Eleito personalidade do ano de 2020 pela Câmara de Comércio França-Brasil, Thierry Fournier é o nome no comando das operações do grupo francês Saint-Gobain na América Latina. A multinacional, que atua principalmente na oferta de soluções voltadas para o setor automotivo, industrial, de construção civil e mineração, detém marcas como Telhanorte, Brasilit, Cebrace, Toca Obra e Tumelero.
Presente nas cinco regiões do país, o mercado brasileiro representa um dos mais importantes da companhia com 16 marcas, R$ 8 bilhões em vendas (2018) e mais de 17 mil colaboradores. Globalmente, a operação da Saint-Gobain movimenta € 52,3 bilhões (US$ 63,28 bilhões) e emprega cerca de 170 mil pessoas no ramo industrial, distribuídas em 67 países –a operação latino-americana, comandada por Fournier, representa 6% dos negócios e é a maior em rentabilidade.
Durante a pandemia, momento desafiador para os grandes e pequenos negócios, a postura da companhia foi muito semelhante ao principal fator que norteia e motiva o executivo francês enquanto chefe da companhia: colocar as pessoas como principal prioridade. Neste sentido, a empresa paralisou fábricas durante o primeiro período de isolamento social, afastou funcionários classificados como grupo de risco e manteve 3.000 pessoas em trabalho remoto. A retomada da capacidade total de produção aconteceu a partir de julho de 2020 e, mesmo com toda a incerteza dos mercados e da economia de modo geral, a companhia cresceu 12% no ano passado. Nenhum funcionário foi dispensado durante o processo.
Em um movimento recente realizado na tarde de ontem (28), o grupo anunciou a inauguração da primeira unidade da OBRA JÁ!, em Campinas, no interior de São Paulo. A nova bandeira, voltada para o atacado da construção, oferece produtos e soluções pensados para profissionais do setor, como crédito facilitado, preços por unidade e por volume e, em breve, e-commerce independente e programa de relacionamento com o cliente.
Veja a seguir, a entrevista de Thierry Fournier, CEO da Saint-Gobain para América Latina, concedida com exclusividade para a Forbes Brasil:
Forbes: Conte um pouco sua formação e trajetória.
Thierry Fournier: Sou francês, nasci em 1972 e aos quatro anos fui para a África. Voltei para o meu país de origem aos 18 anos. Estudei engenharia na École Polytechnique e na École Nationale des Ponts et Chaussées. Comecei minha carreira na administração pública, no aeroporto de Nice, e aos 26 anos tinha 60 pessoas sob minha gestão. Na sequência, trabalhei como diretor de exploração de um porto. Entrei na Saint-Gobain no ano de 2005, em uma divisão de € 5 bilhões. Trabalhei pelo grupo em toda região soviética e retornei para a França em 2012 como CEO da divisão de materiais e construção. Entre 2014 e 2018, fui presidente da Saint-Gobain para América do Sul e em 2019 assumi a região Latam. Sou um cidadão do mundo.
F: Qual foi o momento mais desafiador da sua carreira? E o de maior satisfação?
TF: Desafios de negócios e entregar dividendos fazem parte. Logo, os momentos mais desafiadores são os acidentes de trabalho –eu não aceito e não tolero. É um choque emocional muito forte pelo qual já passei seis vezes. O mais satisfatório, é conhecer e ver pessoas ao meu redor crescerem, ganharem força e se tornarem líderes. Isso me anima muito, e eu trabalho para isso.
F: Já recebeu algum não? Qual seu maior aprendizado de carreira nestes anos de estrada e vida profissional?
TF: Claro! Um não é sempre uma oportunidade para fazer melhor na próxima vez. Lembro de um investimento que propus fazer na Rússia e foi recusado, tive dificuldade para engolir, mas aprendi muito. Quando fracasso, aprendo sobre mim, como antecipar melhor as situações e avaliar as oportunidades. Nos negócios, você encontra pessoas que tomam decisões pela intuição e outras por verificação matemática. Eu sou um cara 50/50. Aprendi a equilibrar ao longo dos anos.
F: Quais dicas você daria para jovens que estão iniciando suas vidas profissionais e planejam alcançar cargos de alto escalão em grandes companhias?
TF: O equilíbrio é importante para alavancar da melhor forma sem tomar muitos riscos e ter a certeza de que sempre é o melhor. Mas a dica principal é escolher onde você quer chegar em dez anos e qual é a sua ambição –pode ser social, profissional, humanitária. Busque isso em cada decisão do dia a dia e tenha em mente que esse objetivo pode mudar. Nada vai sair exatamente da forma esperada, mas ter um norte é a melhor opção. E tenha ambição, tudo é possível. Se o homem não quisesse ir para a Lua, ninguém teria chegado lá.
F: Quais características você considera mais importantes e de maior valor em um profissional?
TF: A honestidade e o engajamento. O meu papel é criar um clima de confiança e colaboração para incentivar as pessoas e deixar elas trabalharem sem interferir em tudo. Engajar pessoas é um trabalho de longo prazo, ganhar confiança demora, mas quando chega a esse momento as pessoas se tornam capazes de construir coisas incríveis.
F: Tem algum sonho ou meta que ainda queira alcançar?
TF: Sim. Temos muita responsabilidade social, somos grandes e impactamos a vida dos brasileiros. Quero poder fazer mais pela juventude e pelos setores em que atuamos. Ano passado fechamos uma parceria com a Unicef para educar pessoas e oferecer oportunidades. Também lançamos um programa de diversidade e inclusão, a ideia é ser exemplo e ter em nossas equipes pessoas de todos os extratos da sociedade.
F: Qual sua maior motivação e quem é sua maior inspiração profissional?
TF: A maior motivação são as pessoas, eu venho ao trabalho para contribuir para o desenvolvimento delas. Não tenho uma grande referência, acho que cada um precisa encontrar a melhor forma de aproveitar seus talentos e energia profissional. Todos somos diferentes, o melhor é se conhecer.
F:O que você faz para aliviar a pressão e quais são os seus hobbies?
TF: Para aliviar a pressão, eu não trabalho em casa. Me dedico 100% ao trabalho quando estou nele. Criar uma barreira entre o profissional e o pessoal requer muita disciplina –ainda mais com a facilidade que os celulares proporcionam de estar em contato com todo mundo a qualquer horário. Também pratico muito esporte e tenho muitos amigos.
F: Dos lugares por onde já passou, qual o seu favorito? E sobre o Brasil, o que o agrada e desagrada mais?
TF: Já visitei mais de 80 países. Amo a Ásia e a China, são lugares de oportunidade. Não tenho um lugar preferido, sou um cidadão do mundo com raízes francesas –gosto muito de queijos e vinhos.
É difícil fazer um resumo sobre o Brasil, é uma terra de otimismo, rica em recursos, gastronomia, praias, emoções, pessoas com vontade de crescer e fazer melhor. Nunca vi um país com tanto potencial, amei desde o primeiro dia que cheguei. Tem menos para melhorar em comparação ao que tem de bom. Aqui não tem resistência à mudança, existe um apetite para fazer as coisas de forma diferente. Por outro lado, como executivo, é preciso acompanhar de perto para não deixar as coisas se perderem. E, por fim, o brasileiro se encanta demais quando está no topo e é pessimista demais quando está em uma fase ruim. É muito importante tentar buscar a mediana entre os dois mundos.
F: Qual o balanço da operação da Saint-Gobain neste ano atípico de pandemia que paralisou diferentes setores da economia? Houve impacto negativo?
TF: No final de 2019, já tivemos problemas com a China. Aproveitamos a experiência dos colegas chineses para nos prepararmos da melhor forma possível. Em meados de março, a demanda caiu bastante. Abril foi um dos piores meses: paramos várias fábricas, mas conseguimos manter a maioria das operações em funcionamento, de acordo com o que era possível. A partir de maio percebemos uma melhoria e, em julho, já estávamos com capacidade total em todas as unidades do país.
A gestão de caixa foi um problema, mas conseguimos linhas de crédito em dois dias –acabamos não usando. No final das contas, conseguimos manter um bom fluxo e estamos em condições saudáveis. A Saint-Gobain sai da crise com crescimento entre 10 e 12%, não cortamos nenhum posto de trabalho e não fizemos nenhuma reestruturação.
Para 2021, esperamos crescimento de 17% no primeiro semestre.
F: Como a companhia lidou com a pandemia no quesito operacional e relação com os funcionários?
TF: Assim que a Covid chegou, mandamos todas as pessoas que não precisavam estar no escritório para casa. Mais de 3.000 pessoas passaram a trabalhar de casa, mais ou menos 2.000 só no Brasil. A força de trabalho das fábricas foi treinada e equipada com os EPIs necessários. As plantas também foram ajustadas para manter distanciamento social e trabalhamos a conscientização e suspendemos algumas operações temporariamente.
Hoje, voltamos aos escritórios de maneira cautelosa e em rodízio, funcionários do grupo de risco permanecem em trabalho remoto. Não tivemos nenhum caso de infecção no escritório. A cada semana, reunimos toda a diretoria e executivos para discutir a evolução –não só no factual mas também no emocional das equipes.
F: O período de pandemia, para além das dificuldades operacionais e de faturamento, gerou outro problema verificado por um levantamento da CNI: a escassez de matéria-prima para produção industrial. Esta problemática chegou às fábricas da Saint-Gobain, gerando diminuição na produção e até redução de faturamento? Se sim, como a companhia tem negociado e contornado a questão?
TF: Tivemos problemas de desabastecimento, mas conseguimos resolver porque temos fornecedores dentro e fora do Brasil. A distribuição encontrou problemas para receber produtos, como o aço, mas agora estamos voltando a um patamar mais saudável. Na parte da cerâmicas, ainda temos certa escassez, mas pela gama de opções finais ainda conseguimos satisfazer os desejos dos clientes. O ponto principal é que não perdemos oportunidades e passamos a negociar mais prazos para as entregas.
F: Qual a importância da operação da Saint-Gobain no Brasil?
TF:A operação da América Latina representa entre 6% e 7% dos negócios. Em termos de rentabilidade é a maior –o peso do resultado é maior que o do faturamento.
F: Como a Saint-Gobain está se posicionando em inovação aberta, visto que inovar faz parte do modus operandi da companhia?
TF: Em 2020 a Saint-Gobain no Brasil foi escolhida como a empresa mais inovadora do setor da construção pelo Prêmio Valor e, no ano passado, estivemos entre as dez mais inovadoras em todos os setores.
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Começamos uma jornada de inovação: revisamos nossa maneira de pensar o novo e treinamos nossas equipes para treinar. Entramos como parceiros no Cubo Itaú e estamos interagindo com mais de 500 startups –seja da área digital ou industrial. Temos mais de 100 projetos com startups. Também estamos trabalhando o intraempreendedorismo: o foco é trazer a cultura da agilidade, então deixamos para os funcionários a possibilidade de desenhar um plano para converter ideias em negócios. Hoje, no Brasil, 25% das vendas feitas pela companhia são de produtos que não existiam há cinco anos.
F: Quais as tendências de mercado identificadas pela Saint-Gobain nos setores em que atua?
TF: O setor da construção vai continuar forte. O industrial e o automotivo devem melhorar um pouco, mas ficar abaixo. Com a chegada da vacina, o nível de imprevisibilidade cai, mas precisamos ter certeza de que vamos nos ajustar independentemente do cenário. Já é a terceira crise que enfrento no Brasil e ainda não saímos dela, mas podemos ver a luz no fim do túnel. O que me preocupa é a onda que ainda vamos enfrentar economicamente no mundo todo. Quem vai pagar a conta da inflação? O longo prazo está cada dia mais próximo.
F: Existem planos de expansão ou aquisições no radar?
TF: Claro. Em cinco anos, fizemos 14 aquisições na região. Não tenho um plano em particular, são sempre oportunidades que se apresentam. Temos outros projetos na Colômbia, México, Chile e Argentina também.
Meu problema no Brasil agora é bom: após seis anos de parada de investimentos em fábricas, nosso time precisa correr para abrir novas plantas o mais rápido possível em Goiás. Estamos preparando um novo investimento lá.
F: Sobre a operação global, qual o faturamento da companhia, número de funcionários e crescimento da operação ao longo dos anos?
TF: O Grupo Saint-Gobain fatura € 52,3 bilhões. A companhia foi fundada em 1965, somos a mais antiga listada na bolsa francesa. Temos mais de 170 mil funcionários presentes industrialmente em 67 países, somos líderes ou colíderes em todos os nossos negócios.
F: Como a companhia trabalha o tópico sustentabilidade e o que tem feito para reduzir a pegada de carbono?
TF: Acabamos de nos comprometer para chegar à neutralidade de carbono em 2050. Para 2025, temos objetivos de reduzir a emissão de CO2, consumo de energia, de água e geração de lixo não reciclável. Temos objetivos para 2030 também: a meta é criar novos processos e descarbonizar nossas matérias-primas. Nós só vamos neutralizar a emissão, mas também fazemos parte da solução porque contribuímos para a reduzir o impacto ambiental onde nossos produtos estão.
F: Quais as diferenças de comportamento de consumo do mercado brasileiro em comparação às demais regiões?
TF: Aqui, eu vejo uma aceleração do digital muito grande, o e-commerce está explodindo mais do que em outros países do mundo. O brasileiro também compra muito por meio de promoções, ele olha mais os preços do que qualquer coisa. Dá para inserir mais valor agregado, mas o mercado nacional não compra. Por exemplo: temos um vidro autolimpante, ideal para regiões com muita chuva, mas não conseguimos emplacar este produto.
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