Como Thomas Tull usou uma fórmula secreta para reinventar Hollywood

16 de fevereiro de 2016

Reprodução/FORBES

Enquanto a maioria das pessoas têm um tempo de descanso perto do Natal, Thomas Tull, o fundador bilionário da Legendary Entertainment, passou essa época mais ocupado – ou mais estressado – do que nunca. Ele estava no meio de um acordo para vender seu estúdio ao homem mais rico da China, Wang Jianlin, e seu Dalian Wanda Group. Porém, muitos contratempos entraram no caminho de Tull e o pagamento de US$ 3,5 bilhões.

Andando de um lado a outro em sua mansão no complexo Westlake Village, no subúrbio de Los Angeles, ele primeiro teve de explicar o acordo a seus consórcios um por um, um grupo variado que vai de gigantes institucionais como Fidelity, Morgan Stanley e o japonês SoftBank a indivíduos, como o bilionário de investimentos Jim Breyer.

Então veio a tarefa quase impossível de minimizar impostos dos dois lados – cada mudança nos termos invariavelmente causou repercussões para um lado ou outro.

Finalmente, Tull teve de navegar pelo sistema regulatório chinês, que proíbe que estrangeiros tenham participações em empresas de entretenimento – um problema, já que Tull, que iria continuar em seu cargo de CEO, queria manter uma participação de 20% na Legendary. No fim, fontes bem informadas disseram à FORBES que Tull teve de se contentar com um plano de ações fantasmas, uma solução alternativa que mascararia uma propriedade e o daria um pagamento anual, além de 15% a 20% dos lucros se a empresa for vendida. No entanto, a Legendary não confirma este acordo.

Estes detalhes foram a culminação de um processo de dois anos que começou com um almoço em Pequim no final de 2013. Legendary, que coproduziu blockbusters como “Batman: O Cavaleiro das Trevas” e “Godzilla”, associou-se recentemente à estatal China Film Group para desenvolver filmes no país. Ele ganhou acesso a um mercado crescente – que irá passar os Estados Unidos no ano que vem como maior do mundo – e um quase certeiro canal de distribuição que permite apenas 34 filmes estrangeiros por ano. No ano passado, Wang comprou a cadeia de cinemas norte-americana AMC por US$ 2,6 bilhões, tomando o primeiro passo do que se tornaria uma série de aquisições de entretenimento internacionais para alargar o campo de trabalho de seu conglomerado imobiliário.

Quase imediatamente, eles começaram a suavizar diferenças pessoais e aquecer suas similaridades, incluindo o fato de eles terem crescido em famílias pobres (embora a mais de 11 mil quilômetros de distância). “Eu gostava porque não havia muita conversa elaborada”, diz Tull.

Este almoço coincidiu com seu forjamento de parcerias rentáveis (o épico humanos-versus-monstros de Tull, “Círculo de Fogo”, arrecadou 27% de seus ganhos brutos de US$ 411 milhões da China, muito disso de cinemas de Wanda) e levou a pequenos investimentos – Wang adquiriu uma participação de quase 2% da Legendary.

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Uma dinâmica positiva foi estabelecida. “Em qualquer acordo de negócios, sempre parece que há três momentos em que você sente que não há jeito”, recorda Tull. Porém, na noite de Reveillón, Tull foi capaz de ligar a Wang e dizer seis palavras: “Eu acho que temos um acordo.”

Espera-se que este acordo seja fechado iminentemente. E, quando isso acontecer, irá marcar Hollywood de muitas maneiras. Cinco dos seis maiores estúdios – 20th Century Fox, Warner Bros., Paramount, Disney e Universal – receberam investimentos da China ou formaram empreendimentos conjuntos lá nos últimos 18 meses, mas esta será a primeira compra completa de um estúdio de filmes norte-americano. “Legendary é uma porta de entrada para o alinhamento cultural e financeiro entre o mundo da produção de filmes de Hollywood e o mercado Chinês em rápida expansão”, diz Wang.

Em segundo lugar, isso mostrará que a fórmula de blockbusters baseados em quadrinhos pode produzir saídas lucrativas até mesmo para empresas que não são chamadas Marvel ou DC. Em terceiro, isso iria validar a estratégia baseada em dados Moneyball, que esteve a todo vapor em Hollywood na década passada mas parece um pouco estúpida atualmente.

A venda também seria um triunfo impressionante de estabelecimento de acordos para o bilionário de 45 anos Tull. A Disney pagou US$ 4,1 bilhões pela Lucasfilm e a poderosa franquia Star Wars e outros US$ 4 bilhões pela Marvel e um universo de personagens – Hulk, Thor e Capitão América – que coletivamente é a franquia que mais arrecadou de todos os tempos. O que os US$ 3,5 bilhões de Wang, que incluem cerca de US$ 900 milhões em dívidas, compram?

“Não está muito claro exatamente o que eles estão comprando”, disse Dan Clivner, sócio do escritório de advocacia de Los Angeles Sidley Austin, especializado em fusões e aquisições.

A Legendary usa seu dinheiro e sua experiência para produzir franquias de outras pessoas: a maioria de seus maiores hits, como “Se Beber, Não Case” e “Jurassic World”, foram produções conjuntas com outros estúdios como Warner Bros. E Universal, usando propriedade intelectual que eles têm. Teve também certo sucesso licenciando propriedades – “Godzilla” é licenciado da Toho – mas isso também não pode justificar a avaliação. A Legendary fala do conteúdo que tem, mas certamente “Círculo de Fogo”, mais alguns filmes de terror e três decepções não chegam perto do valor de Star Wars.

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Em última análise, Wang parece estar disposto a pagar um valor exagerado para ter uma participação controladora em uma entidade de Hollywood. O segundo homem mais rico da China, Jack Ma, de acordo com fontes, tem repetidamente tendo seus esforços de assumir o controle do Paramount e outros estúdios frustrados.

Wang também está postando em Tull pessoalmente. Tull não vai sacar qualquer coisa do negócio. Enquanto seus investidores irão fazer magnificamente, Tull está se atendo a sua participação fantasma – está apostando no futuro, do mesmo lado de Wang. Com a Legendary no centro de aparentemente toda tendência de negócio de filmes, entender o que Tull construiu e aonde ele proverá um microcosmo do futuro de Hollywood em si.

O magnata global de Hollywood foi criado por uma mãe solteira na periferia da cidade de Binghamton, em Nova York. Tull, que ajudou a sustentar duas irmãs mais novas ao cortar grama no verão e tirando neve de calçadas e garagens no inverno, tinha como escape a fantasia e a ficção científica: a trilogia “Senhor dos Anéis” e “Duna” estavam entre seus favoritos na infância.

Tull mesclava esporte e hábitos de leitura, e ganhou uma bolsa de estudos por causa do esporte na pequena Hamilton College, em Nova York. Foi lá que ele leu “O Cavaleiro das Trevas” e “The Watchmen”, de Frank Miller – o segundo deles a Legendary coproduziu no futuro. Tull continuou a ser empreendedor, vendendo camisetas.

Tull pensou em cursar direito, mas foi dissuadido por dívidas potenciais. Então, aos 23 anos, ele lançou uma cadeia de lavanderias locais, chamada de Smart Watch. O diferencial era um sistema computadorizado que permitia que ele flexibilizasse o preço das lavagens para atrair consumidores durante períodos difíceis e maximizasse a receita em períodos bons.

“Eu sempre soube que eu tinha que trabalhar para mim mesmo ou, pelo menos, ter meu próprio negócio”, diz Tull.

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Em 1995, ele foi de lavanderias para serviços de preparação de impostos, lançando 500 franquias da Jackson Hewitt. Então veio tecnologia à frente da original bolha ponto-com, caçando acordos da empresa de investimento Southeast Interactive.

Em 2001 ele foi para mídia, juntando-se a uma pequena empresa de investimento de Atlanta, a Convex Group, e traçando seu caminho para tornar-se presidente. Logo, começou a pensar em Hollywood. “Era o maior negócio que eu conhecia como uma classe ou categoria de ativos que não tinha capital profissional”, relembra Tull. “Então eu li que era o segundo maior produto de exportação dos Estados Unidos.”

Tull contratou uma empresa de dados para reunir anos de informações de performances de filmes. Depois de olhar para os resultados, ele descobriu que com bastante capital não seria difícil criar uma cinemateca – e um negócio escalável.

A Relativity Media estava simultaneamente perseguindo o ponto certo dirigido aleatoriamente de estereótipos de filmes de US$ 30 milhões, protagonizados por uma estrela reconhecida e com distribuição estrangeira garantida.

Tull foi na outra direção. O geek da ficção científica, cujo escritório na Legendary hospeda uma livraria de gibis, deduziu que os grandes filmes de mais de US$ 100 milhões, fixados a uma franquia conhecida, eram os menos arriscados. Tull também examinou números de crescimento internacionais e viu uma tendência de crescimento notável. Combinado a margens atrativas no negócio de DVD na época, o financiamento de blockbusters começou a fazer sentido financeiramente.

Tull conseguiu uma reunião na Warner Bros., que ofereceu a infraestrutura para distribuir e divulgar filmes globalmente, coisa que um novato como Tull não poderia fazer. Um negócio emergiu: a Legendary iria cofinanciar e coproduzir 25 filmes que selecionaria da Warner Bros., respondendo por aproximadamente 50% do orçamento de cada filme. Isso fornecia capital à Warner Bros. e neutralizaria o risco de filmes caros que poderiam afetar lucros trimestrais. A Legendary também pagaria uma taxa de distribuição à Warner Bros. de aproximadamente 10%. Em troca, a Warner Bros. e a Legendary dividiriam os lucros proporcionalmente.

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Uma boa cobertura para a Warner Bros. forneceu uma ótima oportunidade para um novato de Hollywood. Tudo o que faltava era o dinheiro. “A experiência mais difícil da minha carreira, da minha vida, foi levantar o capital inicial”, diz Tull sobre o ano que ele passou tentando angariar os US$ 500 milhões que tinha prometido. Histórias de horror de malucos contadores e investidores de Hollywood que perderam dinheiro em filmes o antecederam. “As reuniões duravam cerca de 15 minutos em média, nos quais eles diziam: ‘Sem chance. Você pode pegar uma bebida no seu caminho para fora.’”

Após o que Tull chama de um “apaixonado” apelo final a um pequeno grupo de investidores e um comprometimento de investir seu próprio dinheiro, combinados a uma linha de crédito do JPMorgan, a Legendary conseguiu no final de 2004 dinheiro de ABRY Partners, Bank of America, M/C Partners e Columbia Capital.

Eles estavam assumindo um risco. Quando blockbusters funcionam, eles arrecadam mais de US$ 1 bilhão, geram sequências e conseguem mais milhões em propagandas e ingressos de parques temáticos. Quando não funcionam, é um bomba cara que pode arruinar uma folha de balanço. A Legendary rapidamente entrou em uma faixa de sucesso, com “Batman Begins“ e “300: A Ascensão do Império”. Eventualmente, estava colocando 50% do orçamento para 50% de lucros em filmes como “Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge”, que arrecadou US$ 1,1 bilhão com um orçamento de US$ 250 milhões, e depois em participações como “Godzilla”, que arrecadou US$ 529 milhões com orçamento de US$ 160 milhões. Os resultados globais foram sempre o maior objetivo. A ação incessante e o diálogo raro na maioria dos blockbusters da Legendary ajudaram a empresa a ter boa performance no exterior, particularmente na China, onde menos palavras significam menos razões para chatear os censores.

Parte do segredo de Tull era analítico. Porém, enquanto Ryan Kavanaugh e sua Relativity Media, a outra Moneyball apoiada por dinheiro de Wall Street, clamavam que seus computadores podiam prever fracasso ou sucesso baseados em roteiros, gêneros, estrelas e datas de lançamento, Tull alavancou seus dados para afetar coisas dentro de seu controle. Especificamente, determinar como ele poderia diminuir custos e impulsionar audiências em blockbusters, onde o orçamento para marketing frequentemente alcança custos de produção.

Legendary diz que mesmo antes de um filme ser aprovado, perfis de consumidor são compilados para encontrar audiências com pelo menos 40% de chance de assistir ao filme e faz propaganda apenas para eles usando anúncios digitais mais barato.

Ao usar mídias sociais para aprimorar seu alvo, Tull diz que pode cortar de 15% a 20% de seus custos de marketing, que frequentemente ultrapassa os oito dígitos por filme.

Em 2013, a Legendary passou a produzir e deter completamente seus próprios filmes, caindo nas graças do peso pesado do capital de risco e investidor do Facebook Jim Breyer, que atuou no conselho da Marvel e investiu mais de US$ 100 milhões na Legendary através de veículos separados, incluindo fundos pessoais. Breyer diz: “Thomas tinha uma incrível visão a longo prazo dos negócios e uma paixão por como a ciência da análise e a tecnologia podem ajudar a alavancar o que tem sido um negócio cronicamente caro.”

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Porém, ter propriedades o forçou a sair de seus blockbusters de gibis – e os resultados apareceram. Os cinco filmes solo da Legendary incluem três fracassos. Após um lançamento mediano com o biográfico “42 – A História de uma Lenda”, o fantástico “O Sétimo Filho” arrecadou US$ 114,1 milhões com um orçamento de US$ 95 milhões. “Blackhat”, um suspense criminal de 2015, arrecadou US$ 20 milhões com orçamento de US$ 70 milhões, enquanto “A Colina Escarlate”, dirigido por Guillermo del Toro, arrecadou US$ 74,7 milhões com orçamento de US$ 55 milhões. Seu maior hit independente foi seu segundo lançamento, “Assim na Terra Como no Inferno”, um filme de terror que arrecadou US$ 41,9 milhões com orçamento de US$ 5 milhões. Considerando que os cinemas ficam com aproximadamente 50% da receita de bilheteria, a performance da Legendary não foi muito boa. “É muito difícil construir uma coisa nova”, diz Tull.

A Relativity Media descobriu isso de um jeito difícil, pois as configurações de dados de Kavanaugh não conseguiram prever fracassos após um fracasso auto-financiado – ou uma viagem à falência corporativa que tem sido a novela mais comentada em Hollywood nos últimos oito meses. Os maiores sucessos cofinanciados de Tull (“Jurassic World” sozinho rendeu à Legendary US$ 200 milhões) e uma lista de fracassos menores o permitiram evitar este fim. Além disso, sua competência nerd – e seu foco na China – contrastam com o barulho de Kavanaugh. Isso ajuda a explicar a diferença de US$ 3,5 bilhões. Chamando Tull de “o sócio perfeito”, Wang diz: “Juntos nós podemos abrir portas para novos talentos, histórias e audiências para entrar juntos neste novo mundo.”

Tull teve um vislumbre do futuro no último mês de junho quando visitou Qingdao, uma cidade entre Xangai e Pequim. Lá, Wang está construindo o maior estúdio de filmes do mundo, uma propriedade de US$ 8,2 bilhões que se espalha por 175 hectares e está previsto para inaugurar em 2018.

Estes enormes investimentos têm a benção do governo chinês. O ex-líder da China Hu Jintao discutiu publicamente usar a cultura “como parte do poder de nosso país”. Hu especificamente quer dizer cultura “não como intercâmbio ou consciência cultural, mas como negócio”, diz Dominic Ng, presidente e CEO do East West Bank. “O governo chinês acha que isso pode retratar uma imagem melhor, eles precisam do negócio do entretenimento – e do negócio cultural – para ficarem mais fortes.” De acordo com o “New York Times”, Wanda tem laços próximos a líderes sênior do Partido Comunista, mas Wang nega estas conexões.

As propriedades de Wang também incluem a Wanda Cinema Line, uma das maiores cadeias de cinema da China, e o Hoyts, um grupo de cinema australiano. “Wanda está tentando criar uma empresa global de filmes integrada verticalmente”, diz Gordo Crawford, investidor aposentado que injetou dinheiro na Legendary em 2012. “Para fazer isso, [Wang] precisa da capacidade de fazer blockbusters que rodem no mundo todo.”

A primeira coprodução da Wanda e da Legendary irá testar isso. Mesmo com o estúdio sendo finalizado em Quingdao, já estão ocorrendo filmagens para o “The Great Wall”. Filmado inteiramente na China, o filme de fantasia e aventura é conduzido pelo diretor chinês Zhang Yimou e conta com Matt Damon e Andy Lau no elenco. A história, sobre um exército fazendo um último esforço pela humanidade contra alienígenas na Muralha da China, veio como uma cortesia de Tull, que criou um esboço há seis anos, antes de trazer o escritor de “Guerra Mundial Z” Max Brooks para aprimorar a narrativa.

“Quando era criança lembro de ler que a única coisa feita pelo homem que pode ser vista do espaço era a Muralha da China”, relembra Tull. “Eu lembro de pensar o que teria feito essas pessoas construírem algo tão audacioso. Então, claro, porque eu tenho uma sensibilidade geek, eu pensei: ‘eles construíram isso para se proteger do quê?’.”

Apesar de a Legendary estar coproduzindo o filme com o China Film Group e com a chinesa Le Vision Pictures e dividindo financiamento com outros, é uma aposta cara para uma híbrida não comprovada. A FORBES estima que o filme terá de arrecadar pelo menos US$ 350 milhões mundialmente para não dar prejuízo. “Monster Hunt” tornou-se o filme que mais arrecadou na China de todos os tempos no ano passado com US$ 391 milhões.

Este é apenas o começo. Tull planeja desenvolver seus próprios filmes e licenciar propriedades de ainda mais alto perfil, incluindo “Warcraft”, licenciado do videogame da Activision Blizzard; “Hot Wheels”, licenciado da empresa de brinquedos Mattel; “Mass Effect”, licenciado do jogo da BioWare; além de outros três filmes. Junto a pequenos negócios de TV e realidade virtual, a Legendary lançou sua própria editora de gibis para ser fonte para filmes.

Com a Disney inaugurando um parque temático de US$ 5,5 bilhões em Xangai, em junho, e com a Universal Studios alguns anos atrás, em Pequim, Wang diz ter aspirações para parques temáticos para suas novas propriedades.

Tomados em conjunto, há potencial para escopo de grande estúdio, embora a unidade em Qingdao seja tão importante quanto o escritório da Legendary, em Burbank. Para constar: Tull está cursando aulas de mandarim.