Nascida e criada na periferia de São Paulo, Flávia foi uma das primeiras mulheres negras a assumir posições executivas no país, em empresas como Credicard, Ernst&Young, Telefônica e Dell. “Por muito tempo, não parei para pensar como foi subir sem referências, até porque estava ocupada demais lutando contra o sistema que nos exclui”, diz ela que, sem romantizar essa trajetória, percebe o que isso a obrigou a desenvolver. “Poucos desconfortos me abalam. Aprendi a conviver com hostilidade sem abaixar a cabeça, a ser criativa e abrir caminhos que estavam fechados e a entregar as melhores soluções com recursos escassos.”
Passou por todas as áreas do RH, liderou projetos e pessoas em diferentes países, incluindo uma temporada na Inglaterra pela Stefanini, que atua no setor de serviços em TI, e em meio a fusões e aquisições. “Chegar lá não foi suficiente, dedico parte importante da minha vida a promover oportunidades como as que eu tive para tornar o corporativo mais diverso e inovador.”
A nova diretora de RH da Reckitt conta aqui como foi sua trajetória e o que precisou desenvolver para desafiar o status quo e continuar subindo.
Leia também:
- Novo Chief Data Officer do PicPay conta como construiu carreira em IA
- Nova diretora executiva da MAP criou estratégia “periférica” para crescer
- “Comunicação eficaz é um diferencial na liderança”, diz VP de marketing da OLX
Forbes: Quais foram as habilidades mais importantes para desenvolver no começo da sua carreira e que te ajudaram a ascender?
F: Como sua formação te ajudou a construir sua carreira?
FL: O saber científico contribuiu para que eu questionasse as coisas como são – e como poderiam ser. O acesso ao ensino superior me permitiu estimular minha curiosidade e me encorajou a desenvolver novos saberes, além de obter referências teóricas, me permitiu expandir minha rede de relacionamento, até então muito limitada, e sobre o poder do aprendizado coletivo.
F: Qual foi o impacto de ser uma mulher preta na sua trajetória?
F: Você foi uma das primeiras mulheres negras a ocupar posições de liderança em empresas no Brasil. Como foi subir sem ter referências? E como você enxerga seu papel de referência para as futuras gerações?
FL: É curioso que por muito tempo não parei para pensar como foi subir sem referências, até porque estava ocupada demais lutando contra o sistema que nos exclui. Infelizmente, percebi tarde que a cor da minha pele enviava mensagens sobre quem eu poderia – ou não – ser no imaginário corporativo. Mas respondendo objetivamente, quanto mais eu subia, mais masculino e branco os espaços ficavam. Me recusei a acreditar que era por falta de competência. Entendendo a história do Brasil e como a população negra foi privada de acesso a direitos civis e oportunidades básicas, acho o meu papel e de outras executivas negras fundamental para que outras meninas com minha origem possam sonhar. Afinal, a gente não sonha com o que não vê.
F: Como você traz isso para sua atuação como líder de RH hoje?
F: Com 28 anos de carreira, como você observa a evolução (ou a falta dela) da diversidade no mundo corporativo?
FL: Não posso dizer que não houve evolução em relação à diversidade. Sem dúvidas o ambiente hoje é muito mais favorável para pessoas com a minha origem do que nos anos 1990. As vagas afirmativas encorajam pessoas pertencentes a grupos sub-representados e as fazem sentir bem-vindas.
No entanto, ainda vejo poucas empresas ousando em incluir pessoas diversas no topo. Isto é, as lideranças ainda querem talentos diversos abaixo ou atrás delas, mas não demonstram interesse e práticas concretas para tê-las acima, ou à frente.
FL: Quando entrei na Yara, eu já tinha liderado projetos e iniciativas que envolviam grandes mudanças, enfrentado fusões e aquisições e mudanças culturais complexas, logo, mudar nunca foi um desconforto pra mim. Tive a oportunidade de trabalhar de forma voluntária em um projeto complexo que envolvia um M&A e duas grandes iniciativas de transformação sob minha responsabilidade num projeto de transformação, além das minhas responsabilidades recorrentes como HR Business Partner. Atuar em projetos de grande relevância e exposição não apenas aumentou meu repertório do negócio, mas também me permitiu melhorar minha rede de relacionamento interna e demonstrar credibilidade à alta liderança. Logo depois do término desses projetos, surgiu a oportunidade de liderar o time de Business Partners e, sete meses depois, de assumir toda a diretoria de RH no Brasil, no início da pandemia da Covid-19, com toda a complexidade que isso envolveu e que já conhecemos.
F: O que você gostaria de ter ouvido no início da carreira que poderia ter feito a diferença?
FL: Não mude nada em você para se sentir pertencente ao ambiente corporativo. Do seu cabelo, roupas ou sua personalidade. Nada é mais poderoso do que se sentir confortável na própria pele.
FL: Em um ambiente de tanta transformação, sem sombra de dúvidas a curiosidade (olha ela de novo!) e a agilidade no aprendizado. Dada a velocidade com que as mudanças acontecem, mais importante do que saber todas as respostas é saber construir as perguntas ao longo do caminho.
F: No seu LinkedIn, você diz que está acostumada a trabalhar em ambientes em transformação. O que você aprendeu com essas experiências?
FL: Aprendi que existe vida após o desconforto da mudança e que, sim, ela pode te fazer muito bem. Entendo também que as pessoas têm seu próprio tempo para aceitar e se engajar com a mudança, sendo necessário respeitar, mas também encorajá-las e apoiá-las a passar rapidamente pelo sofrimento e insegurança que uma mudança pode provocar.
Por quais empresas passou
Formação
Psicologia, administração de Recursos Humanos e governança corporativa
Primeiro cargo de liderança
2005 – gerente de RH
Tempo de carreira
28 anos