Neeleman, no entanto, tem uma longa história de inovação e conquistas. CEO da Azul, foi capa da sexta edição de FORBES Brasil em fevereiro de 2013, quando prometeu transformar sua empresa a maior linha aérea do país em dez anos. Veja a seguir o perfil publicado na época:
David Neeleman: o céu é o limite
Em recentes declarações, ele já afirmou que em dez anos quer ver sua companhia no posto de maior aérea brasileira. Mas, antes, Neeleman sabe que tem uma tarefa (ou missão) inescapável em 2013: trazer a Azul (perdoe-se o trocadilho), enfim, para o azul – ou seja, fazê-la gerar lucros reais aos sócios que investiram milhões para que iniciasse suas operações, em dezembro de 2008. E pensar que tudo começou no final da década de 70, quando o então jovem mórmon David, em missão (que é como são chamadas as viagens de pregação em sua igreja) no Brasil, deu-se conta que o capitalismo local fora feito para servir apenas a uma fração da população – e decidiu que algum dia mudaria, o quanto lhe fosse possível, essa realidade.
“Eu permaneci no Nordeste entre 1978 e 1980, liderando um grupo de jovens de minha fé. Servi principalmente em Campina Grande (PB), João Pessoa e Recife. E fiquei chocado ao perceber, nesse período, que a economia brasileira estava estruturada para dar um bom nível de vida só para 20 ou 30 milhões de pessoas. O restante da população – jardineiros, empregadas domésticas, lavradores, enfim, todo mundo – simplesmente estava fora do mercado de consumo”, conta Neeleman. “Lembro que na época pensei: puxa, mas que coisa ridícula – a economia deste país foi feita só para quem tem muito dinheiro! Há um episódio em especial que me marcou. Eu via nas ruas as mães carregando seus filhos no colo, de forma desconfortável, e não entendia por que elas simplesmente não usavam carrinhos de bebê como nos Estados Unidos. Aí, um dia fui a um supermercado local e matei a charada: os carrinhos de bebê expostos custavam o triplo do preço que era cobrado nas lojas do Walmart na América.”
De volta aos EUA, Neeleman iniciou então uma das mais surpreendentes carreiras empresariais da segunda metade do século 20. Ele trouxe ao mundo, em sequência, três empresas aéreas – todas bem-sucedidas: Morris Air, WestJet (esta no Canadá) e JetBlue. Em cada uma, aperfeiçoou a arte de desenvolver companhias de aviação de baixo custo, voltadas aos voos regionais e focadas no bem-estar dos passageiros. E então ele resolveu retornar ao Brasil e realizar a missão que um dia se impusera: proporcionar ao menos uma das vantagens de economias capitalistas modernas – o acesso amplo ao transporte aéreo – ao maior número possível de brasileiros. Surgia a Azul.
A mesa de Neeleman é austeramente ocupada. Blocos de papel, um computador que ele diz raramente usar, seu crachá. Chama a atenção um exemplar bastante manuseado de The Seven Habits of Highly Effective People, de Stephen Covey, um conhecido livro de autoajuda. “Covey era mórmon também. Morreu o ano passado, em um acidente de bicicleta. Aliás, não gosto de andar de bicicleta. É perigoso”, comenta, em seu português com forte sotaque americano. Nas recentes eleições presidenciais dos EUA, Neeleman votou no candidato republicano, Mitt Romney (outro mórmon), de quem é amigo pessoal.
Ele parece ter poucos interesses que não o mundo dos negócios. Não costuma ler livros, com exceção da Bíblia e do Livro de Mórmon, além de algumas obras sobre administração. “Mas eu vejo muitos artigos sobre economia nos jornais”, ressalta. Neeleman sofre de distúrbio do déficit de atenção (DDA), que prejudica sua capacidade de concentrar-se em algo continuamente (a doença afeta entre 0,5 e 5% da população mundial, a depender dos critérios de diagnóstico). “Não me ressinto disso. Se existisse hoje uma pílula que me livrasse instantaneamente do DDA, eu não a tomaria. O distúrbio me levou a privilegiar sempre uma visão mais macro da realidade, e isso me foi bastante útil ao longo do tempo”, conta ele. Não chegou a terminar a faculdade. E não pratica esportes (“Eu tenho ódio de golfe e ódio das pessoas que jogam golfe. É uma tremenda perda de tempo”, diz brincando – ou não).
Na trajetória de Neeleman, o nome Azul compete com o de sua outra grande criação, a JetBlue. Ele é ainda acionista da empresa, mas minoritário. “As ações da JetBlue valem, atualmente, metade do que valiam quando eu saí da companhia… Mas hoje eu observo a empresa de longe. De qualquer modo, tem muita gente boa trabalhando lá. E meu foco agora está aqui, na Azul.” Neeleman foi ao longo da vida um trabalhador obsessivo, e construiu para si uma história clássica de self-made man. Quando dirigia sua primeira companhia, a Morris Air, impressionava por sua aparente ubiquidade: uma hora estava no balcão vendendo passagens, e no instante seguinte surgia na pista para ajudar a tirar a neve das asas dos aviões. Durante os primeiros tempos da Azul, manteve este ritmo. Hoje, tenta relaxar um pouco. “Estou aprendendo a esquecer dos problemas quando saio da empresa”, relata, “até porque tenho ótimos profissionais aqui. Então, digo a eles: a pressão é de vocês, não vou me envolver mais tão fortemente com cada problema. Mas continuo dando as diretrizes, o norte do que precisa ser feito.”
O apoio familiar, provavelmente, deve tê-lo ajudado a atravessar 2012, um período duro para a aviação nacional. O baixo crescimento econômico, somado ao aumento de 20% no custo do querosene de aviação no terceiro trimestre e ao reajuste das tarifas aeroportuárias, trouxe consequências. As perdas da Gol nos primeiros nove meses de 2012 superaram R$ 1 bilhão. A TAM amargou prejuízo líquido de R$ 928 milhões no segundo trimestre. E a Avianca viu-se frustrada em dezembro quando seu controlador, o grupo Synergy, teve rejeitada pelo governo português sua oferta de 1,5 bilhão de euros pela estatal aérea TAP.
O modelo de negócios da Azul, calcado na venda de passagens por preços baixos para viagens de curta e média distância, resistiu bem à tormenta. A empresa fechou 2012 com bons números: 17.765.728 passageiros transportados por uma frota de 116 aeronaves – 47 turboélices modelos ATR e 69 jatos Embraer. Os 9 mil funcionários da companhia garantem a operação de 865 voos diários, os quais contam com uma taxa de ocupação média de 80% de suas poltronas – alta, em comparação com as atingidas pelas concorrentes.
Neeleman, como se sabe, quer ver a Azul ocupando o posto de maior empresa nacional de aviação dentro de uma década. Antes disso, de qualquer modo, as projeções para o desempenho da companhia em 2013 – recentemente anunciadas por seu diretor de comunicação e marca, Gianfranco Beting (veja boxe acima) – já são ambiciosas: aumentar a fatia do mercado aéreo local detida pela empresa dos atuais 15% para 18% e ver subir para 110 o número de cidades atendidas pela mesma (hoje são 101). Além disso, a empresa receberá neste ano 15 novos aviões, oito dos quais turboélices e o restante, jatos. A expectativa é que a quantidade de passageiros transportados pela Azul neste ano se expanda em 8%. Com tudo isso, as chances de que a companhia atinja em 2013 o almejado break-even (o momento em que despesas e receitas empatam, e a partir do qual começa a surgir o lucro) são consideradas elevadas por especialistas nesse mercado.