Já está claro para grande parte dos negócios que quem não aderir às práticas de responsabilidade ambiental e social, levando em conta os impactos de suas ações na natureza e suas contribuições às comunidades, vai ficar para trás. Por isso, o conceito ESG (ambiental, social e governança, em português) está ganhando espaço no mundo corporativo e influenciando estratégias que trazem diferenciais competitivos às organizações e possam ajudar a atender as demandas urgentes. No entanto, para alcançar suas metas, as empresas passaram a buscar profissionais especializados no tema, algo que ainda não é tão fácil de encontrar.
De acordo com um levantamento de 2020 do grupo global de capacitação profissional CFA Institute, a demanda por profissionais com expertise em ESG é alta, mas a oferta ainda é baixa. No estudo, a instituição analisou 1 milhão de contas na plataforma LinkedIn e concluiu que menos de 1% dos perfis tinham qualificação na área. Mas, para Nelmara Arbex, sócia-líder de ESG da KPMG, a intensa procura por especialistas no tema existe desde a Conferência Eco 92, no Rio de Janeiro, quando empresas e gestores começaram a entender a importância da sustentabilidade nos negócios.
LEIA TAMBÉM: Projeto global conecta mentores e jovens em situação de vulnerabilidade
“Naquela ocasião, as grandes companhias foram chamadas para discutir a agenda ESG e como colocá-la em prática. A partir dos anos 2000, surgiu um impulso multidirecional, porque muitas empresas, ONGs e institutos perceberam que poderiam ter bons resultados em suas operações ao assumir esse compromisso com o meio ambiente e a sociedade. No entanto, eles começaram, também, a se deparar com a escassez de profissionais e cursos ligados à área”, conta.
A especialista aponta que, atualmente, as pessoas que querem ingressar no mundo do ESG têm mais recursos para se informar e saber como tirar esses princípios do papel. As ofertas de cursos, diretrizes e orientações de entidades do setor cresceram fortemente em razão do acesso à internet. Contudo, o Brasil ainda encontra-se atrasado na formação de profissionais em ESG. “Não há muitas opções de formação no mercado brasileiro. E essa carência ocorre também nos Estados Unidos e em vários países europeus. Mesmo assim, nesses locais, existem programas de estudos voltados à elaboração de estratégias e previsão de impactos para projetos de governança, meio ambiente e questões sociais. São bastante robustos, inovadores e fogem das teorias. E percebo que não temos isso no Brasil ainda. Então, temos um grande lição de casa a cumprir, para que essas iniciativas alcancem as lideranças corporativas e os cidadãos”, explica Nelmara.
A importância de profissionais especializados
Segundo Marlene Oliveira, conselheira do Gera Social, negocio social carioca voltado à capacitação de pessoas e organizações em ações sustentáveis, os colaboradores com expertise em ESG podem ajudar as empresas onde trabalham a se tornarem protagonistas nos mercados em que atuam à medida que suas operações impulsionam transformações positivas no mundo ao seu redor. “Trata-se de um conjunto de ações de responsabilidade ambiental, social e ética que pode ser executado pelas empresas. O papel de um profissional ESG é garantir que essas iniciativas sejam eficientes”, pontua. “E isso se torna extremamente relevante num momento em que a sociedade está cobrando posicionamentos e atitudes das companhias frente aos problemas que enfrentamos. As pessoas estão cultivando novos valores e os negócios precisam acompanhar isso, pois suas finalidades não podem se resumir apenas à geração de lucro”, completa.
Outra motivação para a força desse movimento é a pressão do mercado, pois muitos investidores ao redor do mundo estão exigindo melhores práticas das empresas, sob pena de não direcionarem seus recursos a elas. De acordo com um relatório da PwC, os critérios ambientais, sociais e de governança tendem a remodelar as finanças, fundos passivos e gestões. O estudo indica que, até 2025, 57% dos ativos de fundos mútuos na Europa estarão em fundos que consideram os princípios ESG, o equivalente a € 7,6 trilhões de (US$ 8,9 trilhões). Esse índice é muito maior do que os 15,1% registrados no fim do ano passado. Além disso, 77% dos investidores institucionais pesquisados pela PwC disseram que planejam parar de comprar produtos que não foram confeccionados de modo sustentável nos próximos dois anos.
“A pesquisa é uma prova de que o mercado financeiro percebe que a melhor maneira para um negócio crescer expressivamente é seguir diretrizes sustentáveis. Com as catástrofes climáticas do momento e os problemas sociais, os novos empreendedores devem ter em mente que a gestão social, ambiental e de governança é boa para o mercado e, especialmente, para a sociedade. As empresas que não têm esse compromisso precisam correr contra o tempo para adotar boas práticas, senão perderão relevância, público e credibilidade”, alerta Marlene.
Do outro lado, Nelmara Arbex reforça que as empresas engajadas na agenda ESG tendem a desenvolver estratégias mais eficientes, conquistar melhores resultados e ser mais valorizadas pela ótica do mercado. “Existem empresas que selecionam atualmente seus fornecedores e parceiros por meio de critérios ambientais e éticos. Aquelas que não participam dessa agenda tendem a ficar fora de mercados importantes e estáveis”, afirma. “Tudo indica que a sustentabilidade, hoje, está numa posição de protagonismo em grandes decisões corporativas e políticas, porque ela está ligada à tecnologia e outras inovações que, além de reduzirem emissões de CO2, por exemplo, estão se mostrando muito lucrativas. Então, os negócios que operam sob esses conceitos tornam-se mais competitivos e têm mais acesso a investimentos, créditos e parceiros”, conclui a especialista.
Levando em conta esse cenário, Nelmara aponta que, nas empresas, os profissionais de ESG devem fazer parte de um hub que fiscaliza os diversos setores e se eles estão funcionando com ética, transparência e eficiência. “Esses profissionais vão agir como guardiões da coerência da companhia, principalmente para alertar seus líderes de caminhos perigosos. Qualquer apoio a uma causa, seja para redução de emissões de gases poluentes ou combate às discriminações, deve fazer parte da cultura da organização e de suas decisões cotidianas. E quem contribui para isso é um profissional de ESG.”
Já a conselheira do Gera Social afirma que as empresas são capazes de influenciar culturas, pontos de vista e políticas públicas. E, por isso, também são vistas como elementos de transformação. “Essa percepção foi intensificada pela pandemia à medida que muitas empresas doaram EPIs e recursos financeiros para mitigar os danos. Então, num cenário como esse, um profissional de ESG pode orientar os gestores de uma empresa a adaptar seus negócios às novas realidades e colocar em prática iniciativas que ajudem as pessoas, ao mesmo tempo em que o negócio mantém sua rentabilidade e cria novos valores”, explica.
Outra vantagem em ter um colaborador com essa especialização, segundo Marlene Oliveira, é que ele pode ajudar a transformar a empresa por dentro e por fora. “As medidas adotadas pelas empresas, elaboradas pelos profissionais de ESG, não apenas deixam seus colaboradores mais orgulhosos em fazer parte da organização, como também os incentivam a assumir responsabilidades ambientais e sociais, a fazer parte de voluntariados e a repensar suas ações cotidianas. É uma mudança na comunidade corporativa que passa para as famílias e outras pessoas do entorno. Mesmo que ela não seja radical, mas aos poucos alcança o coletivo”, finaliza.
Visão futurística
Todos os dias, os profissionais especializados em ESG colaboram para que diversas empresas alinhem seus negócios aos esforços de redução de danos ambientais e promoção da diversidade no ambiente de trabalho, como é o caso da produtora de vinhos Veroni. A companhia passou a produzir uma linha da bebida cujo processo de clarificação não envolve produtos de origem animal. E passou a cumprir uma série de responsabilidades econômicas, ambientais e sociais para tornar toda a cadeia produtiva mais justa, o que ajudou a sua vinícola no Chile a conquistar a certificação da Fairtrade International por implementar melhores condições de trabalho aos colaboradores.
Atualmente, 70% dos funcionários da vinícola são mulheres, dos cargos de produção ao C-Level, como CFO, CMO e COO. “Além dessas conquistas, o apoio de profissionais especializados em ESG ajudou os colaboradores a terem uma mentalidade disruptiva, fugindo de abordagens convencionais, e senso crítico a respeito de questões socioambientais, acompanhando questões relevantes”, afirma Leonardo Mencarini, cofundador e CEO da empresa.
No caso da Start Química, a presença de profissionais especializados impulsionou iniciativas de atenuação dos impactos ambientais das suas operações. Todos os produtos de limpeza confeccionados foram reformulados para levar menos água em suas composições. Em 2020, houve um crescimento de 25% nessa categoria de produto, e a meta para esse ano é crescer 35%.
LEIA TAMBÉM: Relatório da ONU sobre o clima aumenta urgência por fundos de investimento verdes
“Percebemos que esses profissionais trazem uma visão futurística das principais tendências e, diante disso, estamos questionando como trabalhamos e implementando métodos para redução de resíduos. Com a ajuda deles, conseguimos implementar, ainda, projetos de logística reversa das embalagens, fazendo com que 60% delas sejam de materiais reciclados”, conta Marcos Pergher, vice-presidente da empresa. “E, com esses princípios, passamos a dar atenção ao nosso consumo de energia e a medir os resultados de longo prazo. Por isso, adquirimos uma planta de energia solar fotovoltaica para que nossas operações funcionem com fontes limpas e renováveis.”
Se você se interessou pelo tema e quer construir – ou pivotar – sua carreira para buscar uma posição como especialista em ESG, veja, na galeria de fotos a seguir, as dicas fornecidas pelos profissionais consultados pela Forbes:
-
Klaus Vedfelt/Getty Images 5. Curiosidade intelectual – 23%
-
kate sept2004/Getty Images 2º Procure por especialistas
Depois de se inteirar das novidades que acontecem em ONGs e empresas comprometidas com pautas ambientais e sociais, Nelmara Arbex recomenda buscar ajuda de especialistas para tirar dúvidas, encontrar soluções e viabilidades para os possíveis projetos, e estreitar relações com eles. “É necessário pensar em como uma empresa pode tirar um projeto de impacto socioambiental positivo do papel, mas nem sempre teremos as respostas. Por isso, relacione-se com outros especialistas, conheça o que eles já fizeram e conte com o apoio deles para desenvolver um trabalho coerente.” Outra vantagem desse networking, segundo Marlene Oliveira, conselheira do Gera Social, é que, por meio do profissional ESG, uma empresa pode se aproximar de grupos e indivíduos envolvidos em pautas emergenciais nas quais ela pode ajudar. “Dessa maneira, as companhias vão muito além dos associados tradicionais, como acionistas, bancos e fornecedores. E novos stakeholders entram nas práticas de governança da empresa, renovando, então, o seu modelo de negócios”, diz. -
Marko Geber/Getty Images 3º Identifique como contribuir, independentemente da sua formação
Muitos pensam que o ESG pode ser desempenhado apenas por profissionais formados em engenharia ambiental ou áreas correlatas. Contudo, Nelmara Arbex diz que a sigla, na prática, serve para todas as profissões. “São responsabilidades das quais ninguém está isento e uma pessoa de qualquer formação profissional consegue ter uma ótima conexão com essa agenda. Pode ser um advogado, por exemplo, capaz de colaborar com práticas de compliance, pensar em questões sociais, trabalhistas e direitos humanos. Ou então um geólogo, que possa avaliar a geologia de um local e medir suas consequências no ambiente e nas comunidades”, afirma. “A grandeza do ESG é que tudo está conectado e ninguém, independentemente da profissão, classe social, nacionalidade ou raça, pode ficar alheio. Tem casos de pessoas da área de recursos humanos que se tornaram profissionais especializados em sustentabilidade, ajudando em gestão e estratégia. Qualquer curso universitário pode estar conectado aos princípios ESG”, declara. -
dowll/Getty Images 4º Desenvolva sua capacidade de análise
Para Nelmara Arbex, os profissionais em ESG devem ter uma mente analítica capaz de compreender os acontecimentos e elaborar estratégias coerentes. “A situação que o mundo enfrenta é urgente, portanto estamos no momento do fazer acontecer. Isso exige que o profissional saiba onde buscar dados para fazer análises e criar indicadores que o ajudem a reconhecer se aquilo que uma empresa está construindo está indo na direção certa, além de garantir que suas ações de viés ambiental e social sejam eficientes e assertivas.” -
Anúncio publicitário -
Isabel Pavia/Getty Images 5º Tenha atitude
De acordo com a conselheira do Gera Social, Marlene Oliveira, um aspecto relevante para todo profissional de ESG é ter atitude. “Não basta apenas reconhecer riscos e oportunidades em projetos de sustentabilidade. As desigualdades sociais e a miséria aumentam a cada dia, assim como as urgências dos efeitos das mudanças climáticas. Por isso, o profissional precisa ser uma pessoa de iniciativa, capaz de gerar transformações nas comunidades, seja uma mudança de curto ou longo prazo. E isso exige, claro, um boa dose de persistência também”, afirma. -
MoMo Productions/Getty Images 6º Desenvolva sua capacidade de liderança
Marlene também aponta que a chegada desses profissionais ao mercado de trabalho deixou bem claro para as empresas outro desafio: lidar com as novas lideranças. “Além de sobreviver aos impactos da pandemia de Covid-19, atualmente as empresas precisam se antecipar e mudar suas abordagens conforme o mercado e as culturas. E isso exige profissionais que tenham em mente as demandas nacionais e globais, que enxerguem oportunidades nas adversidades, soluções inovadoras e a força que a diversidade e a sustentabilidade podem trazer a um negócio”, explica a especialista. -
metamorwork/Getty Images 7º Não deixe o conhecimento tecnológico de lado
Outro competência imprescindível para quem quer se especializar no mundo do ESG, segundo Marlene Oliveira, é ter amplo conhecimento de ferramentas tecnológicas que possam ser aliadas em pautas sociais, ambientais e de governança. “Quem pretende trabalhar neste setor deve estar familiarizado com plataformas de internet, software e redes sociais, pois são recursos que permitem maior acesso à informação, expansão do alcance de suas ações e mensagens, comunicação, parametrização de dados, pesquisas e outras atividades importantes para elaboração de projetos.” -
Maskot/Getty Images 8º Busque por especialização
E, por fim, os especialistas ressaltam que, apesar da pequena oferta, o Brasil tem opções de cursos e programas de extensão voltados aos critérios ESG. Entre as recomendações, estão os cursos oferecidos pelo Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV (FGVces), em São Paulo, como o mestrado profissional em gestão para competitividade e sustentabilidade, com duração de 18 meses. A própria KPMG, da qual Nelmara faz parte, tem uma opção rápida, batizada de Environmental, Social & Governance, que em 24 horas prepara executivos para aliar suas gestões a questões ambientais, sociais e governança. Já o Gera Social, negócio social onde atua Marlene, estruturou o curso ESG: do Discurso à Prática para Gerar Impacto, com aulas online divididas em quatro módulos, para aprofundar o conhecimento sobre sustentabilidade, impacto social e governança, além de destacar tendências que afetam o mundo dos negócios e caminhos para o desenvolvimento de carreira que gerem impacto. Outras opções são o MBA em compliance e governança da FACE-UnB (Universidade de Brasília) e o curso Gestão ESG: Sustentabilidade e Negócios, do Insper.
5. Curiosidade intelectual – 23%
Facebook
Twitter
Instagram
YouTube
LinkedIn
Siga Forbes Money no Telegram e tenha acesso a notícias do mercado financeiro em primeira mão
Baixe o app da Forbes Brasil na Play Store e na App Store.
Tenha também a Forbes no Google Notícias.