Ainda hoje, 55 anos depois, a obra apresentada no casamento de Oldenburg parece aguardar um convidado que ainda não chegou para a festa. E se esse hóspede rebelde encontrar a fatia, atualmente em exibição no Museu de Arte da Universidade do Arizona, ele certamente terá muitos outros produtos comestíveis para apreciar além do bolo. A Arte da Comida é literalmente um banquete para os olhos.
LEIA TAMBÉM: Gado que come algas marinhas se torna 90% menos gasoso, e isso é bom para o planeta
No entanto, a prevalência da comida como um tema artístico não pode ser totalmente explicada pela necessidade dos pintores de demonstrar suas proezas artísticas ou mesmo pela necessidade das sociedades se envolverem no pensamento mágico. Muitos dos trabalhos incluídos na exposição do Museu de Arte da Universidade do Arizona sugerem outras motivações, que vão desde a sensual até a intelectual.
A sensualidade da comida fica evidente nas gravuras de Sherrie Wolf, que justapõem nus famosos com frutas frescas. Uma escultura de porcelana de Chris Antemann [artista norte-americana conhecida por suas paródias contemporâneas de estatuetas de porcelana do século 18] torna a conexão ainda mais explícita, ao mesmo tempo que a problematiza. Habilmente trabalhada na tradição de Meissen, sua miniatura mostra uma mesa carregada de iguarias, uma das quais passa a ser uma mulher seminua. A comida é provocativamente erotizada no mesmo espaço em que a figura feminina é explicitamente mostrada.
Damien Hirst [uma das mais proeminentes figuras do grupo Young British Artists] captura uma visão muito diferente da comida em sua série de gravuras de tela da Última Ceia. Omeletes, sanduíches e saladas ganham embalagens de fármacos, evocando a ênfase na funcionalidade e a preferência pelo artifício na sociedade contemporânea: o alimento serve a um propósito. Neste enquadramento, o apetite é uma extravagância.
Com sua lembrança de casamento, Oldenburg oferece uma doce resposta a Beuys e Hirst. Embora seja manifestamente algo que não se pode comer, sua fatia de bolo falsa oferece um deleite visual que pode ativar sinesteticamente os centros de prazer negados pela comida em seu estado primordial. [nota da redação: sinestesia é o recurso estilístico no qual se utilizam palavras e expressões associadas às diferentes sensações percebidas pelo corpo humano, como visão, audição, olfato, paladar e tato, para gerar um efeito discursivo]. Talvez esta seja a melhor explicação para o fascínio insaciável da arte inspirada na comida. Simplificando, temos fome disso.
* Jonathon Keats é colaborador da Forbes EUA, crítico e artista, autor das obras “Você pertence ao Universo: Buckminster Fuller e o Futuro” e “Forjado: Por que as falsificações são a grande arte de nossa época”, ambos publicados pela Oxford University Press.