Conheça David Neeleman, CEO da Azul e vencedor do processo de privatização da TAP

11 de junho de 2015

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O governo de Portugal anunciou nesta quinta-feira (11) que David Neeeleman, CEO a brasileira Azul, foi o vencedor do processo de privatização da TAP, líder do mercado de aviação no país. O brasileiro detém o consórcio Gateway com o empresário português Humberto Pedrosa, que detém 50,1% do acordo vista exigência do governo português em ter um sócio majoritário europeu. Os valores ainda não foram divulgados.

Neeleman, no entanto, tem uma longa história de inovação e conquistas. CEO da Azul, foi capa da sexta edição de FORBES Brasil em fevereiro de 2013, quando prometeu transformar sua empresa a maior linha aérea do país em dez anos. Veja a seguir o perfil publicado na época:

 David Neeleman: o céu é o limite

Missão. Essa é uma palavra que surge, com frequência e em contextos diversos, quando se entrevista David Neeleman, fundador e atual presidente da Azul Linhas Aéreas Brasileiras. A companhia detém 15% do mercado nacional de aviação, índice consolidado quando de sua fusão com a Trip Linhas Aéreas em maio de 2012 – e o executivo deixa claro que enxerga na empresa a alavanca com a qual continuará trazendo ao mercado aéreo multidões de brasileiros que antes não usavam tal meio de transporte.

Em recentes declarações, ele já afirmou que em dez anos quer ver sua companhia no posto de maior aérea brasileira. Mas, antes, Neeleman sabe que tem uma tarefa (ou missão) inescapável em 2013: trazer a Azul (perdoe-se o trocadilho), enfim, para o azul – ou seja, fazê-la gerar lucros reais aos sócios que investiram milhões para que iniciasse suas operações, em dezembro de 2008. E pensar que tudo começou no final da década de 70, quando o então jovem mórmon David, em missão (que é como são chamadas as viagens de pregação em sua igreja) no Brasil, deu-se conta que o capitalismo local fora feito para servir apenas a uma fração da população – e decidiu que algum dia mudaria, o quanto lhe fosse possível, essa realidade.

“Eu permaneci no Nordeste entre 1978 e 1980, liderando um grupo de jovens de minha fé. Servi principalmente em Campina Grande (PB), João Pessoa e Recife. E fiquei chocado ao perceber, nesse período, que a economia brasileira estava estruturada para dar um bom nível de vida só para 20 ou 30 milhões de pessoas. O restante da população – jardineiros, empregadas domésticas, lavradores, enfim, todo mundo – simplesmente estava fora do mercado de consumo”, conta Neeleman. “Lembro que na época pensei: puxa, mas que coisa ridícula – a economia deste país foi feita só para quem tem muito dinheiro! Há um episódio em especial que me marcou. Eu via nas ruas as mães carregando seus filhos no colo, de forma desconfortável, e não entendia por que elas simplesmente não usavam carrinhos de bebê como nos Estados Unidos. Aí, um dia fui a um supermercado local e matei a charada: os carrinhos de bebê expostos custavam o triplo do preço que era cobrado nas lojas do Walmart na América.”

De volta aos EUA, Neeleman iniciou então uma das mais surpreendentes carreiras empresariais da segunda metade do século 20. Ele trouxe ao mundo, em sequência, três empresas aéreas – todas bem-sucedidas: Morris Air, WestJet (esta no Canadá) e JetBlue. Em cada uma, aperfeiçoou a arte de desenvolver companhias de aviação de baixo custo, voltadas aos voos regionais e focadas no bem-estar dos passageiros. E então ele resolveu retornar ao Brasil e realizar a missão que um dia se impusera: proporcionar ao menos uma das vantagens de economias capitalistas modernas – o acesso amplo ao transporte aéreo – ao maior número possível de brasileiros. Surgia a Azul.

Os mais de quatro anos decorridos desde então foram agitados para este descendente de holandeses que, talvez devido a sua magreza, aparenta ser mais velho do que de fato é (Neeleman tem 53 anos). Aliás, 2013 também começou movimentado para o empresário: sua entrevista à FORBES Brasil foi dada no último dia em que passou nas instalações da empresa em Alphaville (condomínio situado na cidade paulista de Barueri) – curiosamente, em prédios que antes eram usados pelo apresentador de TV Gugu Liberato para a gravação de programas. O lugar ficou pequeno após a união com a Trip. A companhia mudou-se para um edifício corporativo de alto padrão situado à beira da Rodovia Castelo Branco, ainda em Alphaville, porém de acesso mais fácil ao Aeroporto Internacional de Viracopos – o qual, localizado em Campinas (SP), é o hub (centro de distribuição de passageiros) da empresa. Antes um pequeno terminal de cargas interiorano, graças à Azul Viracopos é hoje um dos principais complexos aéreos do país – e 88% dos voos que ali ocorrem todos os dias são da companhia.

A mesa de Neeleman é austeramente ocupada. Blocos de papel, um computador que ele diz raramente usar, seu crachá. Chama a atenção um exemplar bastante manuseado de The Seven Habits of Highly Effective People, de Stephen Covey, um conhecido livro de autoajuda. “Covey era mórmon também. Morreu o ano passado, em um acidente de bicicleta. Aliás, não gosto de andar de bicicleta. É perigoso”, comenta, em seu português com forte sotaque americano. Nas recentes eleições presidenciais dos EUA, Neeleman votou no candidato republicano, Mitt Romney (outro mórmon), de quem é amigo pessoal.

Ele parece ter poucos interesses que não o mundo dos negócios. Não costuma ler livros, com exceção da Bíblia e do Livro de Mórmon, além de algumas obras sobre administração. “Mas eu vejo muitos artigos sobre economia nos jornais”, ressalta. Neeleman sofre de distúrbio do déficit de atenção (DDA), que prejudica sua capacidade de concentrar-se em algo continuamente (a doença afeta entre 0,5 e 5% da população mundial, a depender dos critérios de diagnóstico). “Não me ressinto disso. Se existisse hoje uma pílula que me livrasse instantaneamente do DDA, eu não a tomaria. O distúrbio me levou a privilegiar sempre uma visão mais macro da realidade, e isso me foi bastante útil ao longo do tempo”, conta ele. Não chegou a terminar a faculdade. E não pratica esportes (“Eu tenho ódio de golfe e ódio das pessoas que jogam golfe. É uma tremenda perda de tempo”, diz brincando – ou não).

Na trajetória de Neeleman, o nome Azul compete com o de sua outra grande criação, a JetBlue. Ele é ainda acionista da empresa, mas minoritário. “As ações da JetBlue valem, atualmente, metade do que valiam quando eu saí da companhia… Mas hoje eu observo a empresa de longe. De qualquer modo, tem muita gente boa trabalhando lá. E meu foco agora está aqui, na Azul.” Neeleman foi ao longo da vida um trabalhador obsessivo, e construiu para si uma história clássica de self-made man. Quando dirigia sua primeira companhia, a Morris Air, impressionava por sua aparente ubiquidade: uma hora estava no balcão vendendo passagens, e no instante seguinte surgia na pista para ajudar a tirar a neve das asas dos aviões. Durante os primeiros tempos da Azul, manteve este ritmo. Hoje, tenta relaxar um pouco. “Estou aprendendo a esquecer dos problemas quando saio da empresa”, relata, “até porque tenho ótimos profissionais aqui. Então, digo a eles: a pressão é de vocês, não vou me envolver mais tão fortemente com cada problema. Mas continuo dando as diretrizes, o norte do que precisa ser feito.”

Quando está fora da Azul, Neeleman mergulha no que mais aprecia, o convívio com a família. Toda quinta-feira ele parte para a cidade de Nova Canaan, no Estado americano de Connecticut, onde residem sua esposa, Vicki, e seus filhos. Lá ele possui uma mansão avaliada em US$ 17 milhões, erguida sobre mais de 13 mil m² de terreno. “No momento estou com cinco netos morando em casa, além de vários outros familiares. É algo muito bom, eu passo muito tempo com eles. Meus filhos, sim, praticam esportes. Eu sou muito dedicado a minha família”, conta, visivelmente enternecido. A idade de sua extensa prole (nove filhos) vai de 13 a 31 anos.

O apoio familiar, provavelmente, deve tê-lo ajudado a atravessar 2012, um período duro para a aviação nacional. O baixo crescimento econômico, somado ao aumento de 20% no custo do querosene de aviação no terceiro trimestre e ao reajuste das tarifas aeroportuárias, trouxe consequências. As perdas da Gol nos primeiros nove meses de 2012 superaram R$ 1 bilhão. A TAM amargou prejuízo líquido de R$ 928 milhões no segundo trimestre. E a Avianca viu-se frustrada em dezembro quando seu controlador, o grupo Synergy, teve rejeitada pelo governo português sua oferta de 1,5 bilhão de euros pela estatal aérea TAP.

O modelo de negócios da Azul, calcado na venda de passagens por preços baixos para viagens de curta e média distância, resistiu bem à tormenta. A empresa fechou 2012 com bons números: 17.765.728 passageiros transportados por uma frota de 116 aeronaves – 47 turboélices modelos ATR e 69 jatos Embraer. Os 9 mil funcionários da companhia garantem a operação de 865 voos diários, os quais contam com uma taxa de ocupação média de 80% de suas poltronas – alta, em comparação com as atingidas pelas concorrentes.

Neeleman, como se sabe, quer ver a Azul ocupando o posto de maior empresa nacional de aviação dentro de uma década. Antes disso, de qualquer modo, as projeções para o desempenho da companhia em 2013 – recentemente anunciadas por seu diretor de comunicação e marca, Gianfranco Beting (veja boxe acima) – já são ambiciosas: aumentar a fatia do mercado aéreo local detida pela empresa dos atuais 15% para 18% e ver subir para 110 o número de cidades atendidas pela mesma (hoje são 101). Além disso, a empresa receberá neste ano 15 novos aviões, oito dos quais turboélices e o restante, jatos. A expectativa é que a quantidade de passageiros transportados pela Azul neste ano se expanda em 8%. Com tudo isso, as chances de que a companhia atinja em 2013 o almejado break-even (o momento em que despesas e receitas empatam, e a partir do qual começa a surgir o lucro) são consideradas elevadas por especialistas nesse mercado.

Questionado, ao final da entrevista, se sente-se mais brasileiro ou mais americano (o executivo, nascido no Brasil quando seu pai aqui trabalhava como jornalista, tem ambas as nacionalidades), Neeleman ri e responde: “Eu sou brasicano, sempre fui! As oportunidades neste país são muito grandes, basta que a pessoa esteja disposta a trabalhar duro para aproveitá-las. Quando voltei ao Brasil, depois de apenas um dia eu já havia decidido que criaria a Azul nesta terra. E foi o que fiz”, enfatiza ele, como quem diz: missão cumprida.