Como é comer no melhor restaurante do mundo

11 de setembro de 2023
Ken Motohasi

O menu do restaurante Central, inspirado nas alturas do Peru, se inicia a 10 metros abaixo do nível do mar, com chicória do mar, moluscos e lula

O táxi para em frente a um muro cinza despretensioso, que quase passa despercebido. Estamos em Barranco, o bairro mais descolado e boêmio de Lima (Peru), a uma quadra do Oceano Pacífico. Um recepcionista me guia para dentro da propriedade por uma horta. Ao fundo, avista-se uma casa com grandes janelas de vidro e um time de garçons a postos. Ao entrar, dou de cara com uma mesa de mármore, onde estão dispostos ingredientes das mais diversas cores, nem todos reconhecíveis à primeira vista. “Estas são algumas das coisas que vocês irão degustar nesta noite”, diz o hostess, apontando para pimentas peruanas, batatas brancas desidratadas, cogumelos em formatos que nunca vi, espinhos de pirarucu, entre outros produtos. 

É assim que são recebidas as 35 pessoas por dia (uma vez no almoço e outra no jantar) que conseguem uma disputada reserva no Central, restaurante do casal peruano Virgilio Martínez e Pía León, eleito o melhor do mundo pelo ranking 50 Best, o Oscar da gastronomia, dia 20 de junho. “[O título] é muito importante para que quem está longe do Peru entenda nossa filosofia de trabalho e a maneira como nos aproximamos da natureza. Para além disso, não nos sentimos melhores nem piores por causa de um prêmio”, disse Martínez à Forbes Brasil dias depois da vitória inédita de um latino em 21 anos da lista.

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São vários os méritos da conquista. No Central, tudo está perfeitamente alinhado para levar os comensais em a uma viagem  vertical até o núcleo identitário do Peru. Isso porque o menu degustação “Mundo Mater”, com 14 etapas, tira toda a sua inspiração da geografia acidentada do país: cada prato representa uma altitude, de menos 15 metros abaixo do mar até as montanhas, a 4.200 metros cima do nível do mar, em uma jornada de cerca de três horas por uma variedade incrível de ecossistemas nacionais. 

Veja alguns dos pratos do restaurante Central:

Cacao Chuncho, no qual todas as partes da fruta são usadas, da casca à folha
Conexión Amazónica: pirarucu e mandioca
Piraña y Tucupi
Mucilago y Miel

No salão, sóbrio, mas elegante, com as mesas multicoloridas de pedra polida, todas elas se voltam para onde o show acontece: a cozinha. Completamente espelhada, dali é possível ver o trabalho frenético da equipe de pelo menos 20 profissionais. Assisto de camarote enquanto o time corta, assa e emprata com pinças e sifões o que será servido naquela noite de maio. 

Da cozinha, saem autênticas obras de arte. As tintas dos quadros são ingredientes intrinsecamente peruanos, que fazem parte da história e cultura de um país que foi um dos focos de civilização, há cinco mil anos. Pense em uma variedade de milhos e batatas apenas algumas, já que o Peru tem cerca de 350 tipos do cereal e 3.500 do tubérculo , folhas de coca, kiwicha (espécie de quinoa andina), chirimoya, cocora (o tomate da Amazônia) e até cushuro, alga que já foi chamada de caviar dos Andes, extraída de lagoas de alta altitude. Decorações como cabeças de peixe, tentáculos de polvo, plantas e algas in natura, nativas de cada altitude, também chegam à mesa para montar a ambientação a cada parada na jornada de sabores, das águas amazônicas até os desertos e picos andinos.

Gustavo Vivanco

Ambiente do Central, com apenas 35 lugares na Casa Tupac, antigo centro cultural de Lima

Tudo é fruto de um trabalho minucioso que Martínez faz há mais de uma década ao lado de sua irmã, Malena. Com o centro de pesquisa Mater, a dupla percorre o país estudando lugares e tradições ancestrais de povos quechua. “Trabalhamos em conjunto com outras disciplinas, como ciências, artes e expressões culturais. É inspirador, porque a aprendizagem está sempre presente. O fato de saber que iremos aprender algo novo se torna uma motivação”, explica o chef. Nestas andanças, o limenho não coleta só insumos, mas também técnicas anciãs de culinária. Uma delas é a huatia, forma inca de preparo de batatas debaixo da terra, com um forno de barro com pedras quentes. O chef adaptou a tradição para a cozinha profissional: as papas nativas são tiradas na hora da camada de argila, diante dos meus olhos.

Daniel Silva

Os chefs Pía León e Virgilio Martínez, à frente não só do Central, mas dos restaurantes Kjolle, MIL e MAZ

Beber também faz parte da experiência. Os 14 pratos 11 salgados e três 3 doces, incluindo uma sobremesa com couve-flor e outra com todas as partes do cacau  podem ser harmonizados com destilados (destaque para o de coentro, Physalis peruano, mel e pimenta), fermentados artesanais e vinhos, alguns microlotes de vinícolas latinas. Um deles é o argentino Vinyes Ocults Gran Malbec, com uma produção de apenas 1.300 garrafas por ano, a maioria delas já reservada para o Central, me explica o sommelier. 

Há uma década no ranking de melhores restaurantes do 50 Best, por muito tempo Martínez vendeu o Central como um símbolo do Peru. Hoje com um trabalho mais maduro, ele vê seu ofício como representativo não só do seu país natal, mas da América do Sul: “Podemos falar da Cordilheira dos Andes como um todo, da Amazônia sem fronteiras”. Com o peso de comandar o melhor restaurante do mundo, os próximos passos do chef são focar nos estudos seu sonho atual é ter um centro de pesquisa na Amazônia e nos empreendimentos que já tem com Pía: o Central e o Kjolle (em Lima), o MIL (nos arredores de Cusco) e o ambicioso MAZ, recém-aberto em Tóquio.

Termino o jantar com uma xícara de chá de muña, a menta dos Andes, pensando: vida longa à cabeça que carrega a coroa. E sorte para quem quer fazer uma reserva no Central a partir de agora, com pelo menos três meses de antecedência. 

Veja quais são os melhores restaurantes do mundo em 2023, segundo ranking do 50 Best

1º lugar: Central - Lima, Peru
2º lugar: Disfrutar - Barcelona, Espanha
3º lugar: Diverxo - Madri, Espanha
4º lugar: Asador Etxebarri - Atxondo, Espanha
5º lugar: Alchemist - Copenhague, Dinamarca
6º lugar: Maido - Lima, Peru
7º lugar: Lido 84 - Gardone Riviera, Itália
8º lugar: Atomix - Nova York, EUA
9º lugar: Quintonil - Cidade do México, México
10º lugar: Table by Bruno Verjus - Paris, França
11º lugar: Trèsind Studio - Dubai
12º lugar: A Casa do Porco - São Paulo
13º lugar: Pujol - Cidade do México, México
14º lugar: Odette - Singapura
15º lugar: Le Du - Bangkok, Tailândia
16º lugar: Reale - Castel di Sangro, Itália
17º lugar: Gaggan Anand - Bangkok, Tailândia
18º lugar: Steirereck - Viena, Áustria
19º lugar: Don Julio - Buenos Aires, Argentina
20º lugar: Quique Dacosta - Dénia, Espanha
21º: Den - Tóquio, Japão
22º: Elkano - Getaria, Espanha
23º: Kol - Londres, Inglaterra
24º: Septime - Paris, França
25º: Belcanto - Lisboa, Portugal
26º: Schloss Schauenstein - Fürstenau, Suíça
27º: Florilège - Tóquio, Japão
28º: Kjolle - Lima, Peru
29º: Boragó - Santiago, Chile
30º: Frantzén - Estocolmo, Suécia

Reportagem originalmente publicada na edição 109 da revista Forbes Brasil