Resumo:
- Os endowments também são conhecidos como fundos patrimoniais ou fundos filantrópicos;
- Os fundos que existiam no Brasil até então eram todos societários, ou seja, sem segurança legal;
- O Gestora de Fundo Patrimonial Rogerio Jonas Zylbersztajn é o primeiro fundo nos moldes da lei, representando uma possível tendência no mercado.
O incêndio no Museu Nacional, em agosto de 2018, foi o grande estopim das discussões sobre dificuldades financeiras enfrentadas pelas instituições públicas. A conversa culminou em uma possibilidade econômica que pouco tinha sido comentada no Brasil até então: os “endowments”.
Também conhecidos como fundos patrimoniais ou fundos filantrópicos, os “endowments” são uma estrutura de sustentabilidade financeira de longo prazo. Mário Alfredo de Oliveira, advogado da Machado Meyer e especialista em direito bancário, mercado de capitais e direito societário, explica que os “endowments funds” são formados por recursos advindos de doações de pessoas físicas ou jurídicas, que são investidos no mercado financeiro por um gestor profissional para que os rendimentos sejam direcionados para projetos relacionados a causas filantrópicas. O dinheiro não pode ser resgatado depois.
A ideia central é assegurar a perenidade no financiamento dos projetos que motivaram as doações. Se uma pessoa quer investir em educação, esse dinheiro ficará rendendo permanentemente para essa causa. “O dinheiro doado estará sempre sendo reinvestido para garantir que haja capital suficiente para a continuidade da iniciativa”, adiciona Oliveira.
O advogado também conta que utilizou os fundos patrimoniais em sua formação, pela Fundação Getúlio Vargas, que possui o Endowment Direito GV. “O processo para ser contemplado pelo fundo considerou minha situação socioeconômica, minha experiência acadêmica e de vida”, revela. Mas embora todo esse processo tenha sido em 2014, até então os endowments não tinham toda estrutura legal para passar segurança e legitimidade. Embora instituições como a GV já explorassem seus recursos, ainda era muito distante imaginar uma disseminação do assunto a nível nacional.
Em 2018, por conta das dificuldades financeiras enfrentadas pelas instituições públicas quando se trata de conservação do patrimônio e investimento em pesquisa, desenvolvimento e inovação, os endowments migraram para o cenário legislativo. Os projetos de lei que tramitavam no Congresso Nacional tomaram forma e, em setembro de 2018, o ex-presidente Michel Temer promulgou a MP 851/18, medida provisória para autorizar parcerias para execução de programas, projetos e demais finalidades de interesse público com organizações gestoras de fundos patrimoniais.
Embora as conversas sobre o assunto tenham evoluído, a MP recebeu muitas críticas sobre a burocracia na criação dos fundos. Em janeiro de 2019, o presidente Jair Bolsonaro mudou novamente o cenários dos “endowments”. Bolsonaro deferiu o projeto de lei com veto parcial (veto no artigo III, que retirou o incentivo fiscal de doação para os “endowments”). Além disso, a burocracia se manteve apenas na área das instituições públicas, que precisam de um acordo acertado para decidir onde o recurso será despendido.
A partir deste marco legal, os fundos patrimoniais passaram a exercer obrigações fiscais e regulatórias. A lei 13.800/19 faz com que os fundos passem a ser fiscalizados de perto desde as suas constituições até o cumprimento de suas atividades.
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Em um ambiente de mais confiança, os primeiros “endowments” assegurados pela lei começam a surgir. Antes da lei, existiam mais de 15 fundos patrimoniais. Agora, cerca de dez estão em análise para constituição com base legal. Porém, há um estreante: Priscila Pasqualin, sócia responsável pela área de filantropia e investimento social do escritório PLKC Advogados, conta sobre o primeiro fundo filantrópico feito com base nas novas mudanças.
“Nasceu a partir da herança que Raikel recebeu do filho que faleceu prematuramente”, revela. Rogerio Jonas Zylbersztajn morreu sem deixar herdeiros, apenas o estímulo para que Raikel Zylbersztajn criasse algo em sua homenagem. Raikel destinou o patrimônio deixado por ele para a filantropia por meio do Gestora de Fundo Patrimonial Rogerio Jonas Zylbersztajn. Priscila explica que o fundo criado é de causa geral, não apenas vinculado a uma instituição específica: “A causa escolhida foi educação, assistência social e saúde. Eles vão fazer seleções de projetos de instituições apoiadas para periodicamente destinar recursos a elas”.
A política social ainda está sendo estruturada, mas Priscila já ressalta os benefícios de estar sob a lei: “Você tinha ‘endowments’ que eram constituídos por acordos societários. Societariamente a instituição tinha um conjunto de ativos que ela se comprometia a não gastar, mas nada impedia que em uma crise ou mudança de diretoria, ela dissolvesse aquele patrimônio para gastar no curto prazo”. Agora, com as mudanças, há um arcabouço jurídico que dá proteção aos “endowments”.
Para Priscila, esse contorno jurídico significa tendência. Para exemplificar a opinião, ela cita o apoio do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) aos fundos filantrópicos para dar sustentabilidade de longo prazo às instituições e desenvolver o mercado de capitais. “Temos uma cultura de investimento a longo prazo ainda em crescimento. Quando vemos um banco como o BNDES apoiando essa causa, claramente vemos uma tendência de ampliação desse mercado”, afirma.
Já Mário Oliveira diz que embora esse tipo de estrutura ainda esteja em processo de implementação no país, o que faz com que a visualização dos benefícios seja realmente a longo prazo, as expectativas são boas. “Creio que os fundos ‘endowment’ podem auxiliar muito em ações socioculturais e de impacto educacional”, opina Oliveira. O advogado também adiciona que, nos EUA, os fundos já contribuem significativamente para o financiamento de causas socioculturais, com destaque à educação universitária. Um grande exemplo é o “endowment” da Universidade Harvard, que foi criado em 1974 e conta com um patrimônio de US$ 39,2 bilhões. O desenvolvimento norte-americano com esse tipo de investimento passou por um longo processo histórico, que gerou uma cultura de doação muito forte. Assim, o caminho para esse auxílio é longo, mas pode ser muito frutífero.
A lei foi o primeiro passo, a disseminação social é o próximo. Como dica para quem quer explorar os “endowments” mas ainda está perdido, Priscila revela que o primordial é saber qual é o maior interesse envolvido. Tanto para formar um “endowment” como para doar para um. “Uma vez aportado no ‘endowment’, você não receberá o dinheiro de volta”, ressalta. O investimento filantrópico não gera retorno financeiro para o doador, por isso, é preciso ter certeza antes de mais nada.
Após esse processo, é necessário encontrar a melhor forma de cumprir o objetivo desejado. Caso não queira constituir uma instituição, Pasqualin explica que buscar uma gestora que apoie a causa para qual o doador quer que seu dinheiro seja destinado é imprescindível. Assim feito, há um terceiro e muito importante último passo: o tipo de doação que será feita.
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A sócia do PLKC Advogados explica que a lei prevê dois tipos de doações carimbadas. Uma é mais geral, que pode ter como objetivo fazer uma homenagem a um familiar. É perfeita para a pessoa que quer destinar seu dinheiro a mais de uma causa, como educação e saúde. Se a gestora concordar em seguir com a obrigação de destinar os recursos para esses meios, fica acertado. Ou então, o segundo tipo de doação carimbada é mais específico. Uma doação para construir o laboratório de uma certa universidade, por exemplo. O recurso não é para a educação geral, e sim para aquele laboratório em si. A pessoa também vai ter de negociar com a organização gestora e entrar em um acordo para que então o patrimônio seja destinado da forma que deseja.
Mas se a vontade é constituir o próprio “endowment”, Oliveira indica que “é importante que todas as normas de compliance e governança sejam respeitadas para criar um ambiente seguro e transparente para que os doadores percebam que o manejo de suas doações está sendo feito da melhor forma possível”.
O ano de 2019 pode ter sido de transição especial para os “endowments”. Com a devida lei e o surgimento dos primeiros endowments com base nela, ele se firma cada vez mais como uma possibilidade de auxílio futuro. Para pessoas como Raikel Zylbersztajn, é mais do que um investimento, é “uma maneira perpétua de fazer com que esse recurso seja utilizado de maneira estratégica, pensando no longo prazo e não em doações pontuais de curto prazo apenas”, finaliza Priscila.
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