O que pensa a gaúcha Mariana Tellechea, a primeira mulher na Angus Brasil

18 de janeiro de 2023
Vera Ondei

Mariana Tellechea é a primeira mulher na presidência da ABA

Mariana Tellechea tem 59 anos e completa 60 no próximo dia 21 de novembro, no mesmo ano em que a ABA (Associação Brasileira de Angus) também faz 60 anos de sua fundação. Eleita presidente da entidade que representa os criadores da raça de bovinos angus no final do ano passado, nesta segunda (16) ela comandou os trabalhos da primeira reunião de diretoria. O fato é um marco por ser a primeira vez na história da associação que uma mulher assume o cargo e por ser uma das raras lideranças a chegar no topo.

A pecuarista é o retrato do que ocorre em toda a sociedade e o agro não está fora do movimento: as mulheres buscam cada vez mais por espaços de liderança, embora ela admita que nunca havia pensado em chegar à presidência de uma das principais associações de criadores de gado no país. “Levei um susto, mas aceitei na hora. Foi só o tempo de avisar a família”, diz.

LEIA MAIS: Mulheres na liderança geram mais riqueza, diz CEO de empresa global de RH

O susto está longe de ser traduzido como despreparo para a função, porque a pecuária não é novidade em sua vida. Mariana nasceu em uma fazenda gaúcha, a Cabanha Paineiras, no município de Uruguaiana, onde o Brasil faz fronteira fluvial com a Argentina e o Uruguai. Foi morar na cidade somente ao chegar à idade escolar.

Em 1975, aos 12 anos, quando o pai Flávio Tellechea – o primeiro presidente da ABA –, lhe perguntou o que queria de presente de aniversário, ela não titubeou: “quero uma vaca vermelha, porque sou do Inter.” No futebol, Inter é o apelido do Sport Club Internacional, de Porto Alegre, fundado em 1909 e campeão mundial de clubes em 2006.

O resultado do jogo de Mariana com o pai também foi a vitória. Ela se tornou dona de uma vaca pura da raça red angus e passou a ficar com as fêmeas nascidas – vendendo os machos –, uma receita básica na formação de um rebanho. Não por acaso, ela se tornou médica veterinária pela PUC-RS, em 1984, e aos 27 anos tomou as rédeas dos negócios da família. Hoje, dirige a Cabanha Basca, que cria angus e brangus, raça formada do cruzamento com nelore, além de selecionar cavalos da raça crioulo.

Entre os criadores de gado no Sul do país, o nome Mariana Tellechea sempre é lembrado como uma estudiosa da genética animal. O motivo? “No melhoramento genético sempre há novos objetivos”, diz ela. “Lá atrás, a gente ia em busca de mais fertilidade, mais precocidade. Hoje, o melhoramento de carcaça é uma realidade, mas a gente continua nos detalhes. E vai em busca de mais”

LEIA MAIS: Novas oportunidades para mulheres na liderança em 2023

Na reunião que deu início à sua gestão na ABA, Mariana não está sozinha. Na diretoria também está Camilla Menezes, no marketing – filha do treinador de futebol Mano Menezes – criadora de angus e de cavalo crioulo. Mais Simone de Souza Mello e Claudia de Scalzilli Souza no conselho fiscal, além de Ana Doralina Menezes e Silvia de Freitas no conselho técnico. Para um total de 41 membros, a presença feminina na ABA é pequena, mas elas chegaram de fato ao topo.

O fato é que a presença de Mariana representa um grande desafio em um setor ainda desacostumado à liderança de mulheres. Entre as entidades de criadores de bovinos, ela é a única. Das entidades ligadas à CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) não chegam a 200 as mulheres presidentes de sindicatos rurais no interior do país, de um total de cerca de 2.000 sindicatos.

Vera Ondei

Nivaldo Dzyekanski, ex-presidente, diz que mulheres devem ocupar lideranças

Entre as entidades macro representativas do setor, a SRB (Sociedade Rural Brasileira) é a única com uma mulher à frente, a pecuarista Teca Vendramini. “Estamos em um momento de renovação, de fazer sucessores. As mulheres não podem ficar de fora das decisões”, diz o criador Nivaldo Dzyekanski, que deixou a presidência da ABA. “O sucesso que a Mariana tem dentro no agronegócio, dado à sua mentalidade, afina com o perfil da atual gestão da ABA.”

Carne, carbono e genética

Na sua agenda, Mariana tem um trabalho de acelerar construções: além da seleção genética, ela precisa dar continuidade ao Programa Carne Angus Certificada, criado em 2003, e que hoje conta com 15 mil pecuaristas que fornecem animais para serem abatidos como carne de qualidade. No ano passado, foram abatidos 450 mil angus, entre puros e cruzados.

Nisso, há dois vieses. O primeiro é que o abate dos últimos anos mostra na prática o que significa o melhoramento dos animais. Em 2022, a quantidade de carne foi 17% superior ao maior número de animais já abatidos pelo programa, no ano de 2016, com 487 mil bovinos. Atualmente, o programa está em 11 estados, com 22 parceiros e 40 frigoríficos. Marcas como VPJ Angus, Bassi, Carapreta e Zafari estão entre elas. O segundo viés é que isso não basta e ainda é pouco. Embora o Brasil seja o maior exportador mundial de carne bovina, ele importa carne, justamente a premium que o mercado interno demanda e que não encontra ainda como quer. No ano passado, da Argentina vieram 11 mil toneladas por US$ 75 milhões (R$ 383 milhões na cotação atual. No total, o Brasil importou 64,7 mil toneladas de carne bovina, por US$ 384 milhões (R$ 1,9 bilhão).

Basca_Divulgação

Rebanho de fêmeas red angus, as vermelhas que Mariana aprecia

Outro viés do trabalho de Mariana é reforçar as pesquisas ambientais iniciadas na gestão de Dzyekanski, a partir de um projeto de diretorias passadas, mas que fora engavetado. Com o resgate, no ano passado foi elaborado o projeto de certificação de sustentabilidade das propriedades rurais que criam angus. O selo é concedido com o aval da TÜV Rheinland Brasil, organismo de certificação, inspeção, gerenciamento de projetos e treinamento, com sede na Alemanha, e que faz o serviço para o programa de certificação da carne.

Já foram certificadas duas propriedades, entre elas a marca Angus Carapreta, com fazendas no Norte de Minas Gerais e confinamento para 70 mil bovinos. Há outras 30 fazendas em processo de certificação. Essas fazendas, necessariamente, não precisam integrar o programa da carne por serem certificações independentes. “São três pilares: ambiental, trabalhista e de bem-estar”, diz Dzyekanski. “O filho de um peão da fazenda não pode estar fora da escola, por exemplo.” Um manual que explica o passo a passo para ter o selo está à disposição dos pecuaristas.

Basca_Divulgação

Certificação agora não será apenas para os animais, mas também para a fazenda

Na área ambiental, o foco é o carbono. Em 2022, os técnicos e pesquisadores ligados à ABA realizaram um primeiro ensaio sobre eficiência na produção de carne, ou seja, quanto um animal utiliza de comida para converter um quilo de carne. Eles compararam a eficiência com a emissão de metano. As observações iniciais são de que aqueles animais mais eficientes emitem menos metano e que isso pode ocorrer porque o bovino reteria mais moléculas de carbono em seu organismo.

Lembrando que o carbono é um elemento essencial para os seres vivos, por fazer parte da estrutura das moléculas orgânicas. No ser humano, por exemplo, ele é responsável por cerca de 20% da composição corporal. Neste ano, os ensaios vão se repetir para os bovinos da raça angus. “Estamos nos preparando, gerenciando as pastagens para serem carbono neutro”, diz Mariana. “O mercado vai nessa direção.” Se depender de Mariana, os bovinos angus e seus criadores vão juntos.