Novo programa de empréstimos da Uber pode levar motoristas quase à escravidão

6 de dezembro de 2019

Empréstimos de curto prazo tendem a obrigar os motoristas a trabalharem mais para pagar suas dívidas

A Uber está desenvolvendo um programa de empréstimos para seus motoristas que pode criar um ciclo de dívidas capaz de prendê-los à companhia e, consequentemente, facilitar a exploração.

De acordo com uma reportagem publicada ontem (5) pelo jornal britânico “The Guardian”, vários motoristas dos Estados Unidos receberam, no início de setembro, uma notificação informando que a empresa estava trabalhando em um “novo e atraente produto financeiro” para ajudá-los em “momentos de necessidade”.

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Ao que tudo indica, a inciativa parece estar relacionada a um programa de crédito de curto prazo de US$ 500 ou mais que os condutores pagariam por dia prestando serviço para a empresa. Versões foram lançadas na Índia, Brasil e Peru, mas a empresa de compartilhamento de caronas se recusou a discutir os detalhes.

Os empréstimos são, claramente, parte de um esforço mais amplo que a companhia está fazendo, por meio de sua nova subsidiária Uber Money, para dar aos motoristas acesso a produtos financeiros, como contas bancárias e cartões de crédito.

Segundo o artigo do jornal britânico, o acesso aos produtos financeiros deve ter seu preço. “Dado o modelo de negócios da empresa, as pressões financeiras extremas que ela enfrenta e seu histórico de exploração dos colaboradores, é prudente temer que esse programa de empréstimos crie uma nova e cruel forma de peonagem digital. A peonagem, usada como substituta da escravidão no sul da América pós-guerra civil, é um sistema de exploração econômica em que as pessoas são obrigadas a trabalhar para pagar suas dívidas com os empregadores”, tuitou a deputada democrata da Califórnia Lorena Gonzalez. “No caso do Uber, isso pode ser feito via smartphone, mas ainda é feudalismo.”

O histórico do Uber no que diz respeito ao assunto não é bom. Só no ano passado, a empresa foi multada em US$ 20 milhões pela Federal Trade Comission em decorrência das reclamações de motoristas que se sentiram enganados pelo programa de financiamento de veículos da empresa. Uma vez que aderiram a esses empréstimos, os condutores viram seus ganhos diminuírem consideravelmente, com taxa de juros mais altas do que a média. O “The Guardian” relatou casos em que os motoristas só continuam trabalhando para o aplicativo, em longas e exaustivas jornadas, porque ainda devem dinheiro a ele.

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O Uber Money alega que tem como missão oferecer acesso a serviços financeiros a pessoas excluídas. De fato, o programa de empréstimos do tipo payday, juntamente com cartões de débito e crédito, são direcionados para motoristas desprivilegiados. Mas, em vez de ampliar a riqueza e as oportunidades, esse tipo de programa representa o que os sociólogos batizaram de inclusão predatória – trazendo grupos historicamente marginalizados para o sistema econômico de maneira a recriar e consolidar as desigualdades existentes.

Ainda de acordo com o “The Guardian”, a estratégia do Uber, que vem apresentando resultados ruins a cada trimestre, seria fazer com que os motoristas ganhem mais dinheiro para a empresa, trabalhando mais por menos. E isso é mais fácil de conseguir se eles estiverem em dívida com a companhia. E mais fácil ainda se levarmos em conta que a empresa usa os dados para determinar o preço das viagens e os ganhos dos motoristas. O Uber poderia, por exemplo, reduzir os ganhos por viagem dos colaboradores endividados para que eles dirijam por mais horas e, assim, paguem seus débitos.

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