A estimativa é de um estudo da Aliança Por Internet Acessível (A4AI) publicado hoje (2), que calcula que 20% das pessoas mais pobres no Brasil precisariam usar 8% de sua renda mensal para comprar apenas 1GB de dados. Segundo a pesquisa, embora o Brasil, de forma geral, atenda ao limite de acessibilidade de dados da ONU, em que 1GB custa 1,3% da renda média, as diferentes realidades vistas no país impedem que essa visão seja concreta em todo o país.
Siga todas as novidades da Forbes Insider no Telegram
“Em função de seu tamanho e de sua geografia diversa, e principalmente da desigualdade socioeconômica no país, não existe um Brasil apenas, mas muitos ‘Brasis”, diz Sônia Jorge, diretora executiva da A4AI, em entrevista à Forbes sobre os desafios da conectividade no Brasil. “E [a desigualdade] se tornou ainda mais visível no decorrer da pandemia da Covid-19.”
O Brasil ocupa a 12ª posição em um ranking no estudo, que mede a eficácia de políticas públicas de banda larga e ambientes regulatórios associados à redução dos preços da internet em 72 países de baixa e média renda. Em comparação, a Colômbia ficou em 2º lugar, seguida da Costa Rica, Argentina e Peru. Na 9ª posição, a República Dominicana também teve um desempenho superior ao do Brasil.
A A4AI, que é uma iniciativa desenvolvida pela Web Foundation, organização criada pelo inventor da internet Tim Berners-Lee, já defendia uma agenda de democratização do acesso antes da emergência do novo coronavírus, mas a crise sanitária tem aumentado o senso de urgência em relação ao tema. Mais de 3,6 bilhões de pessoas estão offline no mundo, segundo a A4AI, a maioria em países de baixa renda.
LEIA MAIS: Porto Digital lança iniciativa que oferece wi-fi gratuito à comunidade no Recife
“Nas áreas com menor densidade populacional, no entanto, a conta por vezes não fecha para os operadores – e, por isso, o Estado deve planejar políticas para estas regiões”, diz ela, acrescentando que a concentração de mercado, mesmo em grandes cidades, também contribui para os preços altos, e que aumentar a concorrência é crucial para tornar os planos mais acessíveis.
Segundo o relatório da A4AI, que tem o apoio dos parceiros globais Sida e Google, o Brasil decepciona com políticas e planejamento deficientes de banda larga. “O governo mostrou pouco interesse no desenvolvimento da banda larga, especialmente para pessoas de baixa renda e nas áreas rurais,” diz o relatório.
Segundo Sônia, a exclusão digital no Brasil precisa ser combatida através de esforços focados na universalização da banda larga e a A4AI estima que um investimento de R$ 60 bilhões seria necessário para conectar a população brasileira até 2030. A meta precisa ser a conectividade significativa – ou seja, uma situação em que as pessoas têm acesso à rede em uma velocidade e custo aceitáveis, com uma franquia de dados suficiente para o uso regular, bem como um dispositivo adequado para uso.
Por outro lado, a diretora da Aliança nota que a aprovação do PL172 referente ao Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST) deve impulsionar o desenvolvimento da banda larga no país. “É importante, no entanto, que os valores do FUST não continuem sendo contingenciados como antes, e que sejam de fato usados em redes de infraestrutura para prover conectividade em áreas rurais e/ou remotas”, afirma a especialista.
Além disso, a A4AI propõe investimento em redes de backbone e backhaul, assim como em outros aspectos político-regulatórios. A iniciativa desenvolveu um corpo de sugestões de políticas públicas para aumentar o alcance da banda larga em economias em que a exclusão é notável, que incluem programas de letramento digital da população rural, políticas que protejam os dados pessoais e a privacidade deste segmento da população e isenções fiscais para serviços fornecidos em áreas consideradas digitalmente marginalizadas.
Um outro estudo, da Fundação Getúlio Vargas, sugere que já existem mais smartphones do que pessoas no Brasil – são mais de 227 milhões de dispositivos ativos no país. Por outro lado, cerca de 17% dos habitantes não têm acesso a qualquer tipo de tecnologia móvel, segundo a Anatel.
Tais dados podem levar o observador incauto a pensar que a maioria das pessoas no Brasil – mesmo as mais desfavorecidas – tem acesso a um smartphone que supre grande parte das atividades cotidianas no meio digital, mesmo que tal cenário esteja longe do ideal. No entanto, a diretora da A4AI diz que existem diversas outras nuances a serem consideradas.
VEJA TAMBÉM: Negros e pobres sofrem com exclusão digital durante a pandemia
Além das limitações de acesso a dispositivos e letramento digital que possibilite a execução online de atividades do dia a dia – como estudar, trabalhar, acessar uma conta bancária ou serviços públicos -, há a questão do custo dos dispositivos, que também está entre os fatores investigados no relatório.
Segundo a última edição da pesquisa sobre acesso a smartphones da A4AI, o custo de um celular no Brasil equivale a cerca de 10,5% da renda mensal média da população. Isso coloca o país em desvantagem em relação a mercados como a Costa Rica, em que um celular custa 6% do ganho mensal, e melhor posicionado em relação à Nicarágua, onde um dispositivo custa 33% do do ganho mensal médio do país.
“Uma das razões pelas quais os smartphones são tão caros no Brasil é que há diferentes tributos que neles incidem – e esta carga tributária é uma das maiores do mundo”, diz Sônia.
A A4AI não defende o uso exclusivo do smartphone, apesar de evidenciar em suas pesquisas que o dispositivo se tornou um importante instrumento, inclusive no âmbito educacional – mas não deve ser o único, segundo Sônia: “É de grande importância que as pessoas não apenas tenham acesso a smartphones, mas a dispositivos como computadores e laptops, assim como as habilidades necessárias para usá-los”.
Angelica Mari é jornalista especializada em inovação há 18 anos, com uma década de experiência em redações no Reino Unido e Estados Unidos. Colabora em inglês e português para publicações incluindo a FORBES (Estados Unidos e Brasil), BBC e outros.
Twitter
Instagram
YouTube
LinkedIn
Siga Forbes Money no Telegram e tenha acesso a notícias do mercado financeiro em primeira mão
Baixe o app da Forbes Brasil na Play Store e na App Store.
Tenha também a Forbes no Google Notícias.