A região de Champagne, por ser campo aberto, foi passagem para muitos mercantes e também muitas guerras. Sem barreiras como montanhas e rios, essa região, no limite da determinação térmica para produção de vinhos, sofreu com desafios e mudanças constantes até atingir sua glória. Esse espírito de resistência e tenacidade, tornaram-se evidentes devido às dificuldades que superou. Por mais doída que seja uma dificuldade, ela fortalece! E essa força também teve de lutar contra mãe natureza, saques, pestes, mortes, miséria. E recomeçar.
LEIA MAIS: Harmonização: vinho e quarentena
Depois da queda do império romano, Champagne foi devastada. Épernay foi saqueada 25 vezes! Os viticultores se abrigavam nas “crayères” (o hotel chamado Les Crayères, em Reims, que era a casa de Mme. Pommery, vale a visita ou estadia). Nas épocas em que as guerras eram longas, os habitantes ficavam constantemente no subterrâneo, sem luz a não ser de velas, sem noção de dia e noite. Escolas e igrejas foram organizadas nesse subterrâneo e, quando se visita essas caves, hoje em dia, é possível ver os escritos, os desenhos e as marcas desse período negro.
Sem os romanos e com todas as incertezas, a igreja tomou poder da viticultura e da ordem da sociedade. As pessoas precisavam de uma fonte de estabilidade e união. A gente reza, certo? Pede pra quem seja, pois a fé e a esperança, seja qual for a sua opção, trazem conforto e positividade nas perspectivas. Nos momentos difíceis, nos lembramos disso, assim como quando estamos doentes de cama e falamos que vamos cuidar da saúde depois. E, na maioria das vezes, esquecemos. Às vezes, não entendo porque a raça humana demora tanto para aprender. Mas antes tarde do que nunca!
Nessa época, o vinho era tinto de um tom claro, turvo e doce. O champanhe que conhecemos só apareceu por volta de 1600 e vem evoluindo desde então até o que bebemos atualmente.
Mas, então, houve a guerra com a Inglaterra, quando o Rei e a “House of Valois” queriam controlar a coroa francesa, a guerra dos cem anos! Desgraça geral. Depois, veio a reforma protestante. Miséria de novo. Guerras internas levaram Champagne a oscilar mais do que a bolsa de valores. Entre 1650 e 1850, houve três períodos de extremo frio, uma espécie de mini era do gelo. Em contrapartida, vieram as grandes descobertas científicas: Chaptal, Pasteur e Lavoisier, entre muitos outros.
Quando estourou a Primeira Guerra Mundial, outro baque arrasador. Das 13.806 casas existentes em Reims, sobram apenas 17 inteiras e 5.000 parcialmente destruídas depois dos quatro anos de conflito. Na Segunda Guerra, as batalhas não aconteceram nos vinhedos, ufa! Mas, os viticultores ficaram sem fôlego para recomeçar. Foi nesse momento que surgiu o Comité Interprofissionel du Vin de Champagne para mostrar aos alemães a união deles, mesmo com vários líderes tendo sido enviados a campos de concentração na tentativa de baixar a moral. E todo mundo se escondendo nas “crayères”, lotação geral. Só faltava coronavírus nessa história, já pensou? Sem falar na phylloxera, uma praga que dizimou todos os vinhedos, antes dessas guerras.
Ou seja, coronavírus ficou pequeno.
Região nomeada pela Unesco como patrimônio mundial, sua produção anual gera € 4,9 bilhões em vendas. Possui somente 4% em território viticultor, mas é responsável por 20% da receita no setor, sendo o vinho mais exportado da França. Além disso, as vinícolas locais reduziram em 20% a emissão de carbono por garrafa nos últimos anos, reciclam 100% da água utilizada e 90% do lixo que produzem.
Champagne celebra suas derrotas e suas vitórias. Nos momentos difíceis: união e fé. Nos momentos de vitória: economia e respeito ao meio ambiente. Humildade.
Que tenhamos esta resiliência, esta persistência, esta capacidade de crescer, ver adiante, unirmos e sermos mais fortes. Que esta bebida nos faça lembrar da sua história, da nossa história e do real sentido da celebração. Especialmente da vida. Aquela, dentro de você!
Carolina Schoof Centola é fundadora da TriWine Investimentos e sommelière formada pela ABS, especializada na região de Champagne. Em Milão, foi a primeira mulher a participar do primeiro grupo de PRs do Armani Privé.
Siga FORBES Brasil nas redes sociais:
Facebook
Twitter
Instagram
YouTube
LinkedIn
Tenha também a Forbes no Google Notícias.
Os artigos assinados são de responsabilidade exclusiva dos autores e não refletem, necessariamente, a opinião de Forbes Brasil e de seus editores.