Os Tesla e outros sedãs elétricos podem estar ganhando terreno nos Estados Unidos, onde o normal é as pessoas terem garagens espaçosas, mas os florescentes centros urbanos da Ásia são um ambiente hostil para a revolução dos carros não poluentes. O custo de um Tesla está totalmente fora do alcance das massas e, para a ascendente classe média, que mora em apinhadas torres de apartamentos, há poucos bons lugares para carregar os carros, quanto mais para estacioná-los.
“Como você cria um produto para os 99 por cento?”, indaga Luke, um homem baixo de 44 anos de idade, com óculos de grossas armações pretas, cabeça raspada e uma risada jovial. “Precisávamos criar um produto para eles.”
A scooter da Gogoro custaria bem mais do que uma moto normal, levando-se em conta todos os recursos que tem, mas Luke tornou-a acessível por meio de uma mudança esperta no modelo de negócios. Os usuários não serão donos das baterias. Em vez disso, pagarão uma tarifa mensal baixa para trocar baterias portáteis, conforme necessário, em uma rede de estações de carga. As baterias correspondem a uma grande parte do custo de um veículo elétrico. Luke pretende deixar a moto ainda mais barata, talvez por meio de um subsídio ambiental do governo taiwanês.
A própria Gogoro dispõe de recursos financeiros abundantes, e levantou, logo de cara, US$ 40 milhões junto a Samuel Yin (patrimônio líquido calculado em US$ 4,2 bilhões), CEO do Ruentex Group, que atua nos setores de varejo, imóveis e serviços financeiros. Além disso, também captou US$ 10 milhões junto a Cher Wang, cofundadora da HTC. Luke ainda está fechando outra rodada, agora de US$ 100 milhões, a qual provavelmente levará a empresa a valer US$ 400 milhões.
O modelo de negócios de troca de baterias de veículos já foi experimentado antes — e foi um fracasso retumbante.
A Better Place, startup israelense de veículos elétricos financiada pelo bilionário Idan Ofer, queimou quase US$ 1 bilhão tentando montar uma rede de parrudas máquinas robóticas de distribuição de baterias que deveriam custar US$ 500 mil cada uma, mas que acabaram custando quase US$ 2 milhões.
Luke estudou a Better Place com atenção para evitar os erros dela. Suas estações de carga de bateria GoStations, do tamanho aproximado de uma máquina de venda automática de guloseimas, podem ser instaladas em qualquer lugar onde haja uma tomada e custam menos de US$ 10 mil cada. Em menos de um minuto, o usuário pode parar, trocar a bateria de 9 quilos, que fica em um compartimento situado sob o banco da scooter, e seguir em frente. A bateria não funciona se não tiver sido associada ao usuário por meio de autenticação no aplicativo do smartphone.
O foco de Luke é que saia tudo bem no lançamento, que acontecerá em Taipei em meados deste ano, antes de expandir para outras megacidades. A Gogoro está obtendo ótimos pontos para suas GoStations em um acordo com o governo taiwanês, que é dono de cerca de 75% dos postos de gasolina do país. Taiwan é um campo de provas ideal, com 15 mi- lhões de usuários de scooter em um país de 23 milhões de habitantes — um dos maiores índices de scooter por pessoa do mundo. Em Taipei, você vê famílias inteiras em cima de motos Honda e montes de botijões de gás amarrados à garupa de motos Yamaha, todas elas expelindo fumaça sufocante.
“Este produto pode ser muito promissor no futuro”, diz o primeiro-ministro de Taiwan, Mao Chi-kuo. “Ele pode não somente ser uma boa solução para os problemas de transporte do nosso país como acho que também pode ser adotado em outros mercados.”
Luke vivia em função dos telefones na HTC. Andava com seis ao mesmo tempo. Porém, em 2011, ficou esgotado com a corrida dos smartphones. “Cada setor, a cada momento, precisa de um certo tipo de talento”, diz ele. “O de celulares entrou em seu estágio evolucionário, em vez de revolucionário.” Depois que Luke saiu da HTC, a empresa iniciou um forte declínio financeiro, do qual só agora está se recuperando.
A necessidade do novo é palpável em Luke. Durante o jantar em um restaurante de massas no centro de Taipei, ele vai até uma janela onde os clientes podem observar os funcionários montarem cada bolinho de forma que tenha exatamente 18 dobras elaboradas. “É muito repetitivo”, ele brinca. “Se eu quisesse fazer 19 dobras, seria despedido!”
No fim da década de 2000, Luke e Taylor, o executivo-chefe de tecnologia da HTC, tinham começado a falar em montar uma empresa juntos. “O Horace vinha falando da ideia de transporte supereficiente”, disse Taylor. “E ele sempre foi louco por carros.” Em todos os lugares aonde iam, na Ásia, viam cidades asfixiadas por nuvens de fumaça de sco- oter. Os cofundadores da Gogoro viram que a Tesla tinha tomado um empréstimo de US$ 465 milhões para levar o Model S ao mercado e pensaram que podiam construir uma scooter por um décimo disso.
Um fator crucial foi que ela conseguiu, para suas baterias, uma parceria com a Panasonic, que também fornece esse componente para a Tesla. Todo o trabalho de projeto e prototipagem foi realizado em segredo em um espaço de 24.800 metros quadrados em um empoeirado subúrbio industrial situado 32 quilômetros ao sul de Taipei. Luke providenciou para que as janelas fossem revestidas de papel branco para evitar
os curiosos.
Lá dentro, foi removido o revestimento do piso, das paredes e do teto, e os 364 funcionários trabalham em um espaço aberto. Espalhados pelo escritório estão caros brinquedos do tipo Robocop e Homem de Ferro que Luke vem colecionando ao preço de algumas centenas de dólares por peça. Os planos preveem a contratação de mais 400 funcionários este ano, muitos dos quais ocuparão outros cinco andares e 8.300 metros quadrados em edifícios do outro lado da rua.
Desde que foi revelado, no início de 2015, o design elegante e simples da Smartscooter da Gogoro foi objeto de muitas comparações favoráveis com produtos da Apple. O lado desenhista industrial de Luke enxerga paralelos. “Antigamente, os eletrônicos precisavam de um monte de botões específicos porque o software ainda não estava lá. Agora, o mundo do design conta com o software.” O transporte não poluente também pode ir nessa direção.