Desce do salto! Ou o que autoestima tem a ver com rasteirinhas

31 de março de 2023
Melissa Fitzpatrick

Esse não é um convite para aposentar os saltos, mas para reconhecermos quando estamos subindo no degrau para fugir do nosso (des)equilíbrio interno

Eu tinha o hábito de esconder minhas dores com maquiagem e de tentar elevar minha autoestima subindo no salto. Até que um dia, depois de uma cirurgia para retirar uma hérnia umbilical, fui obrigada a confrontar meus vazios e admitir as estratégias de fuga que tentavam consertar, no espelho, um vazio que só poderia ser curado do lado de dentro.

Essa história aconteceu há dez anos, mas mudou radicalmente a função das bolsas, sapatos e maquiagem na minha vida. Deixaram de ser remédio e voltaram para a prateleira de acessórios. Aliás, que bom. Porque enquanto tratados como remédio, nunca curaram nada. Eram apenas analgésicos com tempo de curtíssimo de duração e com efeitos colaterais graves de dependência e alienação.

Há dez anos, eu fiz uma cirurgia para retirar uma hérnia, no umbigo. Nada muito grave. É que minha barriga na gravidez dos meus filhos gêmeos ficou de um tamanho tão absurdo que seria natural que eu tivesse alguma “sequela”. Fui poupada das temidas estrias, mas precisei fazer essa intervenção cirúrgica por causa da hérnia. Essa informação é irrelevante, eu sei, mas vai fazer sentido quando eu te contar o que isso tem a ver com meu sapato de salto alto.

>> Leia também: Look de trabalho: mulheres trocam salto por tênis

Logo depois da cirurgia, marquei uma sessão com uma terapeuta espiritual, uma pessoa de sensibilidade aguçada e que teve um papel importante na desconstrução daquilo que eu, há uma década atrás, chamava de autoestima.

Debilitada e ainda cheia de incômodos no abdome, vesti a calça mais larguinha do meu closet e uma camiseta básica. Calcei a sapatilha. Tirei. Calcei uma rasteira. Tirei. Olhei pra sapateira e não pensei duas vezes. Catei o Louboutin preto que me deixava quase um degrau mais alta e, finalmente, sorri com a imagem no espelho. Na hora, de relance, me perguntei se daria conta de me equilibrar. E aí veio a memória da gravidez, dos dois filhos no colo, das festas intermináveis de casamento… E o raciocínio foi lógico: se em todas essas circunstâncias eu tinha conseguido me sustentar confortavelmente no salto, duas horinhas de plataforma não fariam mal a um simples umbigo operado. E, assim fui, para a consulta.

A primeira reação da terapeuta foi tentar me dar as mãos, assustada, para que eu andasse com mais facilidade até me sentar. Dispensei, e sorri: “não precisa, tô super acostumada.” Sentei. E ela perguntou se eu não queria tirar o sapato. Expliquei que, desde sempre, tentando compensar a reposição hormonal que eu não quis fazer para crescer mais, eu aprendi a me equilibrar no salto. E que já era quase tão automático quando caminhar de tênis. Ela sorriu, me ofereceu um chá, e começamos a conversa.

Passei “horas” dissertando sobre a avalanche de acontecimentos pós-cirurgia, muito interessada em saber qual relação aquilo tudo tinha, em termos de leitura corporal, com o umbigo que tinha sido aberto. E, ao final da consulta, tudo que escutei foi: “toda vez que você se sente assim, insegura, você sobe no salto?” Eu sabia. Ela é sagaz demais para ter deixado morrer o assunto do sapato…

Sem resposta, busquei na memória, com pouco esforço, incontáveis vezes em que acordei sem me sentir muito firme (por dentro) e tratei de consertar a imagem (por fora). Desnecessário contar que, nessas ocasiões, eu também escolhi o par de plataformas em detrimento das sandálias rasteiras. E foi em meio a essas lembranças que a pergunta, na minha cabeça, se inverteu: será então que toda vez que eu uso salto, eu estou insegura?

Não necessariamente. Mas era verdade que, naquele dia, eu estava ali me sentindo esgotada, acabada e, embora eu não tivesse verbalizado, insegura. E o sapato foi escolhido na esperança inconsciente de que dar alguns centímetros extras ao meu ego me traria de volta meu senso de valor. E foi naquele dia que eu realizei que a cura da autoestima não funciona assim.

Quantas vezes, precisando juntar as peças do meu quebra-cabeça interno, liguei o babyliss na tomada, tentando fazer as pazes com a imagem que aparece do lado de lá? Quantos rituais básicos de corretivo, pó, blush e rímel já foram feitos, em vão, para tentar reparar problemas que só se resolvem enfrentando o espelho de cara lavada? Quantos vestidos fabulosos eu já comprei em momentos que tudo que eu precisava para me cobrir era um abraço confortante?

O salto não precisa ser aposentado. A elegância do equilíbrio pode ser cultivada e exercitada sem culpa. A estética faz parte do cuidado com o nosso corpo e é saudável que a gente busque admirar o que vê no espelho. A atenção deve estar na finalidade, e não no uso. Salto e maquiagem nunca fizeram calar a angústia de ninguém. Nunca resolveram a sensação frustrante de não se sentir bem na própria pele. Funcionam como maquiagem cujo efeito é tão volátil, que pode ser removido com água.

O efeito Cinderela não sobrevive ao tempo. Logo a meia-noite chega, a carruagem vira abóbora e a nossa bagunça interna novamente se desdobra.

E, não me entendam mal, não é um convite para aposentar os saltos. Mas apenas para que possamos nos observar com honestidade, e reconhecer quando estamos apenas nos equilibrando no salto, e quando estamos subindo no degrau para fugir do nosso (des)equilíbrio interno.

E, para todas que também curtem um Louboutin, vale anotar a dica: em dias de insegurança, deixe as rasteirinhas na espreita.

*Carol Rache é empresária, fundadora do grupo Namah Wellness de inteligência emocional e o bem-estar. Há 10 anos ela se dedica ao estudo do comportamento humano usando neurociência, metafísica, meditação, yoga e coaching.

Os artigos assinados são de responsabilidade exclusiva dos autores e não refletem, necessariamente, a opinião de Forbes Brasil e de seus editores.