Diretora de RH da Reckitt subiu sem referências e hoje quer diversidade no topo

18 de outubro de 2023

Para Flávia Lisboa, nova diretora de RH da Reckitt, lideranças ainda querem talentos diversos abaixo, mas não têm práticas concretas para colocá-los acima

Flávia Lisboa passou por grandes empresas de tecnologia, serviços e consultoria nas suas quase três décadas de carreira em recursos humanos. Depois de cinco anos na Yara, de fertilizantes, assume agora como diretora de RH do Grupo Reckitt, multinacional britânica que fabrica produtos de limpeza, higiene pessoal e saúde, dona de marcas como Veja, SBP e Vanish. “O meu papel e de outras executivas negras é fundamental para que outras meninas com a minha origem possam sonhar.”

Nascida e criada na periferia de São Paulo, Flávia foi uma das primeiras mulheres negras a assumir posições executivas no país, em empresas como Credicard, Ernst&Young, Telefônica e Dell. “Por muito tempo, não parei para pensar como foi subir sem referências, até porque estava ocupada demais lutando contra o sistema que nos exclui”, diz ela que, sem romantizar essa trajetória, percebe o que isso a obrigou a desenvolver. “Poucos desconfortos me abalam. Aprendi a conviver com hostilidade sem abaixar a cabeça, a ser criativa e abrir caminhos que estavam fechados e a entregar as melhores soluções com recursos escassos.”

Passou por todas as áreas do RH, liderou projetos e pessoas em diferentes países, incluindo uma temporada na Inglaterra pela Stefanini, que atua no setor de serviços em TI, e em meio a fusões e aquisições. “Chegar lá não foi suficiente, dedico parte importante da minha vida a promover oportunidades como as que eu tive para tornar o corporativo mais diverso e inovador.”

É cofundadora e membro do conselho do Instituto Pactuá, grupo formados por executivos negros para impulsionar a inclusão racial nas empresas, além de mentora de jovens em vulnerabilidade social. “Meu ponto de partida foi muito diferente do da maioria dos profissionais com quem trabalhei”, diz a executiva, que aos 13 anos teve a oportunidade de fazer um estágio em uma consultoria de RH, assistida pela Ong Morro Velho, voltada para desenvolver crianças e adolescentes em vulnerabilidade social. “Desde o 1º dia, descobri que precisaria romper muitas barreiras para crescer em uma grande organização e mudar o futuro que um jovem periférico já tem sacramentado desde o seu nascimento.”

A nova diretora de RH da Reckitt conta aqui como foi sua trajetória e o que precisou desenvolver para desafiar o status quo e continuar subindo.

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Forbes: Quais foram as habilidades mais importantes para desenvolver no começo da sua carreira e que te ajudaram a ascender?

Flávia Lisboa: Sem sombra de dúvidas a mistura de curiosidade e consciência da própria ignorância. Desde sempre, quanto mais eu estudo sobre um assunto, mais eu descubro que preciso aprender. Acredito que existe muito mais potencial naquilo que não sabemos do que no que já conhecemos, por isso, não tenho vergonha de dizer que não sei algo, nem de estar rodeada de pessoas que são melhores do que eu. Nem tampouco coloco meus conhecimentos em um “pedestal”. Cresci ouvindo que eu precisava estudar pois meu conhecimento ninguém tiraria de mim, e de fato ninguém tira, mas o tempo pode torná-lo irrelevante e desnecessário. Por isso, essa combinação sempre fez parte da minha “mochila”.

F: Como sua formação te ajudou a construir sua carreira?

FL: O saber científico contribuiu para que eu questionasse as coisas como são – e como poderiam ser. O acesso ao ensino superior me permitiu estimular minha curiosidade e me encorajou a desenvolver novos saberes, além de obter referências teóricas, me permitiu expandir minha rede de relacionamento, até então muito limitada, e sobre o poder do aprendizado coletivo.

F: Qual foi o impacto de ser uma mulher preta na sua trajetória?

FL: Pulando todos os fatores difíceis que já são bem conhecidos, como toda a manifestação do racismo estrutural e moral ainda existentes em nossa sociedade, gosto de enfatizar que me senti sempre muito potente por ser diferente. Viver em um mundo e ocupar espaços feitos por e para pessoas que não são como você também pode ser fonte de aprendizado. Um exemplo: poucos desconfortos me abalam. Aprendi a conviver com hostilidade sem abaixar minha cabeça, aprendi a ser criativa e abrir caminhos que para mim estavam fechados e a entregar as melhores soluções com recursos escassos. E não digo isso para “romantizar” a carreira da mulher preta, muito pelo contrário, mas quero que as pessoas leiam e entendam que promover a diversidade no mundo corporativo não é caridade, é contar com diferentes perspectivas de mundo e desenvolver o potencial econômico da maior parte da população brasileira, ainda tão invisibilizada e carente de oportunidades.

F: Você foi uma das primeiras mulheres negras a ocupar posições de liderança em empresas no Brasil. Como foi subir sem ter referências? E como você enxerga seu papel de referência para as futuras gerações?

FL: É curioso que por muito tempo não parei para pensar como foi subir sem referências, até porque estava ocupada demais lutando contra o sistema que nos exclui. Infelizmente, percebi tarde que a cor da minha pele enviava mensagens sobre quem eu poderia – ou não – ser no imaginário corporativo. Mas respondendo objetivamente, quanto mais eu subia, mais masculino e branco os espaços ficavam. Me recusei a acreditar que era por falta de competência. Entendendo a história do Brasil e como a população negra foi privada de acesso a direitos civis e oportunidades básicas, acho o meu papel e de outras executivas negras fundamental para que outras meninas com minha origem possam sonhar. Afinal, a gente não sonha com o que não vê.

F: Como você traz isso para sua atuação como líder de RH hoje?

FL: Eu aprendi a importância de conhecer sobre a demografia para quem você lidera. É um constante “teste do pescoço”, em que pergunto quem são as pessoas para quem vendemos, de quem compramos e quem contratamos. Sempre me questiono onde estão as pessoas negras, as mulheres, os homens, as pessoas com deficiência, a comunidade LGBTQIAPN+. Não posso tomar decisões que afetam pessoas das quais não conheço a realidade, nem tampouco assumir que sei como todos pensam e do que precisam. Quanto mais diverso for o nosso olhar – e nossos times –, mais acertadas serão nossas decisões sobre as pessoas.

F: Com 28 anos de carreira, como você observa a evolução (ou a falta dela) da diversidade no mundo corporativo?

FL: Não posso dizer que não houve evolução em relação à diversidade. Sem dúvidas o ambiente hoje é muito mais favorável para pessoas com a minha origem do que nos anos 1990. As vagas afirmativas encorajam pessoas pertencentes a grupos sub-representados e as fazem sentir bem-vindas.

No entanto, ainda vejo poucas empresas ousando em incluir pessoas diversas no topo. Isto é, as lideranças ainda querem talentos diversos abaixo ou atrás delas, mas não demonstram interesse e práticas concretas para tê-las acima, ou à frente.

F: Qual foi o turning point da sua carreira?

FL: Quando entrei na Yara, eu já tinha liderado projetos e iniciativas que envolviam grandes mudanças, enfrentado fusões e aquisições e mudanças culturais complexas, logo, mudar nunca foi um desconforto pra mim. Tive a oportunidade de trabalhar de forma voluntária em um projeto complexo que envolvia um M&A e duas grandes iniciativas de transformação sob minha responsabilidade num projeto de transformação, além das minhas responsabilidades recorrentes como HR Business Partner. Atuar em projetos de grande relevância e exposição não apenas aumentou meu repertório do negócio, mas também me permitiu melhorar minha rede de relacionamento interna e demonstrar credibilidade à alta liderança. Logo depois do término desses projetos, surgiu a oportunidade de liderar o time de Business Partners e, sete meses depois, de assumir toda a diretoria de RH no Brasil, no início da pandemia da Covid-19, com toda a complexidade que isso envolveu e que já conhecemos.

F: O que você gostaria de ter ouvido no início da carreira que poderia ter feito a diferença?

FL: Não mude nada em você para se sentir pertencente ao ambiente corporativo. Do seu cabelo, roupas ou sua personalidade. Nada é mais poderoso do que se sentir confortável na própria pele.

F: O que um executivo de RH busca nos profissionais hoje?

FL: Em um ambiente de tanta transformação, sem sombra de dúvidas a curiosidade (olha ela de novo!) e a agilidade no aprendizado. Dada a velocidade com que as mudanças acontecem, mais importante do que saber todas as respostas é saber construir as perguntas ao longo do caminho.

F: No seu LinkedIn, você diz que está acostumada a trabalhar em ambientes em transformação. O que você aprendeu com essas experiências?

FL: Aprendi que existe vida após o desconforto da mudança e que, sim, ela pode te fazer muito bem. Entendo também que as pessoas têm seu próprio tempo para aceitar e se engajar com a mudança, sendo necessário respeitar, mas também encorajá-las e apoiá-las a passar rapidamente pelo sofrimento e insegurança que uma mudança pode provocar.

Por quais empresas passou

Credicard, Ernst&Young, Telefônica, Dell Computadores, Worldpay, Yara Fertilizantes e agora, Grupo Reckitt

Formação

Psicologia, administração de Recursos Humanos e governança corporativa

Primeiro cargo de liderança

2005 – gerente de RH

Tempo de carreira

28 anos

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