Renascimento psicodélico traz potencial de US$ 6,8 bilhões em negócios

4 de dezembro de 2022
Foto: Yarygin/ Getty images

Morgan Stanley afirma que psicodélicos causarão impacto similar ao da blockchain e machine learning

Captar investimentos para uma indústria emergente pode ser desafiador — os negócios canábicos sabem bem disso. Mas, para toda regra, há uma exceção, e os psicodélicos têm apresentado uma performance extraordinária na atração de investidores interessados nesse mercado, que propõe um novo paradigma em tratamentos psíquicos.

A retomada de estudos e pesquisas para uso medicinal de tais substâncias na última década é um fenômeno global que ficou conhecido como “renascimento psicodélico” e, só em 2021, levantou US$ 540 milhões em investimentos, segundo o relatório da Valhalla Ventures.

Embasados por uma série de resultados positivos em estudos globais sobre sua eficácia, os psicodélicos têm levado esperança a pacientes acometidos por doenças como depressão refratária — aquela resistente aos antidepressivos clássicos —, estresse pós-traumático ou dependência a substâncias como álcool, opiáceos e tabaco. As vendas anuais de medicamentos para essas condições somam mais de US$ 25 bilhões mundo afora.

Ayahuasca, ibogaína, cetamina, psilocibina, MDMA, LSD e DMT são as substâncias psicodélicas mais estudadas atualmente, com novos e promissores resultados. Três desses estudos merecem destaque especial. O primeiro deles, realizado pela Johns Hopkins, mostrou que os efeitos antidepressivos da terapia assistida por psilocibina podem durar pelo menos um ano em alguns pacientes. O segundo, cujos resultados foram divulgados em meados de setembro, teve a participação de quase 500 pacientes com depressão grave e permitiu aferir uma diminuição das ideações suicidas em metade deles.

Finalmente, um ensaio clínico randomizado, publicado na Jama Psychiatry há poucas semanas, demonstrou que, oito meses depois da primeira dose, os voluntários que receberam psilocibina reduziram em 83% o consumo de álcool, em comparação com 51% entre aqueles que tomaram placebo.

É importante ter em mente que não estamos diante de uma panaceia. Além disso, os psicodélicos têm um longo caminho de pesquisas pela frente até que sejam definidos, com clareza, os potenciais riscos de sua administração e a posologia correta para cada patologia e paciente. É também possível que, durante tais pesquisas, sejam descobertas novas aplicações para outras enfermidades.

Diante do cenário animador, pipocam investidores.

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Geralmente, dividem-se em duas categorias: a dos amantes da psicodelia, que, desde antes de virar tendência, já acreditavam que ela poderia revolucionar a mente humana e a medicina; e os amantes do dinheiro, que enxergam nessas substâncias uma mina de ouro de onde apenas começaram a saltar as primeiras pepitas. Nos últimos meses, foram publicados vários relatórios com perspectivas positivas para o futuro dos psicodélicos na medicina, o que ajudou a instigar os empresários pertencentes à segunda categoria.

Duas das maiores consultorias do mundo, Morgan Stanley e KPMG, lançaram seus relatórios em junho e julho passados, chancelando a nova indústria psicodélica e dando enorme visibilidade ao tema, que vem ganhando cada vez mais destaque em conversas corriqueiras — graças, também, a fenômenos de público, como a série “Como mudar sua mente”, da Netflix.

Para o Morgan Stanley, os psicodélicos causarão um impacto na sociedade que pode ser comparado a fenômenos como blockchain, machine learning e os veículos autônomos.

O valor da saúde mental

A venda de medicamentos para tratamento de saúde mental representa um mercado global de US$ 25 bilhões. Estima-se que os psicodélicos utilizados em psicoterapia tenham a oportunidade de capturar de 10% a 80% do desse total de gastos.

Já a KPMG afirma que estamos diante de “um mercado pronto para decolar”, com uma projeção de chegar aos US$ 6,85 bilhões em 2027 e expectativa de crescer muito mais à medida que as substâncias sejam aprovadas pelo FDA (Food and Drug Administration), dos Estados Unidos. Segundo pistas dadas pela própria entidade, a primeira delas será o MDMA, já em 2023.

A substância, valiosa principalmente em casos de estresse pós-traumático em veteranos de guerra ou vítimas de abuso sexual, também vem sendo utilizada como uma ferramenta na terapia de casal, por suas habilidades de dissolução do ego e reconexão com os próprios sentimentos. Já a aprovação da psilocibina — componente psicodélico dos famosos cogumelos mágicos — deve ocorrer em seguida, em 2024.

O voto de confiança do órgão sanitário dos EUA nas substâncias psicodélicas se dá como uma política pública de prevenção ao suicídio, tido como a segunda principal causa de morte entre veteranos de guerra com menos de 45 anos de idade, segundo dados do relatório anual do Department of Veterans Affairs. Um estudo da MAPS (uma das principais entidades de pesquisa psicodélica do mundo) com voluntários dessa categoria revelou que, após a terapia por MDMA, 67% dos participantes deixaram de apresentar sintomas para TEPT (transtorno do estresse pós-traumático).

Retorno de 50 vezes

Quem chegar primeiro ganha mais, sobretudo quando se trata de psicodélicos. Sabendo disso, vários investidores estão apostando nessas substâncias antes mesmo que sua comercialização seja autorizada. Há três fatores principais que animam esses investidores: a necessidade de tratamentos eficazes para a saúde mental no mundo inteiro, a opinião pública favorável e o rápido avanço nos processos regulamentares.

Consideradas empresas de biotecnologia, as companhias que trabalham com psicodélicos oferecem um potencial de retorno de 20 a 50 vezes maior que o investimento inicial. Os investidores equilibram essa expectativa com uma importante probabilidade de fracasso, não só por toda a insegurança que cerca a indústria, mas também por desafios relacionados aos tempos de estudo das moléculas — até 15 anos para estabelecer sua segurança —, às patentes, que são difíceis de embasar, quando se trata de compostos naturalmente produzidos pela natureza, e à concorrência, cada vez mais voraz.

“Desde 2020, vimos o surgimento de meia dúzia de fundos de venture capital especializados em psicodélicos, cada um operando de US$ 10 a US$ 20 milhões. A chegada desses fundos catalisou o lançamento de centenas de startups”, conta Eduardo Schenberg, um dos principais cientistas e empresários do setor no Brasil, onde fundou o Instituto Phaneros, de pós-graduação em psicoterapia assistida por psicodélicos.

“Passamos o momento de euforia e agora é a chegada do outono. Nos próximos dois anos, provavelmente iremos de 200 para 50 startups”, prevê.

Hoje existem cerca de 50 empresas de capital aberto listadas em bolsas do mundo todo, como NYSE e Nasdaq, que financiam, apoiam ou realizam pesquisas clínicas na área. Entre as mais importantes, estão a Atai Life Sciences NV (ATAI), Cybin Inc. (CYBN), Compass Pathways PLC (CMPS) e Numinus Wellness (OTC:NUMI.F).

Trata-se de um cenário muito diferente daquele visto há até pouco mais de dois anos, quando a maior parte do dinheiro investido em pesquisas psicodélicas era provido por filantropos endinheirados — anônimos ou não. É o caso do escritor Tim Ferris, que aportou metade dos US$ 17 milhões utilizados para colocar em funcionamento o centro de investigação de estudos psicodélicos Johns Hopkins.

Embora as ações psicodélicas sejam ainda bastante voláteis, não chegam a espantar investidores parrudos, como o fundador do PayPal, Peter Thiel, e o ex-lutador de boxe Mike Tyson. É verdade, porém, que artistas e empresários de outros ramos, que não o farmacêutico, parecem mais animados do que as próprias big pharmas. Atualmente, entre elas, apenas a Johnson & Johnson e a gigante japonesa Otsuka investem no segmento. Não é difícil concluir que os grandes nomes do mercado ainda estão avaliando se a melhor tática é fazer lobby contra ou apostar na tendência.

Psicodélicos no Brasil

Sendo o Brasil uma referência na ciência psicodélica no mundo, é claro que os reflexos de uma indústria em plena expansão também se sentem por aqui. E se neste instante você estiver se perguntando “como assim, o Brasil?”, a explicação é longa, mas facilmente sintetizável: o uso tradicional de plantas é algo incutido na cultura brasileira. Vejamos também o caso da ayahuasca, psicodélico do grupo dos enteógenos, que é liberada em contexto ritualístico há vários anos no Brasil.

Outra planta, a ibogaína, é natural do Gabão e nunca teve seu uso proibido aqui, tampouco encontrou barreiras para sua administração em clínicas de tratamento, normalmente em casos de transtorno no uso de cocaína e crack. Além dela, a cetamina, um anestésico de uso controlado, tem autorização para uso off(quando se utiliza o medicamento para outros fins que não os recomendados pela bula), geralmente, para casos de depressão severa, já que leva poucas horas para surtir efeito, e não várias semanas, como acontece com os antidepressivos clássicos.

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Marco Algorta, o superconectado empresário da cannabis — e, agora, também dos psicodélicos —, resolveu aproveitar a vantagem regulamentar do Brasil em relação a outros países quando o assunto são psicodélicos e, há poucos meses, abriu a operação da Bienstar Wellness Corp. no país. A princípio, estabeleceu parceria com clínicas de psicoterapia assistida com aplicação de ibogaína e de cetamina. Para começar com o pé direito, fez questão de se associar ao médico Bruno Rasmussen, autoridade mundial quando se fala em ibogaína.

“A ideia é oferecer nosso serviço não apenas aos brasileiros, mas a qualquer pessoa que tenha condição de viajar ao Brasil, porque aqui a gente consegue fazer esse tratamento dentro da lei, enquanto nos EUA, onde há um surto de mortes por abuso de opióides, isso não é possível”, diz Rasmussen.

Algorta também firmou parceria com outros centros médicos para a aplicação de cetamina. “Trazemos know-how, protocolos e muitas possibilidades para essas clínicas, além de uma verdadeira injeção de ânimo ao corpo clínico. Tem também a presença de um time regulatório, que nos permite fazer um trabalho no acolhimento do paciente”, conta ele, que investiu US$ 250 mil do próprio bolso antes de captar US$ 1 milhão da Novamind (uma daquelas listadas na bolsa) e do fundo Plaza Capital. Hoje, a Bienstar tem um valor de mercado de US$ 6 milhões.

Em solo nacional, há ainda investimentos avançados em DMT, graças ao aporte da BioMind Lab — listada na bolsa do Canadá — no setor de pesquisa psicodélica da UFRN. Os investimentos da BioMind foram fundamentais para a reforma e a atualização da infraestrutura da universidade e são um exemplo de como a pesquisa psicodélica brasileira tem atraído olhares de fora.

Há também um caminho percorrido nos investimentos em psilocibina no Brasil, sob a batuta de César Câmara, CCO da Biocase Brasil. A empresa reverteu o aporte de US$ 3 milhões que recebeu de um family office para ser usado exclusivamente nas pesquisas com a substância. Sérgio Fadul, diretor executivo, explica o movimento. “O conselho da empresa decidiu que, agora, todo investimento para a cannabis será voltado para psicodélicos. O impacto deles na saúde pública é muito mais palpável que o da cannabis.”

Até o fim de 2023, a Biocase espera atingir um valor de mercado de US$ 40 milhões. Para alcançar essa meta, a empresa está em fase de negociação com companhias dos EUA e Canadá para arrecadar fundos para estudos com psilocibina natural, colhida na natureza. Ademais, acabam de lançar a BioTrip coin, para pessoas que querem investir em ciência psicodélica, mesmo que modestamente. São 22 milhões de BioTrips disponíveis para investimentos a partir de US$ 1. Quem dá mais?

Reportagem publicada na edição 101, lançada em setembro de 2022. Veja mais aqui