A voz de Freddy Heineken estalava enquanto um gravador era empurrado contra o bocal de um telefone público: “Esta é a Coruja… O resgate está pronto?… e o Rato está presente para partida imediata?”.
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Alfred “Freddy” Heineken, neto do fundador da cervejaria Heineken e gênio do marketing que transformou a cerveja em uma marca global, deixou seu escritório no centro de Amsterdã em uma noite fria de novembro de 1983. Ele esperava ser recebido por seu chofer de longa data, Ab Doderer. Mas, em vez disso, foi confrontado por homens armados, que, após uma breve briga, colocaram ele e seu motorista em uma van de entrega.
“Operação Rolls Royce”
O que Heineken não sabia na época era que sua mansão, escritório e rotina diária estavam sob vigilância há meses por uma gangue de cinco homens que havia planejado com precisão um crime com o objetivo de receber uma quantia exorbitante de dinheiro.
Os homens que perseguiam o bilionário – Cor van Hout, Willem Holleeder, Frans Meijer, Jan Boellaard e Martin Erkamps – se conheceram quando jovens em um bairro pobre da capital holandesa.
Em seu relato sobre o sequestro, publicado pelo jornalista holandês Peter R. de Vries, van Hout diz que o sucesso inicial de sua gangue começou com um negócio imobiliário legítimo, no qual ele e seus colaboradores usavam táticas questionáveis para expulsar invasores e inadimplentes, além de desenvolverem outras atividades mais obscuras que às vezes chamavam a atenção da polícia.
Van Hout afirma que os homens começaram a procurar um jeito de faturar alto depois que uma crise econômica os privou de hobbies como carros de luxo, cavalos de corrida e festas.
A polícia holandesa, no entanto, suspeita que os negócios imobiliários de van Hout eram apenas uma fachada para o envolvimento de sua gangue em uma série de assaltos à mão armada que foram investigados mas nunca resolvidos.
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“Nós estabelecemos alguns princípios. Para começar, o trabalho tinha que render um grande prêmio. Precisava resolver a nossa vida sem que acabássemos atrás das grades. A vítima tinha que ser alguém por quem um alto resgate pudesse ser pago rapidamente”, disse van Hout.
Heineken, como um empresário bem-sucedido da Holanda, já estava no radar dos homens por outras razões além de ser “podre de rico”, nas palavras de van Hout. O criminoso disse que, quando criança, gostava de olhar furtivamente para a Mercedes-Benz do magnata, e o pai de seu amigo Holleeder era um funcionário de longa data da cervejaria (antes de ser demitido por mau comportamento).
Amsterdã é uma cidade pequena – sua população ultrapassa por pouco os 800 mil habitantes hoje em dia. Van Hout contou ter esbarrado no magnata enquanto ele estava desprotegido andando pelas ruas da capital holandesa. Outra coincidência do caso: uma das testemunhas do sequestro era amiga tanto de Heineken quanto da mãe de Holleeder. Em uma demonstração do caminho violento que a gangue seguiria, Holleeder a empurrou para o lado enquanto um dos outros homens pulverizava seu rosto com gás lacrimogêneo.
Depois de escolher o “Beer King” como alvo, os homens brindaram com champanhe Dom Pérignon em uma festa de Ano Novo e colocaram em prática seu plano para sequestrar o bilionário. Van Hout mais tarde falaria sobre a meticulosa preparação para o sequestro, com a gangue construindo um arsenal de pistolas e Uzis, uma frota de seis carros roubados e uma trilha de pistas falsas para enganar os detetives.
Os reféns
Heineken e seu motorista, Doderer, foram levados às pressas para um armazém no oeste de Amsterdã, onde uma parede falsa havia sido construída para conter duas celas à prova de som. O sequestro era para durar apenas 48 horas, mas acabou se estendendo por 21 dias.
Seus sequestradores comemoraram e depois retornaram às suas rotinas normais para evitar levantar suspeitas de amigos, familiares ou policiais antes de fazer o pedido de resgate.
Heineken, que governava sua empresa com vontade de ferro, não parecia abalado pelo sequestro, mesmo quando seu cativeiro se estendeu por dias e depois por semanas. Van Hout contou que os sequestradores ficaram impressionados com a coragem e o humor de Heineken. “Ele realmente tinha um caráter forte, esse homem. Ele era quase uma espécie de psicólogo”, disse van Hout.
A vítima, então com 60 anos, bateu de frente com a gangue por causa da comida e das condições de seu cativeiro. Os sequestradores ficaram confusos com suas exigências por consommé e outras iguarias, e ele tentou subornar um dos captores para libertá-lo.
Heineken, algemado a uma parede da cela fria e úmida, pintou mais tarde um quadro sombrio das condições: “Sempre guardava uma fatia de pão para comer à noite ou na manhã seguinte, porque você nunca tinha certeza se haveria pão na manhã seguinte.”
A provação pesou muito para Doderer, que trabalhou para a Heineken por 40 anos, e os próprios sequestradores expressaram remorso pelo motorista. “Não podia perder meu juízo; precisava me manter ocupado para permanecer vivo. Depois de alguns dias, criei uma rotina para me manter ocupado. Tentei fazer exercícios, apesar de tudo. Eu tinha que me manter ocupado”, disse Doderer a repórteres após sua libertação.
Heineken e Doderer foram forçados a posar para várias fotografias de prova de vida durante seu cativeiro, mas nunca viram os rostos de seus captores e foram forçados a se comunicar apenas por meio de notas.
O resgate
A polícia recebeu ordens de sinalizar que o resgate estava pronto com um anúncio na seção pessoal de um jornal holandês que dizia: “O prado é verde para a Lebre”.
A gangue havia estudado de perto sequestros famosos, como os de Getty e Lindbergh, e tinha um plano igualmente elaborado para a entrega do resgate. Uma mensagem gravada de Heineken e Doderer reproduzida por uma chamada de um telefone público direcionaria a polícia para a primeira de uma série de mensagens ocultas que levariam os detetives a uma viagem pelo pequeno país.
O penúltimo passo era um carro com um walkie-talkie que seria usado para enviar instruções via rádio para parar em uma ponte rodoviária e jogar o resgate em um bueiro.
Dias de silêncio se seguiram antes que a gangue e os negociadores restabelecessem contato por meio de anúncios codificados em jornais. Enquanto isso, a polícia, agindo com base em uma denúncia anônima, colocou a gangue sob vigilância e rastreou seus membros, eventualmente se concentrando no armazém depois de ver os sequestradores pedirem comida chinesa para duas pessoas.
Os planos para uma segunda tentativa de entrega do dinheiro do resgate seguiram em frente enquanto as preocupações com a segurança dos reféns cresciam. A polícia planejava rastrear o dinheiro com uma câmera de visão noturna em um helicóptero, mas isso foi frustrado por um problema técnico.
Com helicópteros zumbindo no alto, a gangue sinalizou no walkie-talkie para Rato – o motorista da polícia que carregava o resgate – parar em um viaduto e jogar o dinheiro no bueiro marcado com um cone de trânsito. Exatamente de acordo com o plano, as cinco malas postais deslizaram pelo ralo e pousaram na caçamba de uma caminhonete à espera, e a gangue escapou sem ser observada.
Os homens foram de carro até uma área arborizada no sudeste de Amsterdã, onde esconderam o resgate em barris que depois foram enterrados. Em uma reviravolta tipicamente holandesa, eles fugiram de bicicleta.
No dia seguinte ao recebimento do resgate, a quadrilha percebeu que estava sob vigilância policial e marcou uma reunião para discutir seus planos. Eles estavam divididos entre fugir da Holanda ou ficar. Meijer decidiu ficar, e van Hout e Holleeder optaram por fugir para Paris. Van Hout e Holleeder ficariam foragidos, ou no limbo legal na França e no Caribe francês, até serem extraditados e finalmente condenados pelo sequestro em 1987.
A polícia holandesa, com o resgate pago e nenhuma palavra do sequestrador, invadiu o armazém e ficou inicialmente confusa com a parede falsa antes de descobrir as celas escondidas. “Você não poderia ter vindo um pouco mais cedo?”, Heineken perguntou aos policiais que o socorreram.
“Freddy Heineken mexeu comigo”
Anos após ser libertado da prisão, o mentor da trama, van Hout, disse a sua cunhada, Astrid Holleeder, que o sequestro de Heineken o havia amaldiçoado. Suas palavras poderiam ter sido um aviso para todos os membros da gangue.
Jan Boellaard foi condenado a 12 anos por sua participação no sequestro e ficou mais uma década na prisão pelo assassinato de um agente alfandegário holandês em 1994.
Frans Meijer se entregou à polícia depois de alegar ter queimado sua parte do dinheiro do resgate em uma praia. Ele escapou de um centro médico depois de fingir ter uma doença mental e fugiu para o Paraguai. Após uma longa batalha legal, ele foi extraditado para a Holanda em 2002. Meijer foi baleado pela polícia holandesa enquanto tentava roubar uma van de transporte de dinheiro em 2018 e foi condenado e sentenciado a três anos de prisão no início de 2019.
Honra entre ladrões
Van Hout saiu de um restaurante em Amsterdã em 2003 sob uma saraivada de balas. Na época de sua morte, ele já era considerado quase uma celebridade pelo sequestro, por seu estilo de vida chamativo como líder do crime organizado holandês e por sobreviver a duas tentativas anteriores de assassinato.
Apesar de van Hout falar sobre a “camaradagem única, indestrutível, abrangente e eterna” que havia entre ele e os outros sequestradores de Freddy Heineken, ele acabou sendo traído pelo seu amigo mais próximo.
Holleeder e van Hout eram cunhados e amigos de infância, passaram anos fugindo e enfrentaram juntos a notória prisão de Sante, na França. Mas Willem “Wim” Holleeder acabou sendo responsável pelo assassinato de seu ex-aliado.
Holleeder, apelidado de “O Nariz”, foi condenado por organizar o assassinato de van Hout em julho de 2019 em um processo judicial extraordinário no qual foram reproduzidas gravações secretas feitas por Astrid nas quais Wim confessava vários crimes.
No mesmo julgamento, Holleeder também foi condenado pelos assassinatos de Thomas van der Bijl – que supostamente lhe ajudou a lavar o dinheiro restante do resgate usando imóveis e bordéis – e de outros três homens ligados ao crime organizado holandês.
Holleeder negou veementemente as acusações, e seus advogados entraram com um recurso contra sua condenação e sentença de prisão perpétua em agosto de 2019.
Legado de Freddy Heineken
Sua perspicácia nos negócios também permaneceu intacta, e ele continuou a administrar a cervejaria até 1989 e a holding da marca de cerveja até 2001, pouco antes de sua morte, em 2002.
Mas a imagem de Heineken que surgiu após o sequestro era diferente daquela do empresário com estilo de vida luxuoso que era convidado para festas da realeza holandesa e encantou a mídia com frases como “Eu não vendo cerveja… eu vendo calor” nas raras entrevistas que deu após o sequestro.
A jornalista Barbara Smit descreveu como foi encontrar um Heineken “agitado” em um café de Amsterdã, sob o olhar atento de seus guarda-costas, em seu livro sobre a marca de cerveja e a família de mesmo nome.