Joy Mangano une-se a brasileiro para abrir um restaurante nos EUA

21 de janeiro de 2017

O brasileiro Franco conheceu Joy durante um cruzeiro (Divulgação)

Quem nunca ouviu falar aquela célebre frase “a vida imita a arte”? Pois bem, eu presenciei bem de perto o desenrolar de uma história que parece corroborar a frase acima, e é ela que conto a seguir para vocês.

Vamos começar pelas personagens: de um lado, uma empreendedora e inventora americana que, de tão famosa por suas invenções, teve sua história de superação retratada em um tocante filme que carrega seu nome: “Joy” Mangano, obra que concorreu ao Oscar de melhor atriz, com a belíssima interpretação de Jennifer Lawrence. Do outro lado, um jovem e promissor chef de cozinha brasileiro que já começava a brilhar na França, mas que decidiu que queria desbravar a América com suas criações culinárias.

O enredo, que também poderia render um filme, foi mais ou menos assim…

Era uma noite às vésperas do Natal de 2015. Durante um jantar em Paris acompanhado de minha filha, Katarina, o casal formado pela então gerente de comunicação do famoso Hotel Plaza Athénée, Solenne Vervisch, uma querida e sorridente francesa que adora o Brasil, e seu namorado, Franco Sampogna, jovem chef brasileiro que integrava a equipe do aclamado chef francês Alain Ducasse, nos disse, em primeira mão, que estavam decididos a ir para os Estados Unidos perseguir o “sonho americano” – e que já haviam iniciado contatos com alguns possíveis investidores e donos de restaurantes que poderiam se interessar pelo talento do brasileiro. A receptividade estava sendo muito boa, segundo eles, e uma famosa empresária americana – que tinha sua vida contada em um filme que acabara de estrear em circuito mundial – era uma das possíveis parceiras desse projeto.

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Seguimos viagem pela Europa, eu e minha filha, desejando boa sorte na empreitada e com a promessa de ir assistir ao filme indicado pelo casal amigo.

Avance alguns meses e lá estou eu, atravessando uma rua do SoHo, em Nova York, falando ao celular, com os fones de ouvido impedindo que eu ouvisse muito do barulho exterior, quando vejo atravessando, no sentido contrário, uma sorridente Solenne – que parecia não acreditar que estava encontrando um rosto conhecido no meio daquela multidão na capital do mundo. Ela estava radiante! Aquela possível parceira investidora tinha embarcado no projeto do jovem chef brasileiro, e o casal estava de mudança para Nova York.

Acontece, entretanto, que a sócia investidora que iria ajudar a viabilizar o sonho do casal Franco e Solenne não era uma sócia qualquer, mas sim uma empreendedora nata, dona de um espírito inquieto, batalhador e inventivo, e que continua, mesmo depois de todo o sucesso financeiro e pessoal, investindo em novos negócios e procurando incansavelmente soluções para os problemas práticos do dia a dia. Não só os dela, mas os de milhões de pessoas. Foi assim que Joy, como ela é chamada por todos, patenteou mais de cem invenções, como o esfregão Miracle Mop – um pouco dessa história foi eternizada nas telas de Hollywood –, hoje presente em um sem-número de lares, empresas e estabelecimentos mundo afora, e que garantiu a ela fama e fortuna.

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Desta vez, Joy, CEO e fundadora da Ingenious Designs, “inventou” que iria reabrir no mesmo local de um restaurante de sua propriedade em Huntington, costa norte de Long Island, uma nova casa com um novo conceito de cozinha e arquitetura, após receber um email de Franco, que havia cozinhado para ela e sua família três anos antes, durante um cruzeiro de 15 dias num iate privado. No email, o brasileiro revelava seus planos de ir para os Estados Unidos.

Desde setembro, a pequena cidade de 203 mil habitantes, a 65 quilômetros de Manhattan e conhecido polo gastronômico dos nova-iorquinos, ganhou a companhia do charmoso Jema – nome que deriva das iniciais da sócia famosa com um pouco da identidade brasileira, “da gema”. Um ótimo motivo para um pequeno desvio no trajeto rumo ao luxuoso balneário dos Hamptons.

A fachada do restaurante e dois pratos servidos lá: pato à Long Island e risoto de quinoa (Divulgação)

O risoto de quinoa, preparado por ele durante aquele passeio no iate, é um dos destaques do menu do Jema, ao lado do foie gras frito, o pato à Long Island e o black angus defumado com batatas rosemary. “Executo pratos contemporâneos inspirados em minhas viagens pelo mundo”, afirma o chef de 26 anos. Muito dos ingredientes servidos no restaurante são comprados de fornecedores da região de Long Island.

A carta de vinhos oferece opções da França e da Itália – países com os quais Franco tem fortes vínculos (ele é filho de pai italiano e declara seu amor à França, onde morou, nas redes sociais), além de Nova Zelândia e Portugal. Há ainda rótulos americanos, com foco em produtores de Long Island, como Paumanok e Bedell. Responsável pelos drinques, o barman Nolan Studley vai dos clássicos, como o negroni e o old-fashioned, aos coquetéis criados especialmente para o Jema – afinal, inventar é o mantra de Joy Mangano.

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A lareira do último piso lembra alguns hotéis da Suíça (Divulgação)

O restaurante é lindíssimo. Seus 650 metros quadrados são divididos em quatro ambientes. O salão de jantar do térreo acomoda 36 pessoas com abundante luz natural – as janelas vão do chão ao teto. No segundo andar, ficam o bar com 25 lugares e uma sala de estar. O último piso acolhe até 30 pessoas ao redor de uma lareira, num ambiente que lembra alguns hotéis de luxo da Suíça. Para um clima ainda mais intimista, foi montada uma adega privativa no subsolo. A decoração combina a sobriedade de tijolos em tons cinza e das mesas de carvalho com o toque contemporâneo da tubulação aparente no teto.

Paredes de vidro garantem luz natural abundante (Divulgação)

Os ambientes são resultado de uma ampla reforma – os valores exatos são guardados em segredo; o que Joy confirma é que se tratou de uma reforma de “multimillion dollars”. Desde 2009, funcionava aqui o Porto Vivo, mais uma casa entre tantas da região especializada em comida italiana. Joy sabia que uma futura parceria com Franco pedia uma mudança radical. “A melhor comida que já experimentei na minha vida foi no iate”, lembra a empresária, que não queria desperdiçar aquele talento em algo trivial.

Franco tem vasta experiência em restaurantes franceses (Divulgação)

Mas de onde surgiu esse brasileiro tão talentoso? Aos 17 anos, Franco Sampogna mudou-se do Rio de Janeiro para Nice (França), onde trabalhou no restaurante La Mère Germaine. Pouco tempo depois, juntou-se ao time do La Chèvre d’Or, o duas-estrelas Michelin do chef Fabrice Vulin. Em 2011, foi a Paris para trabalhar ao lado de Guy Savoy em seu restaurante homônimo de três estrelas Michelin. A última experiência em Paris foi com Alain Ducasse, no hotel Plaza Athénée. Antes de se unir a Joy, Franco visitou e cogitou alguns restaurantes de Nova York.

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Ao contrário de Franco, que deixou sua terra natal cedo, Joy sempre quis se manter em Long Island, onde nasceu e mantém suas raízes. Formada em administração, a empresária de 60 anos até hoje mora e trabalha na ilha.

LÁGRIMAS

“Que interessante você ter se sensibilizado com aquela cena (do filme), pois ela retrata o momento exato em que percebi que minha vida mudaria para sempre”, diz Joy

Conversar com ela é perceber que estamos diante de uma pessoa especial, predestinada. Não há como não se sentir à vontade ao seu lado. Ao ser perguntada se o filme Joy relata mesmo o que se passou em sua vida, ela me conta, sempre sorrindo, que ele é bastante verídico, mas, na verdade, foi apenas a ponta do iceberg de tudo o que ela passou – o que só fez aumentar minha admiração pela mulher e empresária que ela é. Confidenciei que fui às lágrimas numa das cenas. Ela quis saber qual cena tinha me emocionado tanto. Segurou meu braço ao ouvir meu relato e disse: “Que interessante você ter se sensibilizado com aquela cena em especial… Pois ela retrata o momento exato em que eu percebi que minha vida iria mudar para sempre”.

Ainda hoje, quando escrevo estas linhas, me arrepio ao lembrar-me da cena que retrata o “momento da virada” na vida de Joy – e de tantos empreendedores.

IDEIA LUMINOSA

Joy teve diferentes empregos (entre eles, o de garçonete) e uma vida difícil. Seu maior prazer era inventar. A primeira ideia foi uma coleira fluorescente para cães e gatos, capaz de torná-los visíveis à noite e evitar atropelamentos. No entanto, pouco tempo depois, uma fabricante colocou no mercado um produto semelhante. Joy decidiu que não desperdiçaria sua próxima ideia.

Eram os idos de 1990 quando Joy inventou o Miracle Mop, um esfregão feito de algodão superabsorvente que se torce sozinho, por meio de um cabo giratório, sem que o usuário precise tocá-lo e sujar as mãos. Separada e mãe de três filhos pequenos, sua saga para divulgar o produto não foi fácil. Ela fazia demonstrações em estacionamentos, supermercados e feiras de barcos.

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No primeiro ano, com a ajuda da família na produção, conseguiu vender alguns esfregões. Mas a grande virada aconteceu quando ela apresentou o Miracle Mop ao canal de compras QVC, da TV americana, especializado em venda de produtos. A primeira demonstração ao vivo, feita por uma apresentadora da emissora, não chamou a atenção dos telespectadores. Então Joy fez de tudo para convencer os executivos do QVC de que não havia ninguém melhor do que ela para apresentar o “esfregão milagroso”.

Conseguiu. Mas, sem experiência na TV, ela quase travou em frente às câmeras nos primeiros segundos da transmissão ao vivo. Respirou fundo, superou o pânico e deu seu recado. Em 20 minutos, vendeu 18 mil unidades. (Quem viu o filme deve se lembrar dessa cena. Para os que ainda não viram, fica aqui a sugestão: assistam. Talvez os mais sensíveis entendam o motivo de minhas lágrimas.)

Seguiram-se dezenas de produtos de sucesso como os Huggable Hangers, cabides finos revestidos com veludo, que, além de não deixarem a roupa deslizar, ocupam menos espaço no guarda-roupa. Joy fundou então a empresa Ingenious Designs, que mais tarde, em 1999, venderia à USA Networks Inc. O acordo manteve a inventora como presidente da empresa, com sede – adivinhe – em Long Island.

Nos últimos 15 anos, Joy tem aparecido ao vivo na TV, agora sem pânico, para lançar seus produtos a milhões de telespectadores dos EUA e da Europa.

DE VOLTA AO JEMA

O piso e as mesas de madeira estão entre os destaques da decoração (Divulgação)

Uma visita ao Jema vale por vários motivos. Não só pela viagem àquela bela região de Long Island, não só pela excelente culinária de Franco (que prepara uma comida com a qualidade da cozinha francesa mas com os “pés no chão” de uma comida de verdade – ele ri quando eu digo que, sempre que vejo um restaurante estrelado, eu penso em silêncio “não me venham com espuminha, por favor”), mas também por poder constatar ali, em pessoa, que a vida pode imitar a arte, que sonhos se tornam realidade e que o sucesso vem para aqueles que acreditam nos seus sonhos e os perseguem incansavelmente, estejam eles onde estiverem.