A única certeza é que vai dar errado

6 de abril de 2021
valentinrussanov/Getty Images

Ninguém acerta brilhantemente fazendo o básico, o padrão, a fórmula testada e aprovada. Na melhor das hipóteses, replica o acerto.

Antes de tudo, um ponto de vista: empreender é errar. Em série. De vez em quando, acertar. Mas se não aprendermos a nos divertir com o erro e não entendermos que ele não é um obstáculo (mas sim o caminho em si), a vida pode ficar dura demais. Em contrapartida, quanto antes aceitarmos que os erros não vão acabar (no máximo, com aprendizado, podem variar), mais rápido teremos chances de nos realizar numa jornada empreendedora.

Simples de falar, difícil de assimilar. Porque nos ensinam desde sempre que errar é humano na teoria, porém muito ruim na prática. Abala a autoestima, pode arranhar a reputação, desfaz laços. Então é melhor evitar. E como se evita? Não se evita.

Ninguém acerta brilhantemente fazendo o básico, o padrão, a fórmula testada e aprovada. Na melhor das hipóteses, replica o acerto. Mas empreender é mais sobre construir a partir do que já existe (ou do que não existe) do que se limitar a réplicas.

Então, sim, você vai ter que fazer uma escolha.

Lembro quando fiz a minha. Claro que esse é o tipo de lição na qual evoluímos durante a vida inteira, por camadas. Não é um processo que acontece um dia e muda completamente a maneira de enxergar, pensar, agir. Nem fica resolvido. Mas como provavelmente toda mudança de paradigma, tem uma virada de chave. Um momento eureca. E me recordo do meu.

Eu tinha 24 anos, havia começado a praticar yoga intensa e diariamente alguns meses antes, e lidava com todos os impactos que uma maior clareza sobre a vida e suas escolhas traz. Mais disciplina, mais liberdade e mais responsabilidade. De repente, ficou evidente: se eu quiser avançar além da curva média, vou ter que arriscar. Para achar um jeito autêntico de fazer meu trabalho, que me realize e atenda a demandas do mundo, preciso ter a coragem de questionar verdades estabelecidas, modos padrões que, olhando bem e analisando criticamente, talvez não façam mais sentido. Mas é raro acertar de primeira. E mexer em verdades estabelecidas incomoda – o ambiente e a gente mesmo. Bom, minha virada de chave incluiu não fugir de algumas brigas, enfrentar muitos medos, como o de perder empregos e o de deixar se dissolverem amizades com prazo de validade.

Logo entendi que nem sempre se tratava de errar. Mas de dar errado mesmo quando eu fazia o que acreditava ser o certo levando em conta tudo o que podia enxergar. Sair da curva é, antes da possibilidade de brilhar, se sentir desencaixado, na contramão, ou ao menos em uma via menos movimentada. Quer empreender? Acostume-se a esse cenário.

Hoje me sinto bem nele. Entendo mais este lugar. Não é sobre conforto, mas sobre estar na direção certa.

Fui aprendendo mais e mais como lidar com o erro de maneira leve, acolhedora mas não complacente, a partir da experiência de outras pessoas também, à medida que conhecia empreendedoras e empreendedores tão inspiradores, enquanto era repórter de revista e, mais recentemente, ao organizar o livro “Fora da Curva 3 – unicórnios e start-ups de sucesso”, a convite dos outros organizadores, Florian Bartunek e Pierre Moreau.

Durante a produção do livro, a relação bem resolvida com o que dá errado foi uma das lições que mais me marcou. De formas diferentes, está presente na história das 12 pessoas retratadas.

Uma das que mais me impactou aconteceu com Geraldo Thomaz. Ao lado de Mariano Gomide, ele fundou a plataforma de e-commerce VTEX, inicialmente como um marketplace para o setor têxtil. Não deu certo e mudaram a rota. Em 2007, eles comemoravam a conquista de um projeto grande – a produção do site brasileiro de uma varejista global. Mas havia um desconforto: esse cliente concentrava 90% da receita da empresa, um cenário que fazia os empreendedores se sentirem mais como funcionários.

Dois anos depois, em 2009, outro gigante do varejo estava prestes a assinar um contrato com a VTEX. Animados, Geraldo e Mariano se anteciparam e investiram em pessoas para compor um time de primeira linha. “Era nossa oportunidade de virar uma empresa de verdade”, afirma Geraldo, no “Fora da Curva 3”. O contrato foi assinado no dia em que a companhia admitiu um diretor novo para o projeto. No dia seguinte, data em que foi entregue o documento para o aceite final, o cliente recebeu uma notificação extrajudicial de um concorrente da VTEX, alegando que não estavam aptos a assumir o projeto, “o que causou grande insegurança no novo diretor”. O projeto foi cancelado.

O testemunho de Geraldo é emocionante: “Pela primeira vez em toda aquela jornada, passei um dia inteiro na cama, deprimido. Meu sentimento era que todo o momentum que estava sendo criado se perdeu. Fiquei dentro do quarto do hotel em que estava hospedado, sem atender ligações, completamente desanimado. Minha expectativa de fechar mais um cliente importante havia sido frustrada. Resultado: eu tinha uma empresa com muito mais gente do que precisaríamos nos meses seguintes — um custo enorme que havíamos assumido, agora sem dinheiro para cobrir. Nada fazia sentido.”

No dia seguinte, ele acordou disposto a seguir em frente, como havia feito com seu sócio e equipe tantas vezes nos anos anteriores.

O rápido e intenso mergulho no fundo do poço, seguido do recomeço é, para mim, um fiel retrato do significado de empreender. A única certeza é que muita coisa vai dar errado, mesmo quando dá certo.

Ariane Abdallah é jornalista, autora do livro “De um gole só – a história da Ambev e a criação da maior cervejaria do mundo”, co-organizadora do “Fora da Curva 3 – unicórnios e start-ups de sucesso” e fundadora do Atelier de Conteúdo, empresa especializada na produção de livros, artigos e estudos de cultura organizacional. Praticante de ashtanga vinyasa yoga, considera o autoconhecimento a base do empreendedorismo.

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