A gente olha para o Brasil do Complexo da Maré, para a Síria de Ghouta ou para a Trumpland e vê os diabos. Onde estão os anjos bons da nossa natureza? Eu sei que jornalista deve ser endiabrado e ver o pior, mas prefiro ser jornalisticamente incorreto.
LEIA MAIS: CEOs e analistas avaliam a retomada econômica brasileira
O psicólogo Steven Pinker, de Harvard, teima em ver Os Anjos Bons da Nossa Natureza (nome do seu livro publicado no Brasil em 2011). Endiabrado, ele volta à carga em 2018 com Enlightenment Now (Iluminismo Agora). Em dobradinha com outro autor iluminado, Gregg Easterbrook (It’s Better Than It Looks: Reason for Optimism in an Age of Fear), Pinker investe contra o pessimismo. O termo melhor é declinismo.
Pinker e Easterbrook estão munidos de estatísticas para metralhar o declinismo da esquerda e da direita, com seus lamentos e alertas de que tudo está pior do que parece. Mensageiros do fim do mundo abundam em todas as partes, prosperando nesta era do medo. E não vamos negar que seja Apocalipse Agora em muitos rincões.
No entanto, são tantos números angelicais. Pinker gosta de viajar na história para desconstruir as pirações nostálgicas. Ele nem precisa ir muito longe. Em 1988, a pobreza extrema afligia 37% da população global. E hoje? São 9,6%. A desnutrição despencou para o nível mais baixo da história da humanidade.
Eu sei que, nesta era das fake news, o timing de Pinker parece infeliz com a conclusão de que substituímos “dogma e tradição” por “razão, debate e instituições de busca da verdade”, mas a checagem dos fatos vai nos vingar. E eu sei que soa insultuoso disparar para os brasileiros, mas crime e violência estão em baixa no mundo. O fantasma do terrorismo assombra a Europa Ocidental. Em 2016, foram 238 mortos. Em 1988, 440.
No caso americano, apesar da ladainha de Trump, Easterbrook sublinha que “em nenhum momento da história americana foram tão altos como agora os “padrões de vida, renda per capita, poder de compra, saúde, segurança, liberdade e expectativa de vida”.
Robert Samuelson, no jornal “The Washington Post”, tem boas sacadas para decifrar o viés pessimista. Quando as pessoas usufruem de ganhos sociais e econômicos, elas esperam mais do mesmo e aí se decepcionam. Em primeiro lugar, existe a revolução das expectativas crescentes. E há a tal história que imprensa e políticos se concentram nos desafios do aqui e agora, não nas conquistas a longo prazo, duradouras.
Easterbrook tem a boa sacada de que tantas mudanças vertiginosas criam um “colapso de ansiedade”. É o medo que as mudanças socioeconômicas trazem para o nosso modo de vida. Sim, somos conservadores.
VEJA TAMBÉM: Mais evidências indicam que pensar positivo faz bem ao coração
Pinker e Easterbrook pecam por otimismo e tom evangélico. Bom então se proteger com um Nobel de Economia. Angus Deaton adverte para nós não trivializarmos o argumento de que o futuro sempre é melhor que o presente ou a noção de progresso contínuo. Afinal, o genocídio em Auschwitz aconteceu há pouco mais de 70 anos. E mais recentemente tivemos Biafra, Camboja, Ruanda e teremos mais do hediondo ao longo da história. O progresso é pontilhado por espasmos e reversões.
Mas a pregação dos nossos dois evangelistas não é bisonha. Easterbrook, por exemplo, está empenhado em identificar as coisas certas para assim alvejarmos com mais precisão desafios espinhosos como desigualdade de renda e mudanças climáticas.
Eu, pessoalmente, prefiro líderes no mundo que sejam otimistas e determinados, ao invés de demagógicas aves agourentas. Está aí (ou esteve) Franklin Roosevelt. O ano de 1938, na época da Grande Depressão e de Hitler no poder, não era exatamente propício para os bons anjos da natureza. No entanto, foi naquele ano que Roosevelt profetizou que “nós observamos um mundo de grandes oportunidades disfarçadas de problemas insolúveis”.
Não vamos cortar as asas dos anjos.
*Caio Blinder é jornalista radicado em Nova York, onde é um dos apresentadores do programa Manhattan Connection, da Globo News
Coluna publicada na edição 58, lançada em abril de 2018