A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) estuda alternativas para se contrapor ao texto final da medida provisória aprovada na quinta-feira (4) pelo Senado. O texto da MP diz que a agência tem cinco dias para autorizar o uso de vacinas contra a Covid-19 aprovadas por agências internacionais.
“Os diretores da agência já estão se reunindo com a procuradoria da Casa para ver as estratégias legais para agir contra essa MP, verificando possíveis inconsistências e trâmites legais para minimizar o dano que essa medida pode trazer. Nós, da equipe técnica, vamos fornecer todos os subsídios, mostrando todos os riscos”, disse o gerente-geral de medicamentos da Anvisa, Gustavo Mendes, em entrevista à CNN.
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A medida provisória aprovada pelo Senado tratava inicialmente da autorização para o governo brasileiro aderir ao mecanismo Covax Facilities, organizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para aquisição de vacinas. O texto, no entanto, foi alterado na Câmara dos Deputados para incluir a obrigação de que a Anvisa autorize no Brasil, em até cinco dias, o uso de vacinas aprovadas por agências internacionais.
Da forma como ficou redigida, a MP não dá abertura para a Agência negar o registro.
“Diferenças nos locais de fabricação, na qualidade dos insumos ou mesmo no método de fabricação podem impactar a qualidade da vacina. Então, nossa preocupação não é apenas de fazer a análise, uma coisa corporativista, mas de dar segurança para população”, disse Mendes, acrescentando ainda que sem essa análise a agência não tem como monitorar a qualidade, a segurança e a eficácia da vacina.
Além do prazo que obriga a aprovação –o texto diz que a “Anvisa concederá autorização temporária de uso emergencial para a importação, a distribuição e o uso”– a MP aumentou o número de agências sanitárias internacionais que a Anvisa terá que seguir. Além dos Estados Unidos, União Europeia, Japão, China, Canadá e Reino Unido, que já constavam na legislação, foram incluídas Coreia do Sul, Argentina e Rússia.
Para o sanitarista Gonzalo Vecina, ex-presidente da Anvisa, a MP, na prática, concede o registro das vacinas no lugar da Anvisa.
“Na verdade não precisava nem ir para a Agência. O Congresso está concedendo o registro sem a participação dela”, disse Vecina à Reuters. “Isso é um absurdo sem tamanho. A Anvisa não vai ter alternativa a não ser contestar na Justiça e eu acho que qualquer juiz vai derrubar isso. Não vai ter quem aceite isso como está.”
Com a aprovação da MP pelo Senado, o texto segue para sanção do presidente Jair Bolsonaro, que pode ainda vetar os artigos incluídos pelo Congresso.
Em nota na noite desta sexta-feira (5), a Anvisa informou que irá se manifestar junto à Casa Civil, pedindo que o presidente vete o artigo 5º do texto aprovado, que trata justamente da obrigatoriedade de aprovação.
“No entendimento da Anvisa, o artigo 5º pode contrariar o interesse público já que, na forma da redação final, haveria uma imposição para a aprovação das vacinas sem a prévia análise técnica de segurança, qualidade e eficácia. Ou seja, a norma retiraria o papel técnico de análise da Anvisa, delegando à agência uma função cartorial”, disse a Anvisa na nota.
“Um dos efeitos possíveis seria a existência de duas categorias de vacinas no Brasil, as que passaram pela avaliação do produto e toda sua cadeia produtiva e as que não tiveram qualquer avaliação sobre origem dos insumos, condições de conservação e eficácia na população.”
As mudanças na MP acabam tendo na mira a vacina russa Sputnik V, ainda sob análise na Anvisa, mas já aprovada em seu país de origem e também na Argentina. A agência tem sido pressionada por parlamentares e empresários para liberar o imunizante. Esta semana, o Ministério da Saúde informou que pode comprar 10 milhões de doses da vacina russa.
Questionado na CNN se a Anvisa está sendo pressionada, Mendes confirmou.
“Sim, está havendo pressão. Está havendo uma estratégia do Congresso de atropelar agência e isso é muito ruim porque a gente vê que nossa agência tem um respeito internacional enorme”, disse Mendes.
“Esse atropelo vem de um Congresso que não entende dos nossos procedimentos técnicos.”
Já Gonzalo Vecina afirma que, mesmo com a publicação de um estudo na revista científica Lancet sobre a Sputnik V, ainda não há informações suficientes sobre garantias da qualidade da vacina. Além disso, o especialista lembra que é preciso a inspeção das fábricas para garantir as boas práticas de fabricação, como foram feitas no caso das demais vacinas que estão sendo usadas no Brasil.
“Os riscos que corremos é de termos aprovada uma vacina que não é segura e eficaz. A agência argentina sofreu muito nas últimas crises econômicas, perdeu muita capacidade. Na Rússia temos um czar que manda em tudo”, critica Vecina.
Em outra nota, mais cedo, a Anvisa salientou que “é possível perceber que, até o momento, nenhuma autoridade reguladora de referência e que participa dos mesmos fóruns técnicos que a Anvisa concedeu autorização de uso emergencial de forma automática, baseada na avaliação de um outro país”. (Com Reuters)
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