Participação das mulheres no topo do judiciário brasileiro é coisa rara

20 de setembro de 2023
Carlos Moura/STF

Rosa Weber (à esqueda) e Carmén Lúcia (à direita): até hoje só elas e Ellen Gracie foram as ministras em 132 anos do STF

As cortes superiores em todo o mundo têm, em média, 26% de mulheres em suas composições. Parece pouco, mas o Brasil ainda está abaixo. O país tem um percentual de 11,1% de nomeações de profissionais do gênero feminino entre 2000 e 2021, segundo uma pesquisa feita pela Universidade de Oxford em parceria com a Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil). Ao STF (Supremo Tribunal Federal), mais especificamente, só três mulheres foram nomeadas em 132 anos de história: Ellen Gracie, Cármen Lúcia e Rosa Weber foram as únicas entre os 171 juízes que já ocuparam as cadeiras do tribunal – e nenhuma delas é negra. 

De acordo com o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), as mulheres são 45,7% dos juízes substitutos, 39,3% dos juízes titulares, 25,7% das desembargadoras e 26,5% presidentes dos tribunais.

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Rosa Weber se aposenta no final do mês e há uma pressão de movimentos pela equidade para que o presidente indique uma mulher para a vaga. Reivindicações acompanharam o presidente em suas viagens internacionais do último mês, de Nova Déli, na Índia – com outdoors da campanha “Ministra Negra no STF”  – à Times Square, Nova York, com a exibição de um curta-metragem do IDPN (Instituto de Defesa da População Negra) na semana passada. 

No último ano, ocorreram duas nomeações de mulheres para cargos em cortes superiores. Edilene Lôbo, em agosto, tomou posse como suplente no TSE e se tornou a primeira ministra negra da corte – evento no qual ela destacou a importância da sua nomeação para a presença de mulheres negras em espaços de poder. E a advogada Daniela Teixeira, indicada pelo presidente Lula para compor o STJ (Supremo Tribunal de Justiça) e a única mulher na lista tríplice da advocacia para a indicação à corte. “Como OAB-SP, conseguimos incentivar nomes que não teriam esse espaço de visibilidade, mas que merecem as mesmas oportunidades”, diz Patricia Vanzolini, presidente da OAB-SP e apoiadora da indicação de Teixeira.

“Eu nunca almejei ou me imaginei nesse lugar, já que racismo e sexismo no Brasil limitam nossas expectativas e sonhos. Foram os movimentos sociais que me alertaram para esse desafio como projeto coletivo de democracia”, diz Lívia Sant’Anna Vaz, promotora de Justiça há mais de 20 anos na Bahia e cujo nome vem sendo citado por campanhas e movimentos de equidade, como o Mulheres Negras Decidem, como uma das possibilidades para a vaga de Rosa Weber. Apesar de serem o maior segmento social brasileiro, com 28% da população, as mulheres negras são só 5% dos juízes, de acordo com um levantamento do CNJ feito no início do ano.

Além de Vaz, a advogada Soraia Mendes e a juíza federal Adriana Cruz são os outros dois nomes que aparecem como possibilidades.“Sei a responsabilidade de dizer: ‘Eu estou preparada para ser ministra do STF. Eu me reconhecer como uma figura capacitada auxilia minhas irmãs negras e, possivelmente, todas as mulheres, a também se verem neste lugar”, diz Soraia Mendes.

Por que mulheres são menos promovidas no judiciário

A magistratura também tem se movimentado pelo reconhecimento de que mulheres são menos promovidas para cargos de liderança, como para desembargadoras e ministras. Uma carta do movimento “Paridade no Judiciário”, criado por magistradas em prol da igualdade de gênero na magistratura, já foi assinada por mais de 1,5 mil juízes e vê como retrocesso a nomeação de um homem para a vaga deixada por Weber. A atual presidente do CNJ, por sua vez, julgou nesta terça-feira (19) uma resolução que define que a promoção para juízes de segunda instância alterne entre mulheres e homens até que os tribunais atinjam 40% de composição feminina.

A juíza Mariana Yoshida, do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul e parte do movimento de juízas em prol da igualdade na magistratura, é uma das acadêmicas pioneiras em pesquisar como as questões de gênero afetam a progressão de carreira de juízas. A pesquisa que ela fez em 2022 pela Enfam (Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados) mapeou oito principais barreiras que mulheres enfrentam para ocupar cargos na segunda instância do Judiciário, que vão desde o ingresso desigual nos concursos públicos para a magistratura até atitudes discriminatórias durante a carreira e um maior impacto das promoções nas vidas pessoais das magistradas – que, muitas vezes, requerem que elas mudem suas rotinas familiares ou mudem de cidade.

Quase metade (46,9%) das juízas já deixaram em segundo plano a ascensão profissional pela acumulação de responsabilidades familiares, enquanto 31% recusaram promoções pelo impacto delas em suas vidas pessoais. É o que mostra um estudo da Enfam publicado em março deste ano, com dados de mais de 1,4 mil magistradas do final do ano passado. Em relação à discriminação, 55% já passaram por alguma ação preconceituosa por serem mulheres e 27% já sofreram de assédio moral e 20% de assédio sexual no exercício da profissão. Finalmente, 55% sentem que têm que trabalhar mais do que homens para serem reconhecidas profissionalmente.

As relações profissionais na magistratura e na política também têm um importante papel na progressão de carreira. “Existe uma dinâmica relacional dentro da magistratura que vai ser determinante para você chegar a posições específicas”, diz Yoshida.

Representatividade contribui para a justiça

Para a presença de mais pessoas negras na magistratura, já foram implementadas cotas raciais para que 20% dos ingressantes em concursos federais para juízes sejam negros. No entanto, nos últimos anos, a proporção de magistrados negros que tomaram posse tem caído, indo de 28,4% em 2020 para 20,5% em 2023, segundo dados do CNJ. “Já podemos perceber que as cotas raciais mantiveram o ingresso de mulheres negras na magistratura no mesmo patamar”, diz Yoshida.

A representatividade nas cortes deve retratar a composição da população brasileira, na qual a população negra é maioria (56%), segundo a presidente da OAB-SP. “A falta de representatividade e diversidade impacta muito nas decisões. Não é possível a existência de uma Justiça exercida apenas por uma parcela da sociedade, representada na figura do homem branco, principalmente porque essa simplesmente não é a maioria da população brasileira”, diz Patricia Vanzolini.

Vivências de pessoas diversas e contextos diversos nos tribunais são fundamentais para que a democracia também esteja presente neste poder. “A forma como nós construímos a Justiça também tem a ver com as experiências de vida de cada um. Então, as perspectivas de pessoas negras e, sobretudo, de mulheres negras precisam estar nesses ambientes”, diz Lívia Vaz.