a DSM e a empresa americana de saúde animal Elanco anunciaram uma aliança estratégica para comercializar o produto nos EUA.
Mas, infelizmente, nos Estados Unidos, a tecnologia pode enfrentar um atraso significativo para chegar aos agricultores e pecuaristas porque, enquanto em outros países, entre eles o Brasil, o 3-NOP foi regulamentado como aditivo alimentar, naquele país deve ser regulamentado como medicamento veterinário. Isso significa um caminho muito mais lento, com potencial para deixar os EUA atrás do resto do mundo quando se trata dessa oportunidade significativa de mitigação das mudanças climáticas.
Os países que aprovaram este produto o consideraram um aditivo alimentar, não um medicamento. De acordo com o doutor Frank Mitloehner, cientista animal da Universidade da Califórnia, que estudou esta e outras estratégias de mitigação de metano, a classificação do 3-NOP como droga é inadequada. O 3-NOP se encaixa melhor na definição de alimento, pois fornece benefício nutritivo ou energia ao animal.
Há apoio político para uma abordagem atualizada da regulamentação de aditivos alimentares com benefício e alegação ambiental. O atual secretário de Agricultura, Tom Vilsack, incentivou o FDA a modernizar sua abordagem à classificação de ingredientes de rações para facilitar a redução das emissões de gases de efeito estufa, e essa opinião é apoiada por Dan Glickman, secretário de Agricultura do ex-presidente Clinton. Em seu projeto de lei de apropriações fiscais de 2022, o Congresso dos EUA instruiu o FDA (Food and Drug Administration) a rever sua antiga política e fazer as mudanças apropriadas.
Em 18 de outubro, o Centro de Medicina Veterinária da FDA realizou uma sessão de escuta pública que incluiu este tópico. Louise Calderwood, diretora de assuntos regulatórios da AFIA (American Feed Industry Association), fez uma recomendação detalhada sobre por que o FDA deveria “seguir a ciência” neste tópico. Como ela disse: “acreditamos que nosso país não tem tempo a perder. Nossos agricultores e pecuaristas estão preparados para fazer sua parte, e é hora de a Food and Drug Administration recalibrar o relógio e seguir em frente com as mudanças há muito necessárias em sua política”. Ela deixou claro que “a AFIA não está pedindo ao FDA para criar um novo caminho regulatório”.
Em um cenário positivo, a FDA classificaria o 3-NOP como um alimento, a via regulatória mais adequada. Classificar o 3-NOP como alimento fornece uma abordagem segura e razoável para colocar essa ferramenta nas mãos dos pecuaristas mais cedo, permitindo que a criação animal tenha um impacto positivo mais rápido no clima. O efeito líquido é fornecer soluções para os desafios da mudança climática de maneira mais oportuna e os EUA liderando o caminho, não tentando alcançar os demais países que estão saindo na frente.
* Steven Savage, colunista da Forbes EUA, é biólogo pela Universidade de Stanford e doutor pela Universidade da Califórnia, em Davis.