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Para saber como essas tendências vão se desenrolar nas próximas décadas, FORBES conversou com dois símbolos da indústria. Stephen Rankin (SR), ex-diretor de vendas e atual diretor da Prestige no icônico criador e engarrafador Gordon & MacPhail, e Richard Paterson (RP), mestre destilador na The Dalmore Distillery e misturador-mestre para Whyte & Mackay.
STEPHEN RANKIN: Graças aos nossos antepassados, que tiveram a ideia de inovar em barris de alta qualidade, a Gordon & MacPhail está agora na posição invejável de poder ultrapassar os limites da maturação do uísque escocês. Em 2015, lançamos o Generations Mortlach de 75 anos — o mais antigo uísque engarrafado do mundo. O tempo dirá qual será o próximo limite de idade. A qualidade segue como nosso principal condutor. Dito isto, se tivermos as condições ideais, não descartamos a possibilidade de obter um uísque de 100 anos de idade.
Ao envelhecer uísques por um longo tempo, é importante considerar o estilo de fabricação e a madeira — se ela irá sobrecarregar a bebida ou não. Alguns rótulos atingem o auge de maturação em uma idade jovem. O carvalho usado nos barris (seja americano ou europeu), o nível de carbonização ou tostagem, o primeiro enchimento ou reabastecimento do barril, o tamanho e as condições de armazenagem precisam ser avaliados. A gestão de armazéns e das condições certas para a maturação é essencial para a criação de uísques ultra-envelhecidos. Manter o teor alcoólico (ABV) acima de 40% pode ser um desafio. No entanto, através dos anos de inovação, temos uma infinidade de barris em nosso armazém em Elgin com mais de 60 anos e ABV acima de 50%.
RICHARD PATERSON: Ao falar desse tema, é preciso ter em mente que existem apenas algumas destilarias com estoques além dos 50 anos. Essa é a realidade e uma das razões pelas quais esses uísques têm valor tão alto. O tempo de envelhecimento depende da forma como a bebida é cuidada. Se a madeira está cansada e esgotada, ela nunca atingirá o seu verdadeiro potencial. O barril é “rei”, e deve ser compatível com o rótulo. Escolha bem os ingredientes, estime o tempo perfeito e você não terá limite para a maturação.
F: Como determinar o equilíbrio entre qualidade e envelhecimento?
SR: Uma grande parte do nosso estoque envelhecido é amadurecido em recipientes de xerez. Esse barril de maior tamanho tem uma proporção menor de álcool para a madeira, o que significa que o espírito do uísque se desenvolve de forma mais lenta, a longo prazo. Os principais fatores a considerar na maturação do uísque escocês por grandes períodos são o tipo de bebida e o barril em que é colocada, o monitoramento da ABV e o ambiente em que amadurece.Nosso depósito em Elgin é revestido por um piso de terra. Os barris, fixos, ficam próximos ao chão e ao teto. Os tonéis mantêm a temperatura consistente, como freezers. E, através do nosso processo de amostragem, monitoramos continuamente o desenvolvimento do sabor, um modo de checar se a madeira ainda oferece atributos positivos.
Ao lado do sabor, a evaporação e o teor alcoólico são fatores críticos para um uísque ultra-envelhecido. Deve-se garantir que a ABV permaneça acima de 40% — o mínimo obrigatório para um escocês — e monitorar o equilíbrio entre álcool e carvalho, para impedir que os delicados sabores e as notas complexas não sejam sobrecarregados. Criamos boas condições de armazenagem para compensar as perdas da maturação. Estas condições asseguram a evaporação equilibrada da água e o teor alcoólico. Se o álcool evaporar mais rápido que a água (como é tendência na Escócia), a intensidade diminuirá (maior relação água/álcool).
F: Existe um ponto onde a troca entre custo, qualidade e envelhecimento é ideal?
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SR: Isso nos leva à troca entre volume e valor. Para algumas empresas, que têm uma linha básica determinada pela demanda dos clientes, isso conta mais, sobretudo para decidir que tipo de envelhecimento adotar como principal. Para a Gordon & MacPhail, muitos uísques são extraídos de barris individuais ou pequenos. Portanto, por natureza, têm resultados limitados e são finitos em volume. O ponto ideal depende também do estilo do rótulo produzido e das características da destilaria. Nós nos esforçamos para alcançar o melhor em cada uísque. Alguns o alcançarão em uma idade mais jovem e não vão melhorar com o envelhecimento — que pode ter impacto negativo nos sabores em casos específicos. É essa busca do ideal, com o teor de qualidade e sabores, que assegura o bom produto.
F: O nicho de uísques de expressão superior teve um aumento de cinco a seis vezes nos preços, na última década. Esse tipo de aumento é sustentável? Que tipo de valorização pode-se esperar para os próximos 10 anos?
SR: Continuamos a observar com interesse os valores crescentes do uísque escocês single malt, impulsionado por fatores como a raridade e a conveniência. As estratégias de preço são estimuladas pela oferta e pela demanda. Hoje, o apetite pelo uísque de malte não demonstra sinais de desaceleração.
F: A idade tem sido um elemento crítico na classificação de um uísque. À medida que a indústria deixa de divulgá-la, qual será a base para justificar os preços altos?
SR: A Gordon & MacPhail tem foco maior em expressões vintage e envelhecidas, então essas características importam para o nosso portfólio. As safras e rótulos seguem como item central da categoria premium, já que os aficionados pela bebida buscam uma marca de qualidade com essas características. Nos últimos anos, de fato cresceu o número de rótulos liberados sem declaração de idade, muito devido ao aumento da demanda internacional por certas garrafas, e pelo fato de que os estoques com indicação de idade estão em queda. Em uma indústria como a do uísque de malte, é essencial planejar 10, 20, às vezes 50 anos à frente. E décadas atrás não se previa toda essa popularidade dos ultra-envelhecidos.
O uísque NAS (No Age Statement ou idade não declarada) é uma resposta a esses estoques em baixa, já que permite a mistura de maltes com diferentes maturações sem limitação de idade. E também é uma opção de qualidade, pois permite que os produtores lancem mão de diferentes barris e idades para produzir algumas expressões verdadeiramente espectaculares, que merecem um preço premium.
Ao lado do sabor, há outros pontos a serem considerados, como a proveniência. Bebidas de destilarias desativadas recebem um selo premium devido à raridade e a seus estoques limitados. Como as empresas embalam e apresentam o produto também é um fator-chave. Embalagens de luxo, lançamentos limitados, garrafas numeradas ou assinadas, histórias autênticas e teor de qualidade contam muito.
F: Os acabamentos de barril agora incluem praticamente todas as variedades de vinho doce ou fortificado, brancos de primeira linha e tintos de produtores famosos, tonéis que abrigaram outros destilados e cervejas e ainda madeira nova. O que resta para aperfeiçoar barris que ainda não foram experimentados?
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SR: A Gordon & MacPhail foi uma das primeiras empresas a experimentar o acabamento de barril. É somente pela experimentação de diferentes tonéis, técnicas de maturação e novos estilos de fabricação que rótulos inovadores podem surgir. Em um campo tão versátil quanto o do uísque escocês, há sempre novos limites a explorar.
F: Os uísques vintage seguem como um segmento relativamente pequeno do mercado de escoceses. Essa tendência vai pegar?
SR: Os vintages são muito atraentes para o consumidor, que pode abri-los para comemorar uma data especial. Eles capturam um momento no tempo da destilaria e são indicativos das influências daquele ano ou período específico. Representam o espírito criado por um grupo de indivíduos, à mercê das flutuações na colheita de cevada daquele ano ou dos protocolos de racionamento do país, quando há.
Eles têm sido um elemento-chave do portfólio da Gordon & MacPhail há anos, pela força das relações que construímos historicamente e continuamos a cultivar com destilarias em toda a Escócia — temos um inventário incomparável de barris de produtores. Isso nos permite fazer vintages requintados. Também estamos investindo em novos barris para garantir que a produção continue no futuro. A raridade e a exclusividade das safras aumentam a sua capacidade de coleta e valor. Como o potencial dos uísques raros é cada vez mais reconhecido, as safras tendem a se tornar mais interessantes para quem constrói uma coleção.
Na Gordon & MacPhail, as safras são escolhidas com base na qualidade e no sabor. Temos algumas produções mais recentes do que se poderia esperar. Trata-se de entender quando um uísque atingiu o auge de maturação e não se esforça para aumentar seu valor apenas através da idade. Nós nos concentramos em produzir um excelente rótulo para o cliente e engarrafá-lo na hora certa.
RP: Alguns dos nossos barris do “Programa de Melhoria” são destinados a este tipo de segmento, que é geralmente limitado. Cada safra traz seu próprio estilo, mas, em vista de sua raridade, não é algo que promovemos intensamente. Tentamos atender às várias demandas de cada mercado.
F: Quais são as próximas inovações na indústria de uísque escocês?
RP: Nós nunca devemos ser complacentes. Portanto, continuaremos a inovar, sempre que possível, através de diferentes estilos de aprimoramentos Sherry, Port, Spirit e Wine Cask — ainda há muitos líquidos interessantes por aí.