O capitalismo não é ruim, está apenas quebrado

22 de fevereiro de 2019
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Com todas as suas falhas e problemas, o capitalismo gerou o maior acúmulo de riqueza na história da humanidade.

O colapso da União Soviética acabou com o argumento do socialismo versus capitalismo. Mercados semi-livres se espalham pela Europa Oriental. As economias coletivistas em toda parte começaram a se libertar. O capitalismo aparentemente ganhou. Até mesmo a China comunista adotou uma forma de capitalismo de livre mercado. Embora, como dizem, tenha “características chinesas”.

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Com todas as suas falhas e problemas, o capitalismo gerou o maior acúmulo de riqueza na história da humanidade. Libertou milhões de pessoas da pobreza extrema.

Há algumas centenas de anos, a maioria das pessoas estava abaixo da linha da pobreza. Hoje, a taxa de pobreza global está em um nível recorde de 10% – e esse índice diminui a cada ano.

No entanto, agora, algumas pessoas de esquerda estão novamente adotando ideias socialistas e impostos irracionalmente altos. O que está por trás desse pensamento?

Capitalismo quebrado

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A competição incentiva os produtores a se tornarem mais eficientes e a reduzir os preços para os consumidores. Sem ela, você acaba com monopólios saturados.

Na prática, o capitalismo, de fato, tem falhas que justificam a crítica. É, parafraseando Winston Churchill, o pior de todos os sistemas, com exceção de todo o resto.

Um problema é que o capitalismo de hoje se contraiu em uma extensão que é difícil de ignorar. A concorrência está encolhendo a olhos vistos nos principais mercados. E isso é um problema grave.

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A competição incentiva os produtores a se tornarem mais eficientes e a reduzir os preços para os consumidores. Sem ela, você acaba com monopólios saturados. Eles podem ser altamente lucrativos para os proprietários, mas não servem à população.

Meu amigo Jonathan Tepper escreveu um excelente livro sobre isso: “The Myth of Capitalism: Monopolies and the Death of Competition” (“O Mito do Capitalismo: Monopólios e a Morte da Competição, em tradução livre, sem versão para o português). Ele e a coautora Denise Hearn explicam por que este é um problema com sérias consequências para o mundo.

Usarei alguns trechos do livro para essa discussão.

Sem liberdade de escolha

Indústria após indústria, os norte-americanos podem apenas adquirir de monopólios locais ou de oligopólios que colidam tacitamente.

Como eu, Tepper respeita o capitalismo e os capitalistas. Ele não é de esquerda. E é justamente por respeitar o capitalismo que ele quer ver a melhor versão do sistema. O livro se refere à velha série de TV de Milton Friedman, “Free to Choose” (“Livre para Escolher”, em tradução livre), e diz o seguinte:

“A ideia de que somos livres para escolher é ótima, no entanto, não é bem assim nos Estados Unidos.

Indústria após indústria, os norte-americanos podem apenas adquirir de monopólios locais ou de oligopólios que colidam tacitamente. Os EUA agora têm muitas indústrias com apenas três ou quatro concorrentes no controle de mercados inteiros. Desde o início dos anos 1980, essa concentração aumentou severamente.

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Veja outros exemplos:

– Duas corporações controlam 90% das cervejas consumidas na América;

– Cinco bancos controlam metade dos ativos bancários do país;

– Muitos estados têm mercados de seguros de saúde nos quais as duas principais seguradoras detêm uma participação entre 80% e 90%. No Alabama, por exemplo, a Blue Cross Blue Shield é responsável por uma fatia de 84%, enquanto no Havaí detém 65% de participação no setor;

– Quando se trata de acesso à internet de alta velocidade, quase todos os mercados são monopólios locais. Com apenas um fornecedor do serviço, mais de 75% dos grupos familiares não têm escolha;

– Quatro companhias dividem entre si e controlam todo o mercado de carne bovina dos EUA;

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– Após duas fusões neste ano, três empresas terão o controle de 70% do mercado mundial de pesticidas e 80% do setor de sementes de milho dos EUA.

A lista de indústrias com empresas dominantes é interminável. O cenário é ainda pior quando você olha para o mundo da tecnologia. As leis estão desatualizadas para lidar com as dinâmicas extremas de que o vencedor leva tudo. O Google domina completamente as buscas na internet com quase 90% de participação de mercado. O Facebook tem quase 80% das redes sociais. Ambos têm um duopólio na publicidade, sem competição ou regulamentação confiável.

A Amazon está esmagando os varejistas e enfrenta conflitos de interesse como vendedor dominante de comércio eletrônico e a principal plataforma online para vendedores terceirizados. Ela determina quais produtos podem ou não ser vendidos em sua plataforma e compete com qualquer cliente que encontre o sucesso.

O iPhone, da Apple, e o Android, do Google, controlam completamente o mercado de aplicativos móveis em um duopólio, além de determinarem quais tipos de negócios podem chegar aos seus consumidores e quais serão os termos. As leis existentes sequer foram redigidas com a ideia de plataformas digitais em mente.

Até agora, essas plataformas parecem ser ditadoras benignas, mas ainda assim são ditadoras.”

Crescimento de pequenas unidades

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Pequenas empresas, como restaurantes e lavanderias, criam a maioria dos empregos, mas também os destroem na mesma proporção.

Agora, para ser claro, algumas indústrias precisam de larga escala. Assim, eles só podem suportar um pequeno número de produtores.

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Aeronaves comerciais, por exemplo. Há, atualmente, a Boeing, a Airbus e um punhado de players menos expressivos que fabricam aviões menores.

A maioria das indústrias não funciona assim. O setor bancário certamente não. Muitos estudos mostram que a eficiência de um banco para de crescer quando ele ultrapassa US$ 50 bilhões em ativos. No entanto, as grandes instituições financeiras cresceram sem se tornar mais eficientes. Elas fizeram isso ao dizimar bancos regionais que antes financiavam empresas locais em condições favoráveis.

Isso é um problema, uma vez que precisamos dessas pequenas empresas locais. Veja o que Tepper diz:

“Desde a época de Thomas Jefferson, os norte-americanos idealizaram o produtor e os pequenos negócios. Embora as lojas de vizinhança familiar sejam uma parte crítica da economia, é importante distinguir entre pequenas empresas e startups de alto crescimento que Haltiwanger descreve.

Pequenas empresas, como restaurantes e lavanderias, criam a maioria dos empregos, mas também os destroem na mesma proporção. Elas fundam a maioria dos novos negócios, mas também têm a maior taxa de falhas – são importantes, mas não impulsionam a produtividade.

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São as pequenas empresas que se tornam grandes, como o próximo Costco, a Southwest Airlines ou a Celgene. Tudo isso começou pequeno.

Geoffrey West, em seu livro magistral “Scale” (“Escala”, em tradução livre, sem versão em português), mostrou que as empresas são como organismos vivos. Assim como no mundo animal, muitas startups morrem quando são muito jovens, mas aquelas que sobrevivem e crescem rapidamente tendem a ascender exponencialmente, o que leva a uma maior lucratividade e produtividade.”

Note que este não é um argumento contra grandes empresas. Elas têm um papel importante. Mas a verdadeira inovação e crescimento começa em um nível muito mais baixo da cadeia alimentar. Então, é um problema quando as pequenas empresas perdem a chance de prosperar e se provar.

Eu vou pescar no Maine todo verão com um grupo de economistas. O local tem regras complexas quanto a seus lagos. Diz, inclusive, quais peixes podem ser levados e quais devem ser devolvidos. Contamos com guias profissionais para entender as diferenças, mas a ideia geral é dar aos peixes mais jovens de espécies subpovoadas uma chance de crescer. Isso preserva os lagos como um recurso para todos.

Podemos olhar para as pequenas empresas da mesma maneira. A maioria não se tornará grande, mas serve para proteger as oportunidades de todos. Mas, como Tepper aponta, isso não está acontecendo e já estamos pagando um preço cada vez mais alto.