Ciência genômica dá pistas sobre a temível ferrugem asiática da soja

Apresentado por
8 de junho de 2023
ElizeuGarcia/Embrapa

Na Embrapa, o setor de pesquisa sobre ferrugem asiática na soja é um dos mais relevantes

A Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), junto com outros órgãos que integram o Consórcio Internacional do Genoma da Ferrugem Asiática da Soja comemoram os avanços obtidos com o sequenciamento e a montagem do genoma de três amostras (dois isolados obtidos no Brasil e um no Uruguai) do fungo P. pachyrhizi, causador da ferrugem asiática. O trabalho dá algumas pistas sobre uma das mais desafiadoras características do microrganismo: a sua alta variabilidade, que o faz se adaptar rapidamente e contornar as diferentes medidas de controle. O estudo foi publicado na revista Nature Communications.

A ferrugem-asiática da soja é a principal doença da cultura desde sua identificação nos anos 2000. A doença pode levar a perdas de até 80%, se não for controlada, enquanto os custos de manejo para os agricultores somente no Brasil, excedem US$ 2 bilhões por safra. O fungo é capaz de se adaptar às estratégias de controle, seja pela perda da sensibilidade aos fungicidas ou da quebra da resistência genética presente nas cultivares de soja, de modo que o número de soluções práticas para o controle da doença ainda é limitado.

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“A disponibilidade do genoma de referência do fungo é essencial para o avanço no conhecimento da biologia e nos fatores envolvidos na adaptabilidade deste fungo, com o intuito de acelerar o desenvolvimento de novas estratégias de controle”, dia a pesquisadora Francismar C. Marcelino-Guimarães, da Embrapa Soja, unidade localizada em Londrina (PR), e uma das autoras do artigo. Além da Embrapa, 12 instituições públicas e privadas fazem parte do consócio: as universidades alemãs de Hohenheim e de Universidade Técnica da Renânia do Norte-Vestfália em Aachen (RWTH Aachen University), o Instituto Nacional da Pesquisa Agronômica (INRA-França) e a Universidade de Lorraine (França), além do Joint Genome Institute (JGI, EUA), da Fundação 2Blades, da Bayer, da Keygene, do Laboratório Sainsbury (Reino Unido), da Syngenta e da Universidade Federal de Viçosa (Brasil).

A pesquisadora da Embrapa Soja explica que o conhecimento pormenorizado sobre o funcionamento do genoma de referência do fungo é essencial para entender os fatores envolvidos na adaptabilidade desse fungo e que dificultam o seu controle. “Verificamos que cerca de 93% do seu genoma é constituído de sequências de DNA repetitivos (chamados de transposons), que são fragmentos de DNA capazes de ‘saltar’ ou mudar de posição no genoma, o que pode contribuir para a sua alta variabilidade.

“Pudemos observar que alguns desses transposons se tornam ativos no fungo, saltando no genoma, durante a infecção, principalmente nas primeiras horas de contato com o hospedeiro. Eles se tornam ativos entre 24 e 48 horas após a infecção com outros genes essenciais para o sucesso da infecção, que atuam suprimindo as respostas de defesa da planta, conhecidos como efetores”, afirma Francismar Guimarães.

No estudo, foi possível também identificar o conjunto completo de efetores do fungo, compartilhado entre as três amostras, inclusive aqueles ativos ou expressos nos momentos cruciais da infecção. Alguns desses efetores têm sido caracterizados na Embrapa Soja, mostrando sua ação ou forma de ataque no hospedeiro durante o parasitismo. “Compreender quais as estratégias de ataque do patógeno é crucial para o desenvolvimento das medidas de controle”, afirma a pesquisadora.

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Guimarães revelou ainda que, a partir do genoma disponível, os estudos de genômica comparativa com outras diferentes espécies de fungo revelaram também particularidades adaptativas baseadas na contração ou expansão de famílias de genes. “Ao comparar o genoma do patógeno da ferrugem com os de outras 14 espécies de fungos, identificamos que a perda de genes é mais frequente em P. pachyrhizi. Essa característica explica a alta dependência dele por tecido vegetal do hospedeiro vivo, sendo que, em alguns processos biológicos, o patógeno tem total dependência do hospedeiro”, diz ela, ao explicar que conhecer os processos e elementos-chaves envolvidos no parasitismo é essencial para desenvolver uma planta hospedeira menos atrativa ou mais tolerante ao fungo.

Segundo a pesquisadora, observou-se ainda a ocorrência de famílias de genes expandidos – envolvidas na produção de energia e transporte de nutrientes – o que pode indicar uma flexibilidade do seu metabolismo e na aquisição de nutrientes. “Entender o estilo de vida desse parasita, em nível molecular, é importante para identificarmos os genes que são essenciais durante o parasitismo na soja e, portanto, fundamentais à aquisição de nutrientes e à sobrevivência do fungo”, explica.

Tais genes podem ser utilizados para o desenvolvimento de estratégias de controle, via edição gênica ou transgenia por exemplo, pois podem comprometer processos vitais como o parasitismo. “Estudos conduzidos na Embrapa têm também testado a eficácia do silenciamento de genes essenciais do fungo, demonstrando o potencial dessa estratégia na redução da severidade da doença”, revela.

A análise do genoma mostrou ainda um elevado nível de diferenças (heterozigosidade) entre os dois núcleos que constituem o genoma do fungo. “Essa característica indica ausência de recombinação entre eles, ratificando a propagação ou reprodução assexual do fungo na América do Sul. (Com Embrapa)