Seriam os psicoativos o futuro do tratamento dos transtornos mentais?

15 de dezembro de 2020
Malikov Aleksandr/Getty Images

A nova droga aprovada pela Anvisa só pode ser administrada em hospitais e clínicas autorizadas

Há poucas semanas, a Anvisa aprovou o uso do primeiro remédio inalável para o tratamento de pessoas com pensamento suicida e/ou com depressão resistente – aquela cujos remédios convencionais não conseguem tratar.

Diferentemente dos clássicos antidepressivos, que levam entre 15 e 21 dias para apresentarem os primeiros efeitos, este começa a agir em poucas horas, melhorando o humor e os sintomas de quem está doente. Para quem pensa em se matar e quem está deprimido e não consegue ter solução para o seu problema, isso faz toda a diferença.

Nós, médicos, sabemos que alguns pacientes depressivos precisam se submeter a vários tratamentos antes que os efeitos de um deles seja percebido. A possibilidade de ajudar pessoas com esse quadro fazendo uso de apenas uma droga é um avanço importante quando comparamos com os antidepressivos tradicionais.

Para além dos efeitos extremamente animadores, a aprovação do medicamento é também uma novidade no tratamento da depressão, pois o princípio ativo do remédio é uma droga da classe dos psicoativos: a escetamina.

A escetamina é como se fosse imagem de espelho da cetamina. Igual, mas não idêntica, porque a esquerda de uma das imagens é a direita da outra, digamos assim. A cetamina é um anestésico potente comumente usado há muitos anos por veterinários de animais grandes como o cavalo.

Dois de seus efeitos colaterais são alteração da percepção e euforia. Por isso, por volta dos anos 1990 ela foi “redescoberta”, passando a ser usada por pessoas em clubes e raves porque amplifica as sensações. Não levou muito tempo para que o seu consumo se tornasse abusivo, com todas as consequências maléficas para a saúde que bem conhecemos, entre elas a dependência.

As drogas psicoativas estão bastante ligadas à Psiquiatria. Muitas delas foram estudadas como auxiliares do tratamento de transtornos mentais por muitos anos. Porém, a proibição e a criminalização de algumas delas em quase todo o mundo acabou interrompendo esses estudos. Mais recentemente, as pesquisas voltaram à carga, inclusive em renomadas instituições, como a Universidade Johns Hopkins, dos EUA, e o Imperial College, do Reino Unido.

Vários estudos têm mostrado resultados promissores para o tratamento não apenas da depressão, mas também dos transtornos pós-traumáticos e da esquizofrenia. No entanto, os resultados ainda não são incontestáveis ao ponto de convencerem a totalidade da comunidade médica. Existe ainda muita precaução e muita controvérsia.

Um dos motivos é a questão da segurança, mesmo esta nova droga aprovada pela Anvisa só podendo ser administrada em hospitais e clínicas autorizadas, sob a supervisão de um profissional de saúde. Outros psicoativos estudados também, como é o caso da psilocibina. São administrados em doses muito precisas, sempre com um profissional ao lado.

Um comentário feito em maio de 2020 pelo psiquiatra Alan Schatzberg, da Universidade Stanford, no “American Journal of Psychiatry”, aponta que, dado o estado atual dos estudos, ainda não dá para julgar a relação risco-benefício para pacientes individuais e para a sociedade em geral por ter essas substâncias disponíveis. Ainda há um longo caminho à frente quando se fala do uso delas para o tratamento de doenças mentais.

Se você se interessa por esse tema, gostaria de sugerir o blog “Virada Psicodélica”, do jornalista Marcelo Leite. Ele tem acompanhado de perto os estudos sobre essas drogas e traz informação interessante sobre elas.

Dr. Arthur Guerra é professor da Faculdade de Medicina da USP, da Faculdade de Medicina do ABC e cofundador da Caliandra Saúde Mental.

Siga FORBES Brasil nas redes sociais:

Facebook
Twitter
Instagram
YouTube
LinkedIn

Siga Forbes Money no Telegram e tenha acesso a notícias do mercado financeiro em primeira mão

Baixe o app da Forbes Brasil na Play Store e na App Store.

Tenha também a Forbes no Google Notícias.
Os artigos assinados são de responsabilidade exclusiva dos autores e não refletem, necessariamente, a opinião de Forbes Brasil e de seus editores.