Como fica a remuneração na era da Gig Economy?

18 de outubro de 2022

Empresas precisam se reinventar na era da Gig Economy, em que o vínculo das pessoas é mais inconstante

No final de setembro, a How2Pay Consultoria reuniu líderes de RH de grandes empresas parceiras para o lançamento do SMRTComp, seu sistema de gestão de remuneração. Neste evento, uma mesa redonda mediada pela editora de Forbes Carreira, Fabiana Corrêa, e composta por empresas que são referência de marca empregadora no Brasil e pela Top Employers (instituto global que certifica empresas em temas relacionados à excelência em práticas de RH) discutiu os atuais desafios na gestão de pessoas.

Este debate passou por temas como atração e engajamento de talentos, well being, agressividade e mix de remuneração, turnover, entre outros elementos que compõem o Employee Value Proposition. E tudo isso na era da “Gig Economy”, que contempla formas alternativas de trabalho, tais como prestação de serviços e projetos pontuais, freelancers e trabalhos mediados por plataformas que conectam profissionais e usuários.

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É claro que não saímos da discussão com uma fórmula mágica, mas alguns pontos de reflexão merecem destaque:

Salário

  • A maioria das pessoas precisa do salário para pagar as contas do mês, então não é razoável achar que todos possam ser tratados como “sócios”, recebendo uma remuneração fixa reduzida enquanto esperam por uma premiação anual sob risco, ou ainda aguardando um possível evento de liquidez futuro para a realização de planos de ações ou de stock options. É claro que a oferta de incentivos passa mensagens importantes e tem a capacidade de inspirar e motivar, mas ela não resolve tudo;
  • A insatisfação com o salário ainda é um dos principais desafios nas pesquisas de clima e em entrevistas de desligamento. As pessoas estão mais ansiosas e esperam aumentos salariais com frequência cada vez maior. Por outro lado, a satisfação pelo aumento recebido não dura mais do que dois meses… então só isso não basta para engajar os talentos. É preciso uma oferta de valor integrada e flexível para atender às diferentes necessidades;
  • A disponibilidade de profissionais qualificados (especialmente em tecnologia e em posições de liderança) não tem acompanhado a demanda do mercado, o que faz com que as pessoas recebam ofertas em média 30% superiores (ou até maiores) aos seus salários atuais para trocar de empresa, o que inviabiliza contrapropostas pela empregadora atual;
  • A perda de profissionais para outras moedas (mesmo trabalhando remotamente do Brasil) é ainda uma dura realidade contra a qual não se consegue brigar… mas há casos de pessoas retornando às empresas que deixaram. Neste movimento de volta, estão em busca de pertencimento, de uma conexão maior com a organização e com o trabalho realizado, além da facilidade de comunicação em seu próprio idioma.

Turnover

  • Até grandes empresas globais como Google, Meta e Twitter têm apresentado altos índices de turnover, mesmo oferecendo pacotes de remuneração bastante atrativos e tendo outras ferramentas de bem-estar e ações combinadas de desenvolvimento e gestão de carreira já estabelecidas. As pessoas não trocam de empresa só por salário ou por qualidade de vida, mas também buscando fazer parte de algo maior, com o que possam se conectar. Ser parte relevante de um projeto em uma empresa menor pode ser mais atrativo do que ser uma das muitas peças da engrenagem dentro de uma grande organização, na qual não se perceba a real contribuição do trabalho realizado;
  • Algumas empresas estão dedicando mais esforços na capacidade de atração de talentos do que na sua retenção. Sabendo que na era da Gig Economy o ciclo de vida das pessoas na empresa está cada vez menor, passa a fazer mais sentido aproveitar ao máximo a contribuição que essas pessoas podem dar num ciclo menor do que tentar mantê-las por períodos maiores. Aqui fica o desafio de gestão do conhecimento, que não pode ser perdido neste movimento de “entra e sai” do time.

CLT sob judice

  • Existe uma tendência à valorização do trabalho pontual por projeto. Nesse modelo, as pessoas recebem uma remuneração por entrega e não pelo seu tempo de dedicação, o que lhes permite mais flexibilidade de tempo e oportunidades de diversificar sua atuação;
  • Em torno de 2/3 dos estudantes universitários têm a expectativa de abrir negócios próprios em até cinco anos após a formatura. Não é à toa que tantas empresas estejam investindo na contratação dos profissionais 40+!

Transparência

  • A demanda por maior transparência nas políticas e práticas de remuneração começa a se intensificar, mas é ainda uma realidade distante da maioria das empresas. Isso porque seria necessária uma revolução nas práticas de gestão de desempenho, garantindo isonomia na régua de avaliação dos líderes e uma conexão direta entre seus resultados e as ações de reconhecimento de pessoas.

Ao final de todos esses pontos de discussão sobre a Gig Economy, o que se percebe é a necessidade de as empresas se reinventarem neste momento do mercado em que o vínculo das pessoas é mais inconstante. Talvez daqui a algum tempo se volte a valorizar a estabilidade do modelo CLT, com toda a segurança a ele associado. Mas aparentemente o incremento no ganho imediato viabilizado pelo modelo PJ e a liberdade de escolha estão fazendo a cabeça dessa nova geração.

Agora o desafio é fazer essas diferentes realidades e perfis profissionais diversos coexistirem, combinando ferramentas de recompensa para atender ao gosto de cada “freguês”.

Fernanda Abilel é professora na FGV e sócia-fundadora da How2Pay, consultoria focada no desenho de estratégias de remuneração.

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