No Nubank, Natura e Netflix, próximo passo é formar líderes pretos

8 de agosto de 2022
Getty Images

As empresas estão investindo em diversidade, mas esse esforço precisa ser revertido em mais líderes negros e crescimento para os negócios

Trazer profissionais negros para dentro do organograma é ainda uma tarefa que exige dedicação das lideranças corporativas, mas algumas companhias já partiram para o segundo passo desde que o sistema de cotas colocou mais estudantes negros nas grandes universidades.  A questão agora é  preparar o caminho para que profissionais pretos assumam mais espaço na liderança com um acompanhamento especial. “Fizemos uma leitura do mercado para entender os problemas atuais desses profissionais  dentro das empresas e identificamos um grande gap de carreira entre pretos e brancos é um deles”, diz Talita Matos, cofundadora da Singuê, consultoria que vem atendendo empresas como Nubank, Natura &Co e Netflix.

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Entre os problemas identificados está a falta de estratégias para que a inclusão e a diversidade se mantenha à medida que se sobe na pirâmide corporativa. “Contratar profissionais negros é uma tendência, mas se isso não trouxer valor para o negócio, vai parar de entrar dinheiro para os programas de diversidade”, diz Eliezer Leal, que gere a Singuê junto com a esposa.

Por trazer valor entenda-se gerar aumento de receita, de soluções inovadores, melhorias na gestão etc. Ou seja, os profissionais que estão entrando via programas de inclusão precisam, de fato, contribuir para o crescimento da companhia em algumas bases. Mas isso não acontecerá se não houver espaço para trazerem ideias ou para crescer na carreira e ficarem apenas nos cargos de entrada.

Nubank tem mentoria para pretos

No Nubank, Jader Felipe foi um dos profissionais mentorados durante o programa de aceleração. Era gerente na consultoria Deloitte, foi contratado como analista pelo Nubank e, em 2021, promovido a gerente de riscos operacionais. “Foi emocionante fazer um treinamento e ver tantas carinhas negras na tela, coisa que nunca vivi antes”, diz Felipe, sobre as mentorias semanais que aconteciam em um grupo online. “Todos esses temas ligados à raça era algo que eu evitava e esse trabalho me ajudou a conseguir olhar para a questão e a falar dela.”

O executivo conta que, em comparação aos colegas que fizeram parte do programa, teve uma vida privilegiada. Veio de uma família de classe média, pode estudar em escolas privadas e estudar em uma faculdade de renome. “Sei que meus colegas negros viveram experiências muito duras e o programa me trouxe essa consciência. Até nisso foi um divisor de águas para mim.”

Na Natura, o programa de aceleração de carreiras de grupos subrepresentados (pessoas pardas ou pretas, PcDs, comunidade LGBTQIA+) tem uma meta. “Queremos sair de 10% desses grupos na liderança para 30% nos próximos sete anos”, diz Milena Buosi, gerente de diversidade da Natura & Co para América Latina. “Uma das frentes é formar essas pessoas em diversas competências, incluindo idiomas.”

Parece simples, mas vagas que pedem domínio da língua inglesa frequentemente deixam profissionais negros de fora, apesar de cumprirem outros quesitos. Estudar um idioma é algo mais comum durante a infância e adolescência na classe média, mas muitos desses profissionais vêm de famílias sem acesso a recursos.

Autoestima é parte dos treinamentos

Lidar com questões pessoais é um dos pontos importantes desse tipo de mentoria. Além de conscientizar as lideranças para os vieses ligados à cor da pele e abrir espaço na empresa para que essas pessoas subam mais rapidamente, há um trabalho de fortalecimento de autoestima. “70% do nosso trabalho diz respeito à estrutura e 30% diz respeito ao indivíduo. Pessoas pretas têm menor tolerância aos próprios erros, se cobram demais e não arriscam. Além disso, há uma preocupação excessiva com relação à própria aparência em razão de tudo o que enfrentam”, diz Matos.

A própria presença de mais pessoas negras em cargos de liderança deve ter um caráter educativo dentro das companhias e equipes. “Uma vez me dei conta de que era a única referência para estagiários e trainees negros”, diz Felipe sobre a posição que ocupava nas empresas pelas quais passou. “Isso é um fardo. Com mais gente ocupando esse lugar, muda tudo e mais jovens pretos poderão reconhecer que podem ser líderes também”