“Em várias áreas o Brasil já trabalha em um nível de elegância e finesse e, entre aspas, compete de igual para igual com o que tem fora. Na gastronomia faltava isso”, diz Alberto Landgraf à Forbes diretamente de seu novo restaurante, o Bossa, inaugurado no fim de maio no bairro londrino de Mayfair. O serviço do jantar corre ao fundo enquanto ele fala, por videoconferência, de dentro de uma sala reservada envidraçada. Conta que montou o restaurante em 11 meses e treinou a equipe três dias antes de abrir as portas.
Tudo muito corrido porque, ao aceitar o convite para o negócio em Londres, já tinha comprometido a agenda com eventos internacionais (cozinhou em mais de uma dúzia de países nos últimos dois anos). Fora que precisa cuidar do seu Oteque, no Rio, 76ª posição no ranking The World’s 50 Best Restaurants 2023 – em 2022, estava na 47ª posição.
Parte da equipe do Oteque integra agora a do Bossa – ao todo, seis dos 24 funcionários do restaurante inglês. Muitos ingredientes, como tucupi e açaí, também pegaram a rota Brasil – Reino Unido, e são essenciais para o conceito da nova casa, que quer ir além da feijoada e do churrasco frequentemente associados à cozinha brasileira no exterior. “Faltava um chef encarar um projeto como o Bossa, de fazer uma cozinha de um patamar mais alto, em um bairro nobre, como Mayfair, e mostrar não só o lado caricato do Brasil, mas o lado moderno, atual, par a par com tudo que tem acontecido no mundo”, diz Landgraf.
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Paranaense de Cornélio Procópio, ele passou por cozinhas de chefs como Gordon Ramsay, Tom Aikens e Pierre Gagnaire, no Reino Unido e na França. De volta ao Brasil, chamou atenção em São Paulo com seu Épice e, depois, com o Oteque no Rio. Sente que, abrindo um restaurante fora já como chef estrelado, traça uma história diferente de outros brasileiros que se destacam no exterior. A seguir, ele fala mais do novo negócio, instalado em um imóvel ao lado do consulado brasileiro.
Como surgiu o projeto de abrir um restaurante em Londres?
Em fevereiro do ano passado eu fiz um jantar no restaurante de um amigo meu, o Lyle’s, de James Lowe, bem importante na cena em Londres. Uma pessoa que foi lá faz parte de um pool de investidores e gostou bastante. Achou muito único – foi essa a palavra que usou –, porque eu trouxe muitos ingredientes, como tucupi, castanhas e farinha, e juntei com ingredientes britânicos. Fiz, por exemplo, um pirão com turbot, que é um peixe daqui, e um lagostim com leite de castanha do Pará e caviar. Esse investidor me contou que saiu de lá pensando que Londres já tinha restaurante peruano, mexicano, uruguaio, argentino, mas não tinha um restaurante brasileiro. Quer dizer, até tem um, o Da Terra, com duas estrelas Michelin inclusive, mas não tem um chef brasileiro que veio para cá e abriu alguma coisa. Ele então encomendou uma pesquisa de mercado para uma consultoria para ver se tinha demanda e a resposta foi positiva. Então vieram com uma proposta para mim.
Qual o conceito? O que quer mostrar da cozinha brasileira?
Quero mostrar mais do que a cozinha brasileira, quero mostrar sabores, coisas inusitadas. O que eu mais escuto aqui é: “isto é tão único!”. E o Brasil já é muito respeitado fora em várias disciplinas. Temos grandes escritores, como Paulo Coelho; temos grandes artistas, como Beatriz Milhazes, Adriana Varejão, Os Gêmeos, Kobra; temos música, inclusive é o que traz o nome para o meu restaurante, o Bossa; temos designers, como Irmãos Campana, Sérgio Rodrigues e Ruy Ohtake… Então em várias áreas o Brasil já trabalha em um nível de elegância e finesse e, entre aspas, compete de igual para igual com o que tem fora do Brasil. Na gastronomia faltava isso. Cozinha brasileira fora é feijoada e churrasco, que têm o seu papel e são muito importantes. Mas faltava um chef encarar um projeto como o Bossa, de fazer uma cozinha de um patamar mais alto, em um bairro nobre, como Mayfair, e mostrar não só o lado caricato do Brasil, mas o lado moderno, atual, par a par com tudo que tem acontecido no mundo.
Quais são esses sabores únicos?
O tucupi é bem interessante. O pessoal também gosta muito do jambu. As castanhas do Pará e de caju que trago são totalmente diferentes das que se comem aqui, assim como o açaí. E tem as farinhas, com que faço farofa, pirão. Quis ser leal a meus fornecedores do Oteque e trazê-los para cá. Das bebidas, trouxe a Serra Limpa, que é uma cachaça orgânica de Pernambuco, e os vinhos da Vivente, do Rio Grande do Sul. Disse agora em uma entrevista para um jornal, The Telegraph: eu não estou trazendo essas coisas porque são brasileiras, estou trazendo porque são de qualidade e quero mostrar que o Brasil tem essa qualidade.
Li que vocês querem mostrar mais que moqueca e caipirinha. Mas servem moqueca e caipirinha, certo?
Sim. Mas é uma caipirinha diferenciada, bem refinada, feita com uma cachaça que no Brasil ninguém usaria para isso. E, para a moqueca, a gente cozinha os frutos do mar na brasa, cada um no seu ponto de cocção, só depois que incorpora o molho; serve com farofa, beiju de milho, vinagrete de feijão fradinho e um molhinho de pimenta, que é a receita do meu vô, e arroz. Tem também um prato de barriga de porco em que a gente fez um creme de feijoada como acompanhamento. Então tem tudo isso, mas de uma maneira elegante.
Tem um prato que resume esse conceito?
Vou falar de três pratos: o pastel de caranguejo com dip de açaí; as vieiras com tucupi e trigo sarraceno; e um que está vendendo muito, o tutano com tapioca e creme de castanha de caju crua.