Como a Embraer pretende brigar de igual para igual com os líderes do setor

29 de agosto de 2015

Letícia Moreira

Toda manhã, pontualmente às 9h, uma passagem da Bíblia Sagrada salta da tela do smartphone do carioca Frederico Curado, 53 anos, um dos mais respeitados CEOs do Brasil e presidente da Embraer, a terceira maior fabricante de aeronaves comerciais do mundo, quinta maior de jatos executivos e principal exportadora brasileira de produtos de alto valor agregado. Uma de suas leituras prediletas é o Evangelho de Mateus, mais especificamente o capítulo 25, versículos 14 a 30. É lá no Novo Testamento que está registrada a “parábola dos talentos” ou “parábola do dinheiro investido”. Resumidamente, ela fala sobre um homem que, tendo de viajar, reuniu seus servos e lhes confiou seus bens. A um deu cinco talentos (o que pode ser interpretado como recursos); a outro, dois; e ao terceiro, um. Depois partiu.

Na sequência, o que havia recebido cinco talentos saiu imediatamente, negociou, produziu e ganhou mais cinco. Do mesmo modo, o que recebeu dois ganhou outros dois. Mas o que recebeu apenas um cavou um buraco no chão e escondeu o dinheiro. Muito tempo depois, o homem retornou. Durante o acerto de contas, parabenizou aqueles que conseguiram multiplicar seus recursos. O terceiro servo, no entanto, foi chamado de negligente pelo senhor, que se arrependeu de não ter confiado seu dinheiro aos banqueiros, que o teriam devolvido acrescido de juros.

Assim como na parábola, o executivo, que atua há 30 anos na companhia, 20 na diretoria e oito na presidência, é um verdadeiro multiplicador de recursos. Em 2006, um ano antes de assumir o comando, a Embraer registrou cerca de R$ 8 bilhões de receita líquida. No ano passado, o número foi de quase R$ 15 bilhões. O talento de Curado se mostrou vital não só na bonança, mas principalmente nos momentos de maior adversidade. Sua prova de fogo ocorreu em 2009, ano em que a empresa viveu uma crise sem precedentes para o setor aéreo. A saída foi demitir 4,27 mil funcionários — ou 20% de sua força de trabalho —, reduzir investimentos e também a previsão de faturamento. A tempestade passou e Curado recolocou a Embraer em rota de crescimento.

Nos últimos anos, com seu estilo reservado e estrategista, ele elevou a companhia de patamar, a partir de um pesado investimento em inovação, o que resultou na criação de novos produtos e no avanço do seu processo de internacionalização. “A Embraer está deixando sua posição de empresa nacional exportadora para se tornar uma companhia global sediada no Brasil. Se você observar a GE, IBM e Volkswagen, verá que todas elas têm operações fora de seus países de origem, com uma parte significativa de sua receita advinda dos mercados internacionais”, observa.

Não por acaso, seu mandato como presidente foi recentemente renovado por mais dois anos. Na empresa desde antes da privatização, em 1994, Curado vivenciou praticamente todas as fases e crises da história da Embraer. Nas cerca de 50 viagens que faz por ano a trabalho (a maioria para o exterior), aprendeu sobre as particularidades de cada mercado e busca usar isso a favor do avanço da companhia. “A Embraer tem conseguido crescer organicamente a partir do investimento contínuo em novos produtos. Avançamos na aviação executiva e na área de defesa, além de manter nosso tamanho na aviação comercial.”

Delegador, ele sempre inclui a equipe em seus feitos e não se cansa de elogiar Ozires Silva, fundador e primeiro presidente da companhia, além de Maurício Botelho, seu antecessor. Eles foram os grandes responsáveis por construir os pilares da empresa que ele recebeu em 2007, quando assumiu como comandante. “O Botelho me entregou uma companhia melhor do que recebeu. Espero poder fazer o mesmo no dia que sair.” E não, não há data definida para ele deixar o cargo. “Enquanto eu tiver saúde e achar que estou trazendo uma contribuição positiva, terei motivação para atuar.”

A Embraer mudou consideravelmente na última década, passando a acelerar seus investimentos em aviação executiva e promovendo um grande salto em sua área de defesa e segurança. Em 2000, por exemplo, as aeronaves comerciais respondiam por 95% da receita. Para se ter uma ideia, o Legacy, seu primeiro jato executivo, só foi lançado em 2000 e certificado em 2002. Já o Phenom, da família de jatos leves, surgiu em 2007. Sua primeira entrega foi em 2009.

Foi assim que a companhia conseguiu sobrevoar novos territórios com novos produtos. Em 2012, o volume de jatos comerciais caiu para 61% da receita; 53% em 2013; e 50% em 2014. Para este ano, a previsão divulgada para essa participação é de 52%. Ou seja, jatos comerciais são e continuarão a ser os mais representativos do negócio. E sua venda é crescente, mas o sucesso da companhia não depende mais só deles.

A Embraer tem avançado visivelmente nas outras áreas como a de defesa. Em 2013, a empresa foi escolhida pela Força Aérea dos Estados Unidos para fornecer 20 A-29 Super Tucanos em um contrato de US$ 427 milhões. Oito unidades já foram entregues. “O valor, em si, é muito representativo, mas mais importante ainda é a credencial conquistada. Foi um marco fornecer um produto para o Departamento de Defesa dos Estados Unidos”, diz Curado.

Pelo contrato, ainda há a opção futura de compra de outras 20 unidades. Atualmente, o Super Tucano é produzido apenas em Jacksonville (Flórida), o que abre a possibilidade de a Embraer exportar o turboélice militar para outros países a partir da fábrica americana.
O executivo lembra, no entanto, que as principais estruturas do avião são produzidas no Brasil. Além disso, o país tem uma linha de produção para o modelo, mas como a Força Aérea Brasileira (FAB) já recebeu todos os pedidos, ela está temporariamente parada. Dependendo do cliente, o modelo poderá ser produzido tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos.

No momento, o plano de voo da Embraer aponta para três destinos, o que pode ser lido como três principais investimentos em curso. O primeiro é no jato executivo Legacy 450, uma versão encurtada do 500 em número de assentos e alcance. O preço está na faixa dos
US$ 17 milhões ante os US$ 20 milhões da versão maior e chega ao mercado neste semestre. O segundo ocorre na área de defesa com o cargueiro KC-390, avião de grande porte, o maior já fabricado no país, e multifuncional. Já o terceiro investimento está voltado ao avanço da aviação comercial, seu maior negócio. A Embraer aportou um total de US$ 1,7 bilhão no desenvolvimento da segunda geração dos jatos comerciais E-Jets. E constrói 175 (com entrega prevista para 2020), 190 (2018) e 195 (2019).

A primeira geração foi lançada em 1999, com a primeira encomenda em 2003 e a entrada em serviço em 2004. Até 31 de março, a companhia acumulava 1.564 pedidos firmes de jatos comerciais (de primeira e segunda geração) e 1,1 mil entregas. Hoje, 64 aéreas de 45 países voam com suas aeronaves.

Hoje, a Embraer é a terceira maior fabricante de jatos comerciais do mundo, atrás da Boeing e da Airbus. A distância da brasileira para a americana e a francesa é grande. Até porque sua maior aeronave é o Embraer 195, da ordem de 120 lugares, menor que o modelo mais compacto da Boeing. A empresa, no entanto, é líder mundial no segmento de jatos comerciais de 70 a 130 assentos, com cerca de 60% do mercado e 50% dos pedidos.

Para ganhar novos clientes, a segunda geração desse modelo terá de dois a 14 assentos a mais, dependendo do modelo. Com isso, sua venda anual de 95 a 100 aeronaves comerciais deverá subir. Isso não significa, no entanto, que a empresa passará a produzir aeronaves comerciais de grande porte. “Até o final da década, estaremos totalmente compromissados nesse desenvolvimento dos três novos modelos, o que não é simples”, afirma Curado.
Já em aviação executiva, a Embraer é a quinta maior do globo, atrás da Guflstream, Bombardier, Dassault Falcon e Cessna. Parafraseando Ozires Silva, Curado diz que a realidade se tornou maior do que o sonho. “A Embraer nasceu em 1969, do sonho de criar uma empresa capacitada a projetar, desenvolver e entregar aviões. Acabou ganhando uma dimensão internacional e hoje é uma das empresas mais reconhecidas do mundo em seu campo de atuação.”
Em 2014, 79% de sua receita vieram das exportações, com 48% deste montante advindos da América do Norte. Apesar da diversificação dos negócios e mercados, os Estados Unidos se mantêm como principal comprador da fabricante brasileira. Motivo até que explica a presença de Curado em visita oficial recente da presidente Dilma Rousseff aos Estados Unidos, incluindo reuniões com Barack Obama e Joe Biden.
A partir de meados de 2016, toda fabricação do jato leve Phenom será centralizada nos Estados Unidos.

O objetivo é ganhar escala ao invés de ter duas operações industriais não customizadas (até então, Brasil e Estados Unidos). O custo de produção é praticamente o mesmo nos dois países. A medida também visa liberar mais espaço nas plantas brasileiras para o esenvolvimento dos E-Jets de segunda geração, que demandam mais metros quadrados e mão de obra.

De natureza afável e discreta, Curado não exala ambição pelos poros como vários CEOS de empresas bilionárias. E evita, por exemplo, arriscar previsões de crescimento para a Embraer diante da concorrência. Uma coisa, porém, é certa. A julgar pelo tempo em que conseguiu quase que dobrar o faturamento da empresa, é de se esperar que a Embraer, no curto prazo, comece a morder os calcanhares dos gigantes do setor.

Letícia Moreira