Residência de princesa italiana pode ser a mais cara já vendida, por R$ 3 bilhões

24 de dezembro de 2021
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A Principessa Rita Boncompagni Ludovisi é dona da villa romana que pode se tornar a residência mais cara já vendida da história

Sentada em um salão de sua luxuosa vila no centro de Roma – onde Caravaggio pintou seu único mural de teto conhecido e Galileu uma vez subiu ao telhado para observar estrelas –, Sua Alteza Sereníssima, a Principessa Rita Boncompagni Ludovisi, está melancólica com a venda da antiga casa de seu falecido marido.

“Só espero que Deus traga aqui um anjo que valorize tudo que fizemos e honre o Nicolò”, diz a Principessa de 72 anos, reclinada perto de retratos dos séculos 16 e 17 dos antepassados aristocráticos dele, que compraram a propriedade 400 anos atrás. “Ficarei contente – fiz tudo que pude.”

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O preço da vila, de US$ 532 milhões (cerca de R$ 3 bilhões) – estipulado por um tribunal italiano este ano –, poderá amortecer o impacto.

A Villa Aurora, como é conhecida, fica perto do ponto mais alto da Muralha Aureliana de Roma, na região onde alguns historiadores acreditam que Júlio César hospedou Cleópatra em uma de suas casas. Com 3 mil metros quadrados de área, a vila e o jardim ao redor são tudo o que restou de uma propriedade de 35 hectares pertencente à família Ludovisi desde 1621. Em 1885, a maior parte do imóvel foi dividida em lotes menores para criar a Via Veneto, uma das ruas mais glamourosas do mundo.

 

Uma estátua do deus grego Pã há muito atribuída a Michelangelo saúda os visitantes no jardim e, no teto do salão de recepção principal, Guercino pintou um afresco da deusa Aurora, da qual a vila tomou o nome emprestado. O único mural de teto de autoria de Caravaggio, “Júpiter, Netuno e Plutão”, vigia um saguão e foi pintado quando o artista ainda tinha 20 e poucos anos, antes de matar um homem em um duelo e fugir de Roma. Contratado pelo tribunal para avaliar o teto, o especialista em história da arte Alessandro Zuccari, da Universidade Sapienza, estimou que só o mural vale cerca de US$ 350 milhões (quase R$ 2 bilhões) do preço astronômico da casa.

Afinal, as pinturas de Caravaggio são raríssimas. Existem cerca de 90 obras conhecidas atribuídas exclusivamente ao artista, e algumas já atingiram nove dígitos em vendas particulares. Quando sua obra “Judite and Holofernes” foi leiloada em 2019, por exemplo, a estimativa de valor estava em US$ 170 milhões (quase R$ 970 milhões), mas, dois dias antes da venda, foi anunciado que a pintura havia sido vendida, por uma quantia não revelada, a um cliente que fez uma oferta que “não podia ser ignorada”. O New York Times informou que o comprador foi o bilionário gestor de fundos de hedge J. Tomilson Hill.

Reprodução/Forbes

Mural “Júpiter, Netuno e Plutão”, do pintor italiano Caravaggio

Há anos, a Villa Aurora está no centro de uma briga feroz por herança entre a Princesa, nascida no Texas, e familiares de seu falecido marido – briga esta que, segundo ela, faz a série dramática “Succession”, da HBO, parecer “brincadeira de criança”. Agora, ela está resignada a leiloar a casa por ordem de um tribunal italiano, após anos de batalhas judiciais desde a morte de seu marido, ocorrida em 2018.

Se a vila for vendida pelo preço estipulado pelo tribunal, baterá o recorde de residência mais cara já vendida, ao superar a venda, por US$ 361 milhões (cerca de R$ 2 bilhões), de um complexo de apartamentos na Victoria Peak de Hong Kong, em 2017. Embora ela diga que a perda da casa é “devastadora”, a Villa Aurora assinala outro capítulo colorido da dolce vita da princesa Rita. 

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A Principessa Ludovisi cresceu longe da colina mais alta de Roma, mas diz que sentia uma conexão com a Cidade Eterna desde jovem. Ela nasceu Rita Carpenter em San Antonio, filha do milionário do petróleo C. Hunt Carpenter e de Reba Garlington, herdeira de uma fortuna do ramo pecuário. Visitou Roma pela primeira vez aos 16 anos com a irmã mais velha. Como todos os turistas, foi à Fontana di Trevi e fez um desejo: “morar em Roma e me casar com um romano”. No entanto, ao contrário do que acontece com a maioria dos que jogam moedas na fonte, seu desejo se tornou realidade – mas não de imediato.

Muito antes de se mudar para a Itália, a futura Principessa era mais conhecida como Rita Jenrette, esposa do deputado democrata John Jenrette, da Carolina do Sul, condenado por suborno e cumplicidade na operação Abscam, em 1980.

Bettmann/Getty Images

Rita e seu primeiro marido, o deputado John Jenrette, durante o julgamento dele nos anos 1980

No ano seguinte, quando seu casamento estava terminando, ela posou nua e escreveu um artigo para a Playboy, “A Libertação de uma Esposa de Congressista”, no qual afirmou ter feito sexo nos degraus do Capitólio certa noite, após uma sessão tardia na Câmara. Mesmo antes da condenação do marido, a Princesa escreveu na Playboy que, quando morava em Washington, já havia “sido condenada por um crime igualmente grave: não me encaixar”. Escreveu que, na visão de seus críticos, ela era “vistosa demais, loira demais, franca demais” para ser esposa de político. “Se você está vivendo uma vida pública e não fala de maneira aberta e sincera”, escreveu ela, “então para que viveu?” 

Rita e a edição da “Playboy” na qual ela escreveu um artigo e posou

A Principessa diria posteriormente que exagerou a natureza daquela noite no pórtico do Capitólio, contando ao Washington Post, em 2011, que tinha sido “um momento romântico, mas não libidinoso”. Ela também não se arrepende das fotos na Playboy, apesar do escândalo que causaram na Washington dos anos 1980. “Se essa foi a pior coisa que já fiz, não estou nem aí”, diz ela. “Meu marido, Nicolò, sempre se orgulhou de mim.”

Depois de sair de Washington, a princesa tentou se reinventar como atriz em Los Angeles. Apareceu no seriado “A Ilha da Fantasia” em 1982, em filmes como “Zombie Island Massacre”, de 1984, e atuou na peça “A Girl’s Guide to Chaos”, no circuito off-Broadway, em 1986. Ela diz que um de seus empregos favoritos foi o de correspondente para a série de entretenimento informativo “A Current Affair” de 1988 a 1990. Quando esse trabalho estagnou, ela se mudou novamente para o outro lado do país e deu outra guinada na carreira – foi trabalhar na firma de investimentos Bridgewater sob o comando de Ray Dalio e depois virou corretora de imóveis em Nova York para não “precisar me casar novamente para ter uma vida digna”, ela brinca.

Dessa vez, ela se destacou: seu cálculo é que ajudou a intermediar US$ 1 bilhão (cerca de R$ 5,7 bilhões) em transações imobiliárias entre 1995 e 2001, com negócios da Costa Leste ao Arizona. Pelas estimativas da Forbes, ela ganhou pelo menos US$ 10 milhões (R$ 57 milhões). Também foi co-fundadora de uma imobiliária chamada Sullivan Jenrette, financiada pela firma de investimentos britânica Intercapital.

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Seu maior negócio foi quando ela atuou como corretora para Donald Trump na compra do edifício da General Motors por US$ 800 milhões (R$ 4,5 bilhões), em 1998. Décadas antes de seus dias na Casa Branca, Trump impressionou-a quando disse a ela, do nada, que era bilionário. “Ninguém nunca me disse: ‘tenho um patrimônio de US$ 3,5 bilhões’. E olha que estive com muita gente rica”, conta ela. “Então, aquilo meio que me chamou a atenção. Foi uma surpresa.” (Segundo a lista Forbes 400 daquele ano, o patrimônio de Trump valia US$ 1,5 bilhão). 

Foi quando era corretora de imóveis em Manhattan que ela também conheceu o segundo marido, Sua Alteza Sereníssima, o Príncipe Nicolò Boncompagni Ludovisi, na época com 61 anos, por meio de amigos em comum, em 2002. Disseram que ele era um príncipe italiano e estava interessado em construir um hotel em uma das suntuosas propriedades da família perto de Roma. Ela não ficou impressionada.

“Pelo amor de Deus, todo mundo em Nova York se autodenomina príncipe”, ela lembra. Contudo, ela concordou em passar alguns dias em Roma para ver o imóvel. Quando Nicolò foi buscá-la no Grand Hotel Flora – localizado em Ludovisi, distrito romano que leva o nome da família dele – ela achou o príncipe charmoso e pé no chão e gostou do inglês com sotaque britânico dele. Os dois não chegaram a construir aquele hotel, mas começaram a namorar e se casaram sete anos depois, em 2009.

“Pelo amor de Deus, todo mundo em Nova York se autodenomina príncipe”, ela lembra. Contudo, ela concordou em passar alguns dias em Roma para ver o imóvel. Quando Nicolò foi buscá-la no Grand Hotel Flora – localizado em Ludovisi, distrito romano que leva o nome da família dele – ela achou o príncipe charmoso e pé no chão e gostou do inglês com sotaque britânico dele. Os dois não chegaram a construir aquele hotel, mas começaram a namorar e se casaram sete anos depois, em 2009.

O casal se mudou para a Villa Aurora logo após o início do namoro e assumiu o árduo trabalho de restaurar a propriedade, que estava em mau estado e era considerada irrecuperável pelos especialistas. A princesa calcula que gastaram pelo menos US$ 10 milhões (R$ 57 milhões) nas reformas.

Reprodução/Forbes

Fachada da Villa Aurora, hoje à venda por cerca de R$ 3 bilhões

“Eu sabia como aquilo era importante para ele, e passou a ser muito importante para mim”, diz ela. “Abrimos mão de tudo. Eu não saía para comprar bolsas Birkin, sapatos e roupas da moda – nem nada mais.”

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Nicolò era reservado e hesitava em abrir a casa da família, mas ela o convenceu a compartilhar a vila com o mundo – ou, pelo menos, com eventuais excursões particulares pagantes. Durante anos, ela acompanhou estudantes e outros visitantes em passeios pela vila, às vezes diariamente, contando casos curiosos sobre a rica história do local com seu inconfundível sotaque texano. Ela também tomou a iniciativa de digitalizar os fartos arquivos da vila, que incluem cartas de Maria Antonieta e Luís XVI.

O casal passava muitas horas relaxando no cômodo preferido dela, a Sala da Paisagem, contemplando murais com cenas naturais dignas de museu, de autoria de Pomarancio, Paul Bril, Giovanni Battista Viola, Domenichino e Guercino. Os dois viveram felizes juntos até a morte de Nicolò, em 2018. “Eu não poderia ter desejado uma vida mais maravilhosa”, diz ela sobre o tempo que passou com o falecido marido. 

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Além de um Caravaggio, a Villa Aurora tem afrescos de Domenichino e Guercino

Se a venda da Villa Aurora for concluída no ano que vem, a Principessa não tem certeza se permanecerá na Itália. Ela cogita alugar um apartamento em Roma, mas diz que está pensando em voltar a Nova York. Recentemente, ela foi associada ao restaurateur Nello Balan, de Manhattan, que a apoiou no ano passado, em meio à disputa pela herança. “Somos incentivadores um do outro”, diz ela.

Conforme determinado em juízo, a Principessa receberia metade do valor apurado na venda, enquanto a outra metade iria para os três filhos de um casamento anterior do falecido marido. O governo italiano também tem o direito de preferência e pode intervir para igualar o preço final do leilão e comprar o imóvel – uma petição online recente apelou ao Ministério da Cultura da Itália para fazer exatamente isso. Não está claro se isso acontecerá, sobretudo levando-se em conta o provável preço de nove dígitos. A maior esperança da Principessa é que o próximo proprietário da Villa Aurora continue o trabalho de pesquisa e preservação que ela realizou na casa e a mantenha aberta ao público, como ela fez por todos esses anos.

Hoje com 72 anos, Rita terá que dividir o valor da propriedade com os outros três filhos do príncipe

Afinal, a Villa Aurora ainda tem muitos mistérios a desvendar, diz ela. Um estudo da Universidade de Indiana descobriu que há ruínas romanas sob a casa. Sempre uma corretora de imóveis astuta, ela também está convencida de que um telescópio desaparecido que pertenceu a Galileu ainda se encontra em alguma parte do imóvel. Experiente em questões de mídia, a Principessa menciona nomes como Elon Musk e Jeff Bezos quando indagada sobre quem ela espera que compre a vila.

“Vai ser preciso um bilionário para isso”, comenta ela. “Não apenas um milionário, mas um bilionário para vir aqui e trazer isto de volta à sua antiga glória. Só espero e rezo para que essa pessoa, seja quem for, enxergue o valor da história desta casa.”

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