O futuro da comunicação negra está cada vez mais presente no mainstream, com novos entrantes produzindo conteúdo negro em sites de streaming, no YouTube e em canais de TV para atender audiências antes negligenciadas e viabilizar oportunidades para profissionais do setor. A grande mídia e as grandes marcas iniciam seus movimentos para responder às demandas de consumidores negros.
Séries norte-americanas estreladas por atores e atrizes negras (“Eu, a Patroa e as Crianças” e “Um Maluco no Pedaço”) fazem sucesso na programação da TV aberta e em canais da TV paga, mas o universo para o conteúdo com DNA afrobrasileiro continua restrito.
Essa escassez apresentou oportunidades interessantes de negócio. Com investimento pessoal de R$ 1,2 milhão e um aporte do Dima, fundo e consultoria de negócios do Qatar, o canal Wolo surgiu de uma inquietação do angolano Licínio Januário. “O Wolo teve início na dor que vários negros sentem no mercado do audiovisual: estão prontos para trabalhar, mas não existe uma indústria para alocá-los”, afirma o cofundador da plataforma.
Segundo pesquisa da Agência Nacional do Cinema (Ancine), o mercado do audiovisual no Brasil é majoritariamente formado por brancos. Entre os diretores de filmes, 75,4% são brancos; 19,7% são mulheres brancas e apenas 2,1% são homens negros.
Januário explica que a criação do canal online não é apenas por militância. “Criamos esta TV não só por causa do aspecto social, mas também pela questão econômica do país. Existe um nicho que nunca foi explorado por ninguém.”
No ar desde maio de 2020, a Lab Fantasma TV, canal de mídia e gravadora ligada aos músicos e empresários Emicida e Fióti, também aposta no streaming. Com programação diária no Twitch, o canal cobra mensalidade de R$ 24,99 pelo acesso a entrevistas, shows e lives.
Além de produção de conteúdo, um dos principais objetivos da Wolo é mudar a imagem dos negros nos meios de comunicação. “Nas obras de ficção e nos noticiários, sempre exibem uma imagem da nossa população. Cada emissora tem cerca de cinco telejornais diários – e sempre nos mostram de uma forma negativa.”
O primeiro conteúdo da Wolo, que usa o modelo pay-per-view, é a série cômica “Casa da Vó” com a cantora Margareth Menezes, que deve ganhar uma segunda temporada. Mais uma série (ou longa-metragem) e um talk show estão nos planos de curto prazo. Nos próximos seis meses, a plataforma terá mais de 50 conteúdos produzidos por profissionais negros em território nacional e que estarão disponíveis gratuitamente. Segundo Januário, outra meta do canal é atingir negros de outras regiões do globo: “Os norte-americanos já fazem isso – a Beyoncé, que acaba de ganhar o Grammy, trouxe junto com ela artistas de outros países que também falam inglês. Vamos pegar este case de sucesso e trazer para cá”.
Ele lembra que, em uma entrevista recente, Margareth Menezes disse que “onde tem pop e inovação, tem afro”. “A gente carrega isso. Por exemplo: ‘Um Príncipe em Nova York 2’ [produção da Amazon Prime, com Eddie Murphy] e ‘Lupin’ [da Netflix, com Omar Sy] são enormes sucessos”, diz o empresário. Mas faz uma ressalva: o Brasil ainda se ressente pelo fim tardio do período de escravidão. “O Brasil é o mainstream da língua portuguesa. Mas temos um pequeno atraso por causa do nosso processo histórico. A abolição aqui se deu 25 anos depois dos Estados Unidos. Enquanto os negros norte-americanos já estavam fazendo parcerias, aqui a escravidão continuava.”
Por outro lado, o “novo normal” da mídia brasileira será mais diverso e inclusivo, e deve incluir pessoas de pele preta. Mas ele ressalta que, se as plataformas de conteúdo não contarem com investimentos de grandes marcas, esse futuro pode demorar anos para chegar. “Vai depender da mudança de postura das marcas. Se tivermos investimentos, acredito que em dez anos podemos mudar esse cenário. É preciso que aconteça algo como houve no mercado norte-americano, com empresas investindo em conteúdos negros,” ressalta o empreendedor.
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Furando o bloqueio
As muitas possibilidades do nicho de conteúdo negro digital despertaram a atenção do publicitário Paulo Rogério Nunes, que também é investidor e cofundador da aceleradora de impacto social Vale do Dendê. E ele investiu na criação de uma plataforma de conteúdo.
A Afro.TV, que entra em operação no segundo semestre de 2021, é inspirada em produtoras como a Iroko TV, considerada a Netflix nigeriana. A plataforma pretende ter como base um modelo que mistura streaming e plataforma criativa apostando na grande base de clientes. “Estamos falando em mais de 50% da população brasileira”, diz Nunes.
Após uma pesquisa de mercado que balizou o plano de negócios, Nunes levantou R$ 2 milhões para realizar o projeto, que ainda conta com o cineasta David A. Wilson e o empresário caribenho Fabien Anthony como sócios. Segundo Nunes, a perspectiva é ter um negócio que se assemelhe às produtoras de mídia norte-americanas, como a SpringHill Company, do jogador de basquete Lebron James.
“Mas temos que descentralizar a verba publicitária, que hoje está toda em São Paulo. Acredito que a cidade de Salvador tem potencial para se tornar um grande centro de produção negra no Brasil,” ressalta Nunes, que prevê um futuro próximo em que o mercado se verá praticamente forçado a acolher os projetos ligados às plataformas negras. O investimento no digital é uma forma de furar o “bloqueio” que afasta afro-brasileiros de telas de TV e internet. “O Brasil, diferentemente de países como Canadá e Estados Unidos, é formado por uma mídia de grupos hegemônicos”, explica o publicitário.
Com estúdios na capital baiana, a Afro.TV tem conversado com empresas da indústria de cosméticos, tecnologia e startups. O projeto é levantar R$ 10 milhões em investimentos nos próximos três anos. O modelo do negócio não prevê a migração para o broadcast. “Nosso modelo é digital. Podemos fazer parcerias com a TV, mas primeiro queremos falar com a geração Z. E não seremos um canal pago: nosso público já paga muitos canais de streaming”, explica.
Demandas por representatividade
Nem todos os produtores preferem investir no digital para fazer o conteúdo alcançar o grande público. Focada em cultura afrourbana e entretenimento, a Trace TV! desembarcou por aqui há cerca de oito meses. A subsidiária brasileira do canal francês Trace – investido pela TPG Capital, um dos maiores grupos de investimento do mundo – ocupa espaço numa faixa semanal da programação da RedeTV! com o programa “Trace Trends” e está disponível também na TV a cabo.
Pioneira do novo momento de canais e programas negros no Brasil, a Trace está presente em 27 países. “Ela trouxe um respiro, nos fez entender que existe um conteúdo para ser produzido e consumido por pessoas que estão sedentas por se verem representadas na tela”, diz AD Junior, head de marketing e comunicação da Trace Brasil. Ele lembra que o canal chegou ao mercado antes da explosão das manifestações mundiais antirracistas. “Muita gente perguntava: ‘Por que um canal com mais pessoas negras?’ A gente teve que explicar: ‘No Brasil tem o canal japonês, o canal espanhol, até o canal do boi. Por que não um canal que fale sobre cultura afrourbana?’”
Em consequência da luta global contra o racismo, essa estranheza foi perdendo o sentido. AD argumenta que a mudança se deu de fato a partir de uma longa discussão que já acontecia dentro do mercado audiovisual e que apontava para a urgente necessidade de falar de representatividade e de pessoas negras.
Depois de quase um ano no ar, AD diz que o mercado tem dado suporte às ideias e iniciativas da Trace – que incluem o projeto Afronegócios, com o Bradesco; o Seja Antirracista, com O Boticário; o Creators, com as Havaianas; e um quadro com a marca de uísque Johnnie Walker, além de iniciativas com Casas Bahia e Vivo na TV aberta. “O mercado tem aderido à proposta, apostado e investido nela.” Sem revelar os valores investidos na Trace neste primeiro ano de operação, AD Junior diz que o canal pratica uma tabela de preços para anunciantes que inclui cotas de anúncios individuais até R$ 100 mil, projetos de branded content entre R$ 500 mil e R$ 1 milhão e patrocínios até R$ 3 milhões.
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A resposta da grande mídia
Desde o assassinato do norte-americano George Floyd por policiais brancos de Minneapolis e da efervescência mundial dos protestos antirracistas do movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam), os principais grupos de mídia brasileiros começaram a se voltar para a necessidade de contar com mais negros em seus telejornais, novelas e programas. Em 2018, segundo levantamento realizado pelo UOL, apenas 7,98% dos atores envolvidos na dramaturgia das três principais emissoras do país (Globo, Record e SBT) eram negros.
Maior conglomerado de mídia do país, o grupo Globo diz estar agindo para aumentar o número de negros em seus quadros. Consultada pela Forbes, a empresa afirmou que “tem buscado refletir a pluralidade do país em todos os nossos produtos, diante e atrás das telas. Olhando para diferentes regiões do país, histórias de vida, gêneros, sotaques, etnias, classes sociais e experiências diversas”. Diz ainda ter triplicado a contratação de talentos artísticos negros nos últimos cinco anos e criado grupos de trabalho para impulsionar as iniciativas e engajar os colaboradores em diferentes áreas – como o Diáspora, voltado para discussões raciais; o Orgulho, que se reúne com foco na questão da representatividade de gênero; e o Integração, voltado para temáticas de pessoas com deficiência.
No ano passado, a empresa também realizou um censo para ter uma visão autodeclarada dos seus 15 mil colaboradores. Segundo a Globo, a ideia é “alimentar estratégias e planos de ação de diversidade e inclusão”.
Outro grande grupo de mídia, a Discovery, lançou a iniciativa global Mosaic para ampliar a diversidade e a inclusão em sua força de trabalho, nos conteúdos e na contratação de produtos e serviços. A empresa diz que também tem se esforçado para “educar times para os temas contemporâneos”. No recrutamento, trabalha em parceria com ONGs como Proa e Gerando Falcões para aumentar a diversidade de fontes para a captação de talentos, com o intuito de “desenvolver equipes com pessoas vindas de diferentes experiências de vida.” Os posicionamentos da Globo e da Discovery foram dados por meio de comunicados.
O olhar das marcas
A criação de futuros inclusivos na comunicação de massa também passa, invariavelmente, pela publicidade e propaganda. Um estudo do Grupo de Estudos de Ação Afirmativa (Gemaa) da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), que analisou anúncios durante um período de 30 anos (de 1987 a 2017), mostrou que pessoas brancas foram representadas em 78% do material publicado.
Grandes marcas e empresas ainda estão observando as mudanças no cenário decorrentes dos movimentos negros e se encontram em meio a um processo de assimilação em relação a investimentos em novas plataformas de produção de conteúdo, segundo o cofundador e líder de estratégia da agência Movimento Observador Criativo (Mooc), Levis Novaes. “Existem marcas testando coisas, outras em processo de análise e também aquelas que estão alheias a tudo isso”, diz o especialista.
Fundada em 2015, a agência desenvolve projetos para marcas como Converse e Budweiser e empresas como Facebook e Instagram. O publicitário explica que as movimentações no mercado brasileiro acontecem de forma muito distinta de outros centros. E têm relação não apenas com números de pessoas na população, mas com representatividade e ocupação de cargos de alta visibilidade. “As coisas aqui funcionam de modo diferente. Estão relacionadas com a forma como as pessoas foram e estão inseridas na sociedade. Nos Estados Unidos [onde os negros representam entre 13% e 14% da população], já temos uma vice-presidente negra [Kamala Harris], juízes e grandes nomes em outras profissões. Ao longo dos anos, aconteceram mudanças por aqui, mas ainda foi algo tímido.”
Olhando para o futuro e as mudanças necessárias para que a indústria avance, Levis diz que marcas precisam diversificar a procura por prestadores de serviço para sofisticar suas abordagens. “Elas devem se perguntar: ‘Quem são as minhas agências? Quem são as minhas produtoras? Quem está criando comigo? São empresas fundadas por pessoas pretas e que hoje não são representadas?’ Isso é o que mais vai causar efeito e fazer com que as coisas se transformem”, conclui.
A RESSIGNIFICAÇÃO DA INFLUÊNCIA DIGITAL
Ter milhares de seguidores em perfis no Instagram e Facebook não é mais sinônimo de relevância nas redes sociais. No cenário da Covid-19 e dos efeitos do movimento Black Lives Matter (BLM), influencers negros focam em conteúdos que estabelecem conexões significativas com o público.
O atual momento de ressignificação da influência digital mudou várias peças de lugar. “O cenário pós-BLM serviu para refutarmos um ‘cargo’ que não brancos queriam dar aos creators negros: de enciclopédia ambulante antirracista”, analisa o escritor e produtor de conteúdo Alê Garcia.
Criador e apresentador do podcast “Negro da Semana” (e eleito pela Forbes um dos 20 creators negros mais inovadores do país), Alê diz que a influência digital traz um cenário de ruptura ao não replicar a mesma lógica da mídia de massa. “Os primeiros tempos de redes sociais formaram um modelo do que se entendia como influenciadores: pessoas que vinham alimentadas por uma onda de likes, aproveitando algoritmos e estímulos que nos entorpeciam através de filtros, fantasias e beleza irreal”, ressalta Garcia, acrescentando que esse comportamento refletia padrões que “sempre se ampararam em padrões de beleza clichê e de estética europeia”.
Se antes a influência digital tinha como filtro de sucesso fotos de paisagens paradisíacas, viagens ao exterior e apresentação de produtos, Garcia acredita que o atual momento está ligado a produções que se conectem ao desejo de conexão do seguidor. “A internet é uma mídia de nichos e possibilidades diversas. E, assim como as pessoas estão buscando sentido, valor, conexão e propósito em marcas, também estão buscando isso nos influenciadores”, analisa o publicitário.
Em meio a milhares de posts, vídeos, GIFs e trends que circulam a cada segundo na rede, o seguidor mudou radicalmente seus parâmetros de escolha, selecionando melhor quem vai acompanhar com uma expectativa por outras abordagens de seus influenciadores. “As pessoas estão mais criteriosas a respeito de como vão investir seus preciosos segundos e quem e o quê elas querem fazendo parte de suas vidas.” O publicitário diz que esse fato, já documentado em pesquisas, foi acentuado no momento atual, em que pessoas se encontram ensimesmadas em quarentena, questionando suas escolhas e seus hábitos, inclusive de consumo. “A despeito da abundância de conteúdo, e até por causa disso, nós selecionamos com muito mais cuidado o que influencia nossa saúde física e mental.”
Remuneração e qualificação
Alinhado ao momento de ressignificação da influência digital, Garcia diz que os valores e cachês pagos a negros e brancos devem ser iguais. Segundo um estudo da YouPix publicado em setembro de 2020, a média do valor máximo recebido por um creator negro é de R$ 1.626,83, enquanto a recebida por um influenciador branco é de R$ 4.181,01. “Não há lógica que justifique isso.”
Traçando futuros com oportunidades para mais criadores negros, Garcia lembra que a profissionalização é necessária para que a equiparação de salários e o desenvolvimento profissional aconteçam. “Creators e influencers negros precisam ter nas suas agências agentes, empresários – ou quem quer que sejam seus braços comerciais – atuando como guardiões de suas carreiras, nunca aceitando valores que não sejam equiparados aos pagos a influencers brancos por trabalhos similares.”
O novo significado da relevância atravessa outros pontos importantes, que perpassam por um processo de formação de consciência para além da pura e simples influência, segundo Samantha Almeida, diretora do Twitter Next Brasil. “Os novos tempos têm exigido outros conhecimentos de quem pretende fazer parte das conversas públicas de alguma forma. Seja qual for sua área de atuação, você precisa considerar pilares sociais, relações étnico-raciais, humanidades”, aponta a especialista. “A cada dia, menos se aceita separar essas duas palavras: influência e digital.”
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A transformação na pandemia
O empresário e produtor musical Konrad Dantas, o KondZilla, ressalta a importante função que referências do mundo online desempenham ao falar das novas formas de influência digital. Responsável por lançar os principais nomes da música funk no Brasil, Dantas conta com 3,6 milhões de seguidores no Instagram de sua produtora e é dono de um dos maiores canais do YouTube no mundo, com 63,6 milhões de inscritos e 34 bilhões de visualizações. “Acho que, antes do momento da pandemia, ‘influencer digital’ foi um termo muito adotado pelo mercado comercial, publicitário, de anunciantes. Acabou sendo banalizado num sentido de influenciar pessoas a consumirem um produto ou serviço”, comenta.
Segundo KondZilla, o influenciador digital hoje tem um peso muito maior, principalmente no terceiro setor. “Tem o papel de impactar o mundo, a sociedade, sempre de uma maneira positiva”, aponta. Reforçando a análise de KondZilla e Alê Garcia, o fundador e diretor da agência especializada em influenciadores digitais negros Black Influence, Ricardo Silvestre, aponta que pessoas que são referências nas redes sociais hoje precisam ter responsabilidade social. “Há dois anos, as pessoas se apresentavam nas redes mostrando produtos recebidos e ostentando, mas a imagem desse profissional ficou banalizada. No momento, é preciso ser relevante e ser você mesmo, falar da sua rotina.”
Com 50 influenciadores agenciados e uma carteira de clientes como Bradesco, O Boticário e Amazon Prime, a Black Influence viu a procura por seus produtores de conteúdo aumentar a partir do último ano.
Entre as vertentes do mercado de influência, Silvestre considera relevante o papel dos pequenos influenciadores. Os nano (até 10 mil seguidores) e microinfluenciadores (até 100 mil seguidores) passaram a impor uma relação de proximidade com as marcas e empresas. “Muitas vezes, eles têm muito mais engajamento e entregam mais resultado que os grandes. Isso acontece porque possuem um público específico e influenciam as pessoas com uma abordagem bem mais próxima. É uma forma que os anunciantes utilizam para cortar caminhos na hora de chegar ao consumidor.”
O especialista aponta que há um problema em sua própria profissão, e estima que pouco mais de 3% dos publicitários no Brasil sejam pessoas afrodescendentes. “Pessoas de outras etnias não estão interessadas em falar dos nossos problemas”, ressalta.
Para avançar no debate, Silvestre chama atenção para a importância de conteudistas e influenciadores não brancos. “Precisamos contar nossas histórias por meio das pessoas pretas. Acredito que o mercado tem uma dívida histórica com a nossa raça.”
Tocando vidas
O novo momento da cultura negra somado aos desafios da vida na pandemia também mudou a rota de produção de conteúdo de microinfluenciadores em várias plataformas. A professora e influenciadora gaúcha Perla Santos, 37 anos, que tem cerca de 2.300 seguidores no Instagram, concluiu que seus seguidores buscavam “algo a mais”. “Hoje as pessoas me procuram nas redes para falar sobre orixás e sobre questões ligadas à africanidade. Elas querem acolhimento e conforto, e procuram alguma forma de atravessar este momento tão difícil”, conta a professora, que vende cadernos com estampas de princesas e um baralho com personagens negros que marcaram história em seu perfil.
A palavra de ordem no trabalho de Perla nas redes sociais é a qualidade, com foco no impacto que seu conteúdo causa nos seguidores. “Tenho um grupo fiel de seguidores, que respeita minha maneira de pensar. Essas pessoas que estão querendo me ouvir não são números, são vidas”, ressalta a nanoinfluenciadora. “Se eu tocar uma pessoa, é uma vida que poderá multiplicar minha fala dentro de sua família.”
Com 33 mil seguidores no Instagram, o microinfluenciador e curador independente Artur Santoro acredita que temas da negritude estão no centro deste momento de ressignificar a influência. “A centralidade desse novo momento está nos movimentos negros e na maneira como eles têm construído mobilizações de luta antirracista.”
Santoro começou a atuar na rede social em meio à pandemia e moldou o seu conteúdo ao quadro de incertezas sobre o futuro. “Tive meses de bloqueio em que sumi das redes, tive momentos de equívocos, mas, sobretudo, momentos de me questionar e entender o real motivo pelo qual eu queria continuar realizando esse trabalho.”
A influência não se resume a destaque em plataformas como Facebook, Instagram e YouTube. O ator Micael Borges tem buscado reproduzir sua influência em outras redes sociais na plataforma de vídeos Tik Tok: se em outras redes ele soma bons números, nesta ele é micro e acumula 14 mil seguidores. A demanda de seguidores por conteúdo com mais propósito fez com que Micael repensasse o universo digital. “Hoje não dá mais para passar uma imagem que não é real para os seguidores. As pessoas estão cada vez mais ligadas no que falamos e fazemos, dentro e fora da internet.”
Autocuidado
Há dez anos envolvida com trabalhos de marketing de influência, projetos de comunicação, redes sociais e social listening, Priscila Cirqueira afirma que negros não querem falar apenas de racismo e problemas. “Independentemente da classe social a que pertence, esse criador sempre teve que lidar com a desigualdade em alguns ou todos os momentos de sua vida”, diz Priscila, que é analista de projetos da agência de creators Brunch.
Segundo ela, há uma mudança de paradigma em curso rumo a novas temáticas como forma de as pessoas manterem o equilíbrio emocional e suportarem as pressões diárias. “Ninguém quer só falar de racismo estrutural. Isso é dolorido e já temos que lidar com isso no nosso dia a dia. Nós precisamos é de escapes para não surtar”, analisa.
Nesse contexto de autocuidado, a especialista observa que pautas dos criadores encapsulam a consciência de merecimento, resumida na seguinte mensagem: “Eu mereço o espaço que ocupo, mereço paz, mereço cuidar da mente”. “Isso tem feito com que muitos criadores comecem a falar de coisas que realizam fora do que é considerado militância, como viagens, cuidados pessoais e futilidades.”
Além de novembro
Como consequência, Priscila aponta uma mudança que deve culminar em um comportamento diferente por parte do mundo corporativo em relação a influencers negros: “As empresas estão percebendo que o discurso adotado no posicionamento da marca precisa ser verdadeiro: não basta só chamar o influenciador para palestrar em novembro [mês da Consciência Negra]. Precisam ter em suas equipes pessoas que pensem a diversidade na comunicação e extrapolem isso para as agências e para as campanhas”.
A especialista cita a campanha “Fábulas da Conexão”, da operadora Vivo, que contou com quatro curtas-metragens com histórias que unem a tecnologia a elementos inspirados no realismo fantástico e a narrativas brasileiras. Os episódios foram produzidos com a curadoria de Andreza Delgado, uma das criadoras da PerifaCon, e com o escritor, podcaster e influenciador digital Ale Santos, contratado para comentar a campanha em suas redes sociais. “Sou otimista. Mesmo que a situação caminhe em passos lentos, vemos cada vez mais discursos alinhados com a ação”, conclui Priscila Cirqueira.
Reportagem publicada na edição 85, lançada em março de 2021
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