Como agricultura regenerativa entra na agenda de marcas, produtores e consumidores

Apresentado por
31 de outubro de 2023
Guettyimages

Consumidores estão em busca de alimentos que respondam à sua ânsia por sustentabilidade

O que tem em comum empresas como Visa, Walmart, Target, Petco, Microsoft, Procter & Gamble, Ernest &Yung LLP, Perdue Farms, Bayer, Bonterra, General Mills, Mineral, Nielsen IQ, Astra Zeneca, Luker Chocolate, Pirelli, Porter Novelli, IBM, Rabobank e DSM, entre outra? Resposta: elas estão interessadas em saber exatamente o que são os “sistemas regenerativos” e para onde eles caminham.

A Sustainable Brands, organização criada em 2006 e que reúne líderes empresariais em questões ambientais e sociais, reuniu esses líderes entre os dias 16 e 19 de outubro, em San Diego, na Califórnia, para o SB ReGen Ag Summit. Sistemas regenerativos é um conceito que veio para ficar em vários setores da economia e ganhou muita força nos últimos cinco anos, embora tenha um longo caminho pela frente, principalmente quando se trata de agricultura regenerativa.

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De certa forma, o termo regenerativo caminha para substituir o conceito de sustentável, para descrever modelos de negócios ambiental e socialmente desejáveis. Em parte, isto acontece porque o termo sustentável é relacionado à preservação, ou seja, manter como está. Enquanto o termo regenerativo indica restauração e mudanças positivas. Organizações como a Sustainable Brands, ou outras instituições agrícolas que reúnem múltiplas partes interessadas no assunto, como a Field-to-Market, a TSC (The Sustainability Consortium) ou Stewardship Index for Specialty Crops, sempre descreveram a sustentabilidade como uma “jornada e não um destino”.

Essas organizações também trabalharam muito nos últimos tempos para definir o progresso em termos de resultados mensuráveis. Assim, existe uma sobreposição filosófica e prática substancial entre estes dois termos. A agricultura regenerativa trata da saúde do solo, dos benefícios relacionados com a produção agrícola e dos serviços ecossistêmicos, como sequestro de carbono, resiliência climática, as melhorias na qualidade da água e a redução no custo de produção.

É hora de implantar o conceito regenerativo

Neste momento, os consumidores não sabem muito sobre o que significa regenerativo. Hoje há pelo menos duas visões muito diferentes em relação ao que significa esse termo e como avançar com ele.  Um dos modelos possíveis do que é um sistema regenerativo é ele pode ser alcançado por meio de compromissos de abastecimento por parte de grandes marcas alimentares ao incentivar os agricultores a fazerem a transição para a chamada agricultura regenerativa.

Outra possibilidade, no caso dos EUA, é adicionar um processo de certificação regenerativa à produção, que não é a certificação orgânica do USDA (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos). É provável que esses dois caminhos tenham resultados muito diferentes em termos de escala. Em todo o caso, seria desejável um consenso da definição exata do que é o termo regenerativo. Há, também, a necessidade de sistemas de validação para evitar a queda da confiança que acompanha qualquer tipo de “greenwashing”.

A opção orgânica é um plus

Uma abordagem da ROC (Regenerative Organic Certification, ou Certificação Orgânica Regenerativa) também foi colocada na mesa para mostrar como podem ganhar peso e qualificar os mercados por meio dos “selos de certificação líderes para conquistas avançadas em regeneração e biodiversidade”. Esta definição específica de agricultura regenerativa foi desenvolvida pela Regenerative Organic Alliance, organização criada em 2017 que reúne agricultores, líderes empresariais e especialistas em saúde do solo, bem-estar animal e justiça social.

No caso dos padrões para a certificação orgânica, eles ficaram a cargo do USDA, decisão tomada em 1990, época em que estavam em um estágio de definição múltipla, quando comparado ao que é hoje (no Brasil, o órgão regulamentador dos produtos orgânicos é o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento).
Na definição dos sistemas regenerativos, o padrão ROC envolve aspectos de saúde do solo, bem-estar animal e justiça social como conceitos mandatórios. Três marcas apresentaram como elas vêm desenvolvendo os conceitos regenerativos em seus negócios: a Bonterra Organic Estates, uma vinícola da Califórnia; a Nature’s Path, uma produtora familiar de alimentos orgânicos certificados, e a Traditional Medicinals Inc, empresa e medicamentos fitoterápicos.

Um dos desafios é justamente desfazer o grau de confusão dos consumidores sobre a diferença entre o orgânico e o regenerativo. Além disso, de modo geral, existe um certo grau de “cansaço de certificação” do consumidor. Por isso, educar clientes em potencial das empresas varejistas sobre esses conceitos é um passo importante. Um exemplo de educação sobre as cadeias produtivas é o documentário Common Ground (Solo Fértil), que fala sobre como a agricultura regenerativa pode equilibrar o clima, restabelecer suprimentos, como a água, e alimentar o mundo.

Mas o ROC, nos EUA, é bastante complexo e pode levar de três a cinco anos para ser alcançado por uma organização. Esse certificado é bem elaborado em termos de práticas agrícolas específicas com monitorização da saúde do solo, sua compactação e a estabilidade agregada pelo manejo. Tudo isto se sobrepõe à exclusão de quase todos os insumos químicos que acompanham as regras orgânicas. Por isso, uma das apreensões é que no longo prazo a agricultura regenerativa venha a tornar um nicho de mercado, o que vai de encontro ao que se espera hoje, que é a sua popularização crescente.

Uma opção em larga escala

Mas há também uma visão muito mais escalável para a agricultura regenerativa. Nos dias atuais, há um grau razoável de consenso de que a regeneração deveria seguir vários princípios-chave, como aqueles que já foram desenvolvidos pela organização multissetorial Field-To-Market, que estão listados a seguir:

· Minimizar a degradação do solo (por exemplo, plantio direto ou outros sistemas de cultivo rápido)
· Manter raízes vivas no solo (por exemplo com plantas de cobertura ou rotação de culturas)
· Cobertura contínua do solo descoberto (para evitar a erosão)
· Maximizar a diversidade das culturas, micróbios do solo e polinizadores.
· Integrar a pecuária com a agricultura onde for viável.

Isso significaria que as práticas agrícolas para qualquer lavoura teriam que ser flexíveis, porque são muitas variações entre solos, clima, rotações de culturas e acesso ao mercado com que os agricultores têm de lidar em diferentes geografias, enquanto produzem diferentes variedades. De acordo com alguns líderes que estiveram no evento em San Diego, não devem existir “regras prescritivas”, mas sim um menu de opções e cabe ao agricultor encontrar aquela mais adequada à sua situação. O porta-voz do Walmart, Mikel Hancock, diretor de sustentabilidade e agricultura do grupo, disse que é preciso encontrar os agricultores onde eles estão. Segundo o executivo, para a pecuária existem princípios básicos na rotação de pastagem, em relação ao que pode ser considerado regenerativo.

O fato é que as abordagens sobre a agricultura tem uma longa história e muitas variáveis. A maior parte dos produtores rurais já cultivam, há décadas, com um manejo que poderia ser chamado de regenerativo. Um exemplo é Nancy Kavazanjian, que está nessa jornada há 43 anos e também é diretora do conselho da United Soybean, órgão regulador que viabiliza o programa de seleção de commodities dos EUA para a soja. O plantio direto completou, em 2022, 60 anos de utilização comercial. As propriedades que operam neste sistema têm maior probabilidade de implementar outras estratégias regenerativas, tais como plantas de cobertura ou integração com a pecuária. Ou seja, aprender com a experiência dos produtores rurais é um passo importante para a adoção dessas práticas no futuro.

Mas é preciso reconhecer que implantar tecnologias significa custos para esses agricultores, especialmente nos períodos de baixa, quando esses produtores precisam ainda mais de consultoria, apoio, opções de financiamento e incentivos para que isto funcione. Como disse o produtor Mitchell Hora, “é difícil ficar verde se você estiver no vermelho”.

Para Lee Addams e Andrew Davey-Greaves, porta-vozes da Ernst and Young LLP, é preciso olhar para o produtor e ter uma estrutura de mercado que faça com que isso funcione para ele, através de incentivos fiscais, repasse de renda, arrendamento de pastagens no qual estejam incluídas fazer cultivos de cobertura de solo ou alguma participação do valor da marca relacionado dos clientes, ou seja, receberem royalties pelas melhorias.

Michael Rinaldi, vice-presidente de desenvolvimento de negócios sustentáveis do Rabobank, falou sobre a necessidade de opções de financiamento favoráveis. Houve também discussão sobre a importância de capacitar as mulheres neste processo. Outro ponto foi implantar um movimento para as marcas deixarem de ser negativas em relação aos “agricultores convencionais”, envergonhá-los, nem dizer-lhes o que fazer. Nos EUA, por exemplo, já existem sistemas de certificação para este tipo de agricultura, como o Regenified, que é liderado pelos agricultores, agora está em baixa entres os consumidores, mas que precisam ser inseridos novamente nessa discussão sobre os processos regenerativos. Existem outras iniciativas que também se concentram na saúde do solo e nos serviços ecossistêmicos verificáveis, como por exemplo a Regrow Ag, e que precisam ganhar luz.

Muitas lideranças empresariais, startups e instituições reconhecem que a agricultura regenerativa tem o potencial de escalabilidade para ter um impacto significativo em termos de resiliência e mitigação climática. Desde setembro de 2021, a Bayer e a Perdue AgriBusiness, empresa internacional de produtos e serviços agrícolas da Perdue Farms, fecharam uma parceria com o objetivo de reduzir as emissões de carbono em grande escala e criar um modelo que eles acreditam ser mais sustentável na cadeia de valor alimentar, abrangendo a produção soja para extração de óleo e ração animal. A plataforma de software agrícola digital Fieldview analisa dados agrícolas para documentar os benefícios climáticos das atividades de campo, com o serviço atualmente cobrindo 80 milhões de hectares de terras agrícolas.

Outro exemplo é o Walmart e a General Mills, empresas que estão aderindo a um programa para converter 242 mil hectares em agricultura regenerativa até 2030. A AgSpire é uma organização que ajuda os pecuaristas a acessar fundos públicos para apoiar esse tipo de transição e o Walmart assumiu um compromisso de vários milhões de hectares em torno da pecuária regenerativa para a carne bovina . Segundo uma estimativa, existem 13 milhões de hectares nos EUA em transição para a agricultura regenerativa e 600 empresas que já falam sobre objetivos regenerativos. O caminho foi descrito para essa ação da empresa como passar de “líder de torcida para campeão e catalisador de uma ação”.

O fato é que nos dias atuais, mais do que jamais se observou, há sinais encorajadores de que o conceito de agricultura regenerativa se expanda e impacte sistemas agrícolas otimizados e deixe de ser apenas um nicho. Há também uma série de estudos em desenvolvimento que indicam uma maior capacidade nutritiva, tanto nas culturas cultivadas de forma regenerativa como para os animais alimentados com essas culturas. Essa nova onda de agricultura regenerativa pode ser bom para os agricultores, para o consumidor, para as marcas, para os negócios e também para o planeta.

*Steven Savage, colunista da Forbes EUA, é biólogo pela Universidade de Stanford e doutor pela Universidade da Califórnia, em Davis (tradução: Flávia Macedo).