Conectividade para quem? Custo de internet é alto demais para 60% dos brasileiros

2 de dezembro de 2020
Divulgação

Sônia Jorge, diretora executiva da A4AI: 20% das pessoas mais pobres no Brasil precisariam usar 8% de sua renda mensal para comprar apenas 1GB de dados

O acesso à internet torna-se cada vez mais importante para existir desde o início da pandemia, mas a desigualdade no Brasil significa que o custo dos dados permanece fora do alcance de 60% dos brasileiros.

A estimativa é de um estudo da Aliança Por Internet Acessível (A4AI) publicado hoje (2), que calcula que 20% das pessoas mais pobres no Brasil precisariam usar 8% de sua renda mensal para comprar apenas 1GB de dados. Segundo a pesquisa, embora o Brasil, de forma geral, atenda ao limite de acessibilidade de dados da ONU, em que 1GB custa 1,3% da renda média, as diferentes realidades vistas no país impedem que essa visão seja concreta em todo o país.

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Um gigabyte de dados móveis no Brasil custa cerca de R$ 40 mensais. O estudo da A4AI indica que, para a maioria da população brasileira, esse valor pago é muito alto e está além do limite estabelecido pela Organização das Nações Unidas, de que esta quantidade de dados deveria custar no máximo 2% da renda mensal de uma pessoa.

“Em função de seu tamanho e de sua geografia diversa, e principalmente da desigualdade socioeconômica no país, não existe um Brasil apenas, mas muitos ‘Brasis”, diz Sônia Jorge, diretora executiva da A4AI, em entrevista à Forbes sobre os desafios da conectividade no Brasil. “E [a desigualdade] se tornou ainda mais visível no decorrer da pandemia da Covid-19.”

O Brasil ocupa a 12ª posição em um ranking no estudo, que mede a eficácia de políticas públicas de banda larga e ambientes regulatórios associados à redução dos preços da internet em 72 países de baixa e média renda. Em comparação, a Colômbia ficou em 2º lugar, seguida da Costa Rica, Argentina e Peru. Na 9ª posição, a República Dominicana também teve um desempenho superior ao do Brasil.

A A4AI, que é uma iniciativa desenvolvida pela Web Foundation, organização criada pelo inventor da internet Tim Berners-Lee, já defendia uma agenda de democratização do acesso antes da emergência do novo coronavírus, mas a crise sanitária tem aumentado o senso de urgência em relação ao tema. Mais de 3,6 bilhões de pessoas estão offline no mundo, segundo a A4AI, a maioria em países de baixa renda.

Para ilustrar a urgência da conectividade, Sônia cita dados do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), que sugerem que apenas 40% dos domicílios brasileiros têm acesso a um computador e banda larga, e o celular é o dispositivo mais utilizado no Brasil para trabalhar e estudar remotamente durante a pandemia. Segundo Sônia, a falta de cobertura se deve ao foco das empresas em áreas com grande concentração de pessoas.

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“Nas áreas com menor densidade populacional, no entanto, a conta por vezes não fecha para os operadores – e, por isso, o Estado deve planejar políticas para estas regiões”, diz ela, acrescentando que a concentração de mercado, mesmo em grandes cidades, também contribui para os preços altos, e que aumentar a concorrência é crucial para tornar os planos mais acessíveis.

Segundo o relatório da A4AI, que tem o apoio dos parceiros globais Sida e Google, o Brasil decepciona com políticas e planejamento deficientes de banda larga. “O governo mostrou pouco interesse no desenvolvimento da banda larga, especialmente para pessoas de baixa renda e nas áreas rurais,” diz o relatório.

A A4AI defende a visão de que governos precisam agir para entregar seus planos nacionais de banda larga e reduzir o custo do acesso à rede – assim como tem feito os governos de países como a Tailândia e o Nepal. O relatório nota que a regressão ou paralisia em iniciativas relacionadas ao combate à exclusão digital que ocorre no Brasil, e outros países latinos como México e Guatemala, afeta principalmente os pobres e em particular mulheres de baixa renda.

Segundo Sônia, a exclusão digital no Brasil precisa ser combatida através de esforços focados na universalização da banda larga e a A4AI estima que um investimento de R$ 60 bilhões seria necessário para conectar a população brasileira até 2030. A meta precisa ser a conectividade significativa – ou seja, uma situação em que as pessoas têm acesso à rede em uma velocidade e custo aceitáveis, com uma franquia de dados suficiente para o uso regular, bem como um dispositivo adequado para uso.

Por outro lado, a diretora da Aliança nota que a aprovação do PL172 referente ao Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST) deve impulsionar o desenvolvimento da banda larga no país. “É importante, no entanto, que os valores do FUST não continuem sendo contingenciados como antes, e que sejam de fato usados em redes de infraestrutura para prover conectividade em áreas rurais e/ou remotas”, afirma a especialista.

Além disso, a A4AI propõe investimento em redes de backbone e backhaul, assim como em outros aspectos político-regulatórios. A iniciativa desenvolveu um corpo de sugestões de políticas públicas para aumentar o alcance da banda larga em economias em que a exclusão é notável, que incluem programas de letramento digital da população rural, políticas que protejam os dados pessoais e a privacidade deste segmento da população e isenções fiscais para serviços fornecidos em áreas consideradas digitalmente marginalizadas.

SMARTPHONES E A EXCLUSÃO DIGITAL

Um outro estudo, da Fundação Getúlio Vargas, sugere que já existem mais smartphones do que pessoas no Brasil – são mais de 227 milhões de dispositivos ativos no país. Por outro lado, cerca de 17% dos habitantes não têm acesso a qualquer tipo de tecnologia móvel, segundo a Anatel.

Tais dados podem levar o observador incauto a pensar que a maioria das pessoas no Brasil – mesmo as mais desfavorecidas – tem acesso a um smartphone que supre grande parte das atividades cotidianas no meio digital, mesmo que tal cenário esteja longe do ideal. No entanto, a diretora da A4AI diz que existem diversas outras nuances a serem consideradas.

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“Mesmo que o número total de dispositivos seja bastante relevante, isso não quer dizer que todas as pessoas no Brasil tenham de fato um smartphone ou que o dispositivo seja ‘inteligente’ o suficiente para possibilitar que qualquer conteúdo ou serviço seja acessado”, explica Sônia. “É importante também que as pessoas tenham as habilidades digitais necessárias para usufruir dos benefícios possibilitados pela conectividade. Muitas vezes estes conhecimentos e habilidades não estão presentes, o que ainda é um problema”, acrescenta a especialista.

Além das limitações de acesso a dispositivos e letramento digital que possibilite a execução online de atividades do dia a dia – como estudar, trabalhar, acessar uma conta bancária ou serviços públicos -, há a questão do custo dos dispositivos, que também está entre os fatores investigados no relatório.

Segundo a última edição da pesquisa sobre acesso a smartphones da A4AI, o custo de um celular no Brasil equivale a cerca de 10,5% da renda mensal média da população. Isso coloca o país em desvantagem em relação a mercados como a Costa Rica, em que um celular custa 6% do ganho mensal, e melhor posicionado em relação à Nicarágua, onde um dispositivo custa 33% do do ganho mensal médio do país.

“Uma das razões pelas quais os smartphones são tão caros no Brasil é que há diferentes tributos que neles incidem – e esta carga tributária é uma das maiores do mundo”, diz Sônia.

A centralidade do smartphone enquanto único dispositivo conectado e o acesso inexistente ou precário à internet traz uma série de desdobramentos. Segundo o estudo do CGI.br, a prevalência do uso de smartphones é maior entre as classes D e E – por exemplo, 54% dos estudantes mais pobres só usam o celular, comparado aos 22% que só usam dispositivos móveis nas classes A e B. Isso traz uma série de complicações, desde a dificuldade de tirar dúvidas até a falta de interesse em estudar.

A A4AI não defende o uso exclusivo do smartphone, apesar de evidenciar em suas pesquisas que o dispositivo se tornou um importante instrumento, inclusive no âmbito educacional – mas não deve ser o único, segundo Sônia: “É de grande importância que as pessoas não apenas tenham acesso a smartphones, mas a dispositivos como computadores e laptops, assim como as habilidades necessárias para usá-los”.

Angelica Mari é jornalista especializada em inovação há 18 anos, com uma década de experiência em redações no Reino Unido e Estados Unidos. Colabora em inglês e português para publicações incluindo a FORBES (Estados Unidos e Brasil), BBC e outros.

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