Israel tem a melhor (e mais misteriosa) máquina de startups do mundo

1 de janeiro de 2017

Avishai Abrahami, cofundador da Wix e
um dos egressos da “sala mágica” da 8200 (Getty Images)

No início dos anos 1990, Avishai Abrahami se viu alistando-se nas Forças de Defesa de Israel (FDI). Mas Abrahami foi designado para uma divisão sobre a qual ele não podia falar, nem mesmo a seus pais — uma equipe de segurança cibernética e inteligência conhecida como Unit 8200. Ele recebeu uma missão: invadir os computadores de um país que permanecia hostil a Israel. A tarefa tinha vários obstáculos: descobrir como entrar nesses computadores, quebrar a criptografia, e acessar a “enorme quantidade” de potência computacional necessária para decifrar os dados.

Abrahami invadiu os computadores de dois outros países hostis e obteve o poder de processamento deles para extrair os dados detidos pelo primeiro alvo. Uma obra magistral de espionagem — e precursora primitiva da computação na nuvem. Após sair da Unit 8200, Abrahami, hoje com 45 anos, foi cofundador da Wix, uma das principais plataformas de desenvolvimento de websites baseados na nuvem em nível mundial.

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“Só da minha geração, há mais de cem caras que eu conhecia que criaram startups e as venderam por bastante dinheiro”, diz Abrahami. “Tinha uma equipe de dez pessoas numa sala. Eu a chamo de ‘sala mágica’, porque todos criaram empresas cuja capitalização de mercado média é de meio bilhão de dólares.” Abrahami fez sua parte: a capitalização da Wix está em um bilhão de dólares. Ron Reiter, 31 anos, e também egresso da 8200, cuja startup foi comprada pela Oracle por 50 milhões de dólares, conta uma história semelhante: “Teve uma pessoa que vendeu sua startup por algo como 300 milhões de dólares para a Apple, e outra cuja empresa foi vendida à Cisco por 500 milhões de dólares. Ambos eram meus colegas de quarto na Unidade 8200”.

Israel tem mais empresas listadas na Nasdaq do que qualquer outro país, exceto EUA e China. Ostenta mais capital de risco, mais startups e mais cientistas e profissionais de tecnologia per capita. Para compreender esses números, é necessário entender a misteriosa Unit 8200.

Pelos cálculos de FORBES, mais de mil empresas foram fundadas por egressos da 8200, como a Waze. As gigantes da tecnologia adoram devorar firmas da 8200. Só nos últimos três meses, a Microsoft comprou a empresa de privacidade de dados Adallom por 320 milhões de dólares, o Facebook adquiriu a Onavo, empresa de análises na área de mobilidade, por 150 milhões de dólares, e o PayPal arrematou a CyActive, que prevê invasões de hackers, por 60 milhões de dólares. O que vai no molho especial da 8200? Depois de falarmos com duas dúzias de veteranos, identificamos cinco ingredientes.

A seleção

A história da 8200 nunca foi revelada. Nosso melhor palpite: a Unit 8200 antecede a guerra de independência de Israel, ocorrida em 1948. A partir do período do Mandato Britânico, na década de 1930, o órgão então conhecido como Shin Mem 2 (sigla de “serviço de notícias”, em hebraico) grampeava linhas telefônicas de tribos árabes para descobrir planos de tumultos. O ponto de inflexão veio com o de Israel, em 1973, após a Guerra do Yom Kippur, quando o país foi pego desprevenido por invasões do Egito e da Síria, na maior falha de inteligência de sua história. Segundo Yossi Melman, veterano jornalista da área de inteligência e segurança nacional, um oficial de inteligência da Unit 848 foi feito prisioneiro pelos sírios e deu informações importantes aos captores.

Aquele momento exigiu uma reinicialização. A unidade passaria a ser conhecida por outro número aleatório, 8200. E seria totalmente dividida em departamentos, de modo que as diversas equipes da unidade não soubessem o que as outras estavam fazendo. Israel sentia que não podia mais correr o risco de depender de estranhos para ter acesso a novas tecnologias. Assim, a 8200 se transformou no polo interno de pesquisa e desenvolvimento do país.

Yair Cohen atuou por 33 anos na unidade — os últimos cinco (de 2001 a 2005) como comandante. Quando Yasser Arafat disse não estar envolvido no sequestro do navio de cruzeiros Achille Lauro, em 1985, que resultou no assassinato de um norte-americano, a 8200 apresentou o telefonema interceptado que provava o contrário.

Todo israelense passa por um processo de seleção quando está perto de se formar no ensino médio, e a 8200 tem o direito de escolher quem ela quiser. Em alguns casos, ela começa a acompanhar os recrutas quando mais jovens, através de um programa extracurricular para hackers e prodígios tecnológicos chamado Magshimim. “Harvard tem um ótimo processo de seleção, mas depende de quem se candidata”, diz Inbal Arieli, de 40 anos, que atuou na 8200 no fim dos anos 1990 e, aos 22 anos, chefiava o corpo docente da escola de treinamento de oficiais da unidade.

Até o recrutamento é sigiloso. As entrevistas de admissão não são realizadas por oficiais de alta patente, mas por soldados de 20 e poucos anos da 8200, os quais buscam pessoas suficientemente capacitadas para assumir as funções deles. O que eles procuram? Capacidade de aprender rapidamente, adaptar-se a mudanças, trabalhar bem em equipe e enfrentar o que outras pessoas julgam impossível. Dor Skuler admite que era “um péssimo aluno no ensino médio, muito ruim mesmo”, mas as pessoas da 8200 viram nele uma genialidade inexplorada e, ao enfocar o que ele podia ser, em vez de o que era, descobriram um notável oficial de inteligência. Ele acabou por fundar três startups.

A cultura

O ex-comandante da 8200 Yair Cohen se lembra de uma tarefa que lhe foi atribuída no começo dos anos 1980. “Você precisa de 300 milhões de dólares, mas só tem 3 milhões”, disse o comandante dele. “Tem apenas três pessoas. E precisa tentar analisar o que acontecerá, antes que seu inimigo comece a usar esse negócio.” Quando saiu da Unit 8200, Cohen criou a divisão cibernética da Elbit Systems, uma das maiores empresas de capital aberto de Israel na área de eletrônica de defesa.

Skuler, o péssimo aluno do ensino médio, acabou por se tornar responsável por uma equipe voltada para a coleta e análise do tráfego de sinais dos inimigos de Israel, para gerar inteligência a partir desses dados brutos. “Ninguém lhe diz exatamente o que fazer”, diz Skuler, hoje com 39 anos. “Eles dizem: ‘Este é o problema. Vá solucionar’. Com um prazo maluco! Então você inventa, empreende, e só entende o que está fazendo depois.”
Na 8200, se os soldados acham que as decisões de seus superiores estão erradas, eles podem ignorar as patentes e procurar o comandante da unidade toda. Skuler uma vez se viu sozinho “no campo”, falando ao telefone com “os principais tomadores de decisões do país”, porque eles queriam saber a visão pessoal dele sobre algo que ele tinha descoberto. “Isso foi quando eu tinha 19 anos.”

Kira Radinsky, um dos talentos formados na Unit 8200, de Israel (Reprodução/FORBES)

A motivação

Depois que Kira Radinsky fez seu treinamento militar inicial na 8200, ela passou para um grupo ainda mais sigiloso dentro da operação, a Unit 81, cujo foco é fornecer novas tecnologias (tipicamente produtos integrados de hardware e software) a soldados de combate. “A unidade é como uma fábrica de brinquedos de inteligência”, diz Melman, o jornalista coautor de Spies Against Armageddon: Inside Israel’s Secret Wars.

Radinsky se lembra de trabalhar com colegas “absurdamente incríveis — gente que começou a estudar em universidades aos 15 anos”. “Porém, na universidade, os alunos são responsáveis só por si mesmos. Em Israel, vidas dependem de soluções da 8200 e da 81. E essa é a motivação.” Radinsky, de 29 anos, que ficou na Unit 81 de 2004 a 2007, recorda turnos de 24 a 28 horas em “operações especiais” — quando ela e seus companheiros se revezavam para dormir no escritório — ou ao fazer seu trabalho técnico “no campo”. Depois de servir, ela levou para o setor privado sua experiência em situações de vida ou morte. Na Microsoft, desenvolveu algoritmos que permitiram prever o primeiro surto de cólera em 130 anos (em Cuba). Agora, ela cofundou uma empresa, a SalesPredict, que fornece análise preditiva de retenção de vendas — e que conta com egressos da 8200.

A Rotatividade

Nadav Zafrir, 46 anos, CEO e cofundador da Team8, administra uma usina privada que cria startups do zero para solucionar problemas em segurança cibernética. Ele foi comandante da 8200 por cinco anos, tendo saído em 2013, após fundar o “Comando Cibernético” das FDI, um grupo de elite formado por nerds que supervisionam a guerra on line das forças armadas.

Ele é uma fortaleza quando se trata de discutir algo que fez na 8200. Mas há uma coisa que ele divulga: a rotatividade na unidade. Com um tempo de serviço médio de quatro anos, essa operação técnica avançadíssima tem uma rotatividade anual de 25% — um ativo excelente, segundo Zafrir, no veloz mundo da tecnologia. A alta rotatividade obriga as equipes a exercer disciplina nos projetos de produtos e sistemas. Como muitos dos desenvolvedores não estarão por lá para ver suas invenções entrarem em operação, elas têm de ser construídas de maneira que permitam que os novatos trabalhem com elas. E a rotatividade é uma via de duas mãos. Assim como todos os outros veteranos das FDI, os egressos da 8200 devem atuar como reservas por até três semanas por ano. Assim, os veteranos da 8200 dão uma espiada nas últimas tecnologias desenvolvidas por seus jovens sucessores. É a segurança cibernética de Israel como o suprassumo da educação continuada.

A rede

O pai de Elad Benjamin, Menashe, passou um quarto de século na Unit 8200, onde comandou uma subdivisão, e depois abriu uma desenvolvedora de software de imagiologia médica. “Se não tivesse levado o que levou da 8200, acho que teria tido dificuldade para abrir sua empresa”, diz Elad, 41 anos, que sente o mesmo com relação à sua própria startup, também do ramo médico. Mas a coisa é bem mais profunda. Quando a empresa de Menashe foi vendida à Kodak, ela tinha 55 funcionários — um terço dos quais era egresso da 8200. Da mesma forma, cerca da metade dos atuais funcionários de Elad é da 8200.

Não se pode subestimar a importância da rede de egressos da unidade em termos de abastecimento da Nação das Startups. “A maneira de fazer isso é falar com um de seus colegas da 8200 que está prestes a sair e tem todas as datas de saída das outras pessoas da unidade. Aí, nós as pegamos uma por uma”, diz Benjamin. “Nós telefonamos para a pessoa e dizemos: ‘Seu ex-líder de equipe está aqui conosco agora. Por que você não vem dar uma olhada?’.”

Esse modo de recrutar elimina várias etapas. “Você sabe que está obtendo uma combinação de alto nível de confiança e alto nível de habilidade com elas”, diz. “São pessoas de 24 anos de idade que acabaram de passar os últimos cinco ou seis anos lidando com situações, produtos e sistemas ativos, críticos, do mundo real. O que eles fizeram é real. Não é teórico.”