Descubra a história do presidente da Cisco do Brasil

20 de abril de 2019
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Laércio Albuquerque, presidente da Cisco do Brasil

“What a beautiful fantasy, daughter”, disse Laércio Albuquerque, presidente da Cisco do Brasil, para a filha de 7 anos, toda produzida para uma festa à fantasia na escola bilíngue onde estuda. “Excuse me, daddy?”, ela respondeu.
“Your fantasy…”
“My costume, dad!”, corrigiu a pequena.

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Com genuína humildade, Laércio conta essa história durante nossa conversa em um curioso ambiente da multinacional de tecnologia na zona sul paulistana, com vista para a já icônica Ponte Estaiada sobre o Rio Pinheiros. O ambiente, no 26º andar, inclui um pequeno auditório equipado com câmeras e grandes monitores ao lado de salas cilíndricas com paredes de acrílico – comento que elas me lembram a sala de teletransporte de “Jornada nas Estrelas”.

De certa forma, diz ele, é isso mesmo que elas são: ali dentro, colaboradores dos 180 países onde a Cisco atua se conectam como se estivessem presentes. “Quando assumi o cargo, em 2016, convoquei uma reunião com as 13 pessoas do board. Entrei naquela sala (aponta um dos grandes cilindros transparentes) e só tinha três pessoas. Pensei: caramba, meu primeiro dia na empresa e só três aparecem? O que isso significa? De repente, pop, pop, pop… todo mundo entrou – virtualmente – na sala. Descobri naquele dia que essa é a cultura da Cisco: o normal é a interação digital. Se você fizer questão de um contato presencial, olho no olho, apertar a mão e tal, precisa deixar isso claro”, conta. “Aqui home office é coisa do passado. Praticamos o anywhere office. Na verdade, fui contratado e comecei a trabalhar na Cisco sem ter falado com ninguém da empresa pessoalmente.”

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Sala de reuniões: presença física e digital

Ele conta as duas histórias – a da fantasia e a da “reunião vazia” – com visível orgulho de ser quem é e de estar onde está. Para entender melhor o motivo desse orgulho, passemos de “Jornada nas Estrelas” para outra série famosa dos anos 70.

TÚNEL DO TEMPO

Filho de Anísio e Deonilde, agricultores “que só sabiam ler e escrever”, Laércio Albuquerque nasceu há 48 anos pelas mãos de uma parteira em uma casinha de madeira na cidade de Batayporã, no Mato Grosso do Sul. É o terceiro de quatro irmãos. Quando tinha 3 anos, a família veio tentar a sorte no bairro da Mooca, em São Paulo. “Meu pai não sabia fazer nada na cidade grande, então alugou um lugarzinho onde vendia pão e leite de manhã e cachaça à noite.” Os irmãos dormiam todos no mesmo quarto. Laércio e o caçula catavam papelão nas ruas para ganhar uns trocados. Mas a ajuda não foi suficiente, e a família foi despejada.

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A casa em Batayporã onde “tudo começou”

“Meu pai então deu um jeito de comprar um terreninho num lugar bem carente da periferia, na Vila Joaniza. Ele construiu o bar embaixo e a casa em cima. A gente colocava o aventalzinho antes de ir para a escola e ajudava no balcão. Fomos assaltados um milhão de vezes e cansamos de pedir para ele fechar”, lembra o executivo.

Mas a vida seguiu.

“Filho, não estou entendendo nada do que você está falando. Mas seus olhos estão brilhando, então acho que é isso que você deve fazer” - Anísio Albuquerque, pai do presidente da Cisco do Brasil

Dos 12 aos 14 anos, foi pegador de bolinhas de tênis no Clube Banespa. Conseguiu um emprego registrado como office boy no banco BCN até decidir “retroceder” na carreira. “Resolvi que queria ser estagiário numa empresa de computação. Fui conversar com meu pai, falei que esse era meu sonho, que tecnologia era o negócio do futuro… Ele respondeu: ‘Filho, não estou entendendo nada do que você está falando. Mas seus olhos estão brilhando, então acho que é isso que você deve fazer. Saiba que não vamos te deixar faltar comida nem roupa lavada’.”

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Assim começava sua ascendente trajetória no mundo da tecnologia – que teria passagens pela Duratex, Pirelli, CA Technologies… Foi técnico, vendedor, gerente comercial, diretor, presidente. Formou-se em análise de sistemas, fez MBA no Insper e, nas horas vagas, tentava tirar o atraso no inglês (com mediano sucesso, como se viu no início deste texto).

Um dia, seu Anísio foi assaltado novamente. Levou um tiro, teve o intestino perfurado, quase morreu. E decidiu, por fim, fechar as portas. Laércio e o irmão que o ajudava a catar papelão fizeram uma surpresa: compraram o mesmo pedaço de terra onde os pais trabalhavam em Batayporã. “Meu pai arrematou umas cabeças de gado e se divertia com isso. Um dia, liguei lá para saber notícias. Ele disse que não podia falar comigo porque um tatu tinha entrado no poço e a vaca não podia beber água! Aquilo valeu meu dia”, lembra, rindo.

Em abril de 2016, depois de 20 anos na CA Technologies, onde chegou a presidente Brasil e América Latina, Laércio recebeu o convite da “vizinha de prédio” Cisco. Após uma bateria de entrevistas virtuais, assumiu o cargo – a coroação de sua trajetória como um apaixonado por tecnologia.

A IMPORTÂNCIA DO BRASIL

Globalmente, a Cisco tem mais de 70 mil funcionários e fatura US$ 50 bilhões. No Brasil, são 600 funcionários, uma planta em Sorocaba (SP) que já fabrica metade do que a empresa vende no Brasil e faturamento não revelado, mas que tem crescido “acima de 20%” na gestão de Laércio.

“Mesmo no meio das turbulências econômicas e políticas, a empresa não deixou de acreditar e de investir no Brasil. Só nos últimos cinco anos, incluindo a Olimpíada e nosso Centro de Inovação, um dos 11 no mundo, foi mais de US$ 1 bilhão”, diz o presidente. Ele lembra que na Rio 2016 todo o sistema de conectividade, data center e cibersegurança foram feitos pela Cisco – e tudo funcionou sem incidentes, apesar dos 300 milhões de ciberataques detectados (e evitados) nos 17 dias de competições.

Outro indicador da relevância do Brasil para a gigante veio no ano passado: o país venceu a competição interna chamada Country Award of the Year. “Vencemos em todas as métricas: de crescimento, de serviços, de rentabilidade…”, comemora.

FILHO DA OPORTUNIDADE

Laércio relata as principais vocações e expertises da Cisco, mas uma em especial é a que reacende nele aquele brilho no olhar que seu Anísio percebeu tantos anos atrás: a inclusão digital. “Acreditamos que, pela tecnologia, podemos levar a educação até as pessoas, onde quer que elas estejam. Eu mesmo sou um exemplo disso. Nasci em um lugarejo e hoje estou presidente da empresa que tem a maior plataforma de conectividade do mundo. Não é porque sou melhor que os outros, é porque eu tive oportunidade, sou filho da oportunidade. Existem talentos espalhados pelo país inteiro, e se eles tiverem a chance de serem descobertos, podemos transformar o Brasil.”

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Na prática, a Cisco está espalhando suas “academias de educação digital” em escolas públicas, um programa extracurricular e gratuito que ensina os fundamentos e as novidades ligados a tecnologia, empreendedorismo… “Conseguimos colocar centenas de milhares de pessoas no caminho da tecnologia, preparando-as para empregos mais qualificados. Muitas delas nunca tinham visto um computador na vida”, conta. A meta global da companhia é impactar 10 milhões de alunos nos próximos cinco anos.

“Os grandes bancos, telecons, varejistas, hospitais etc. são nossos clientes. Cerca de 80% dos dados que trafegam pelo mundo de alguma forma passam pelas soluções Cisco”, relata o executivo. “Mas esse gigantismo não adianta nada se não estivermos próximos de nossos parceiros e da sociedade para, com humildade, ajudar nessa virada digital do mundo. Além disso, essa preocupação social, essa aproximação com a população tem fortalecido muito nossa marca. Queremos ser reconhecidos cada vez mais como uma empresa capaz de tocar a sociedade”, afirma.

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Seu Anísio levando sal para o gado

Com sua letra claudicante pela mão calejada, seu Anísio, que morreu no ano passado, certamente assinaria embaixo.

Reportagem publicada na edição 64, lançada em janeiro de 2019

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