A Fórmula 1 desembarca em São Paulo para mais um Grande Prêmio do Brasil, a 19ª e penúltima etapa da temporada de 2017. A corrida brasileira, que ocorre neste domingo (12), no Autódromo de Interlagos, vai apenas cumprir tabela, pois a equipe Mercedes conquistou o Mundial de Construtores no GP dos Estados Unidos, enquanto Lewis Hamilton conquistou o tetracampeonato na última corrida, no México. Com mais uma taça, Hamilton se tornou o britânico com o maior número de títulos e ultrapassou o escocês Jackie Stewart, que correu na categoria entre 1965 e 1973 e ganhou três taças, em 1969, 1971 e 1973.
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Aos 78 anos, o “escocês voador” atualmente é Embaixador Rolex, patrocinadora da Fórmula 1 e responsável pela cronometragem oficial da categoria. Desde que deixou a competição, Stewart foi comentarista esportivo nas transmissões de corridas e dono da equipe que levava seu sobrenome, da qual o brasileiro Rubens Barrichello foi um dos seus pilotos, nos anos 1990.
Um dos pioneiros na defesa de melhoria das condições de segurança dos pilotos (ele encerrou a carreira após o acidente fatal do seu companheiro de equipe, François Cevert, durante os treinos para o GP dos EUA, em 1973), o ex-piloto concedeu entrevista a FORBES Brasil, por e-mail, no final de setembro.
Stewart fala sobre como é ser Embaixador Rolex, quando surgiu a oportunidade de ser piloto, sobre a polêmica introdução do sistema de proteção de cockpit Halo e sobre a essência que todo piloto tem de ter, mesmo com as mudanças nos carros proporcionadas pelo avanço da tecnologia no decorrer das décadas.
Também defende o esporte em geral como um ótimo formador de caráter e diz ficar surpreso que grandes corporações não contratem atletas, “pois eles são determinados, aplicados, dedicados e fazem enormes sacrifícios na vida para conseguir o sucesso”.
E como de costume, claro, também aponta quais foram os melhores pilotos de todos os tempos.
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FORBES Brasil: Como é ser Embaixador Rolex? Do que o senhor mais gosta na posição de representante da marca?
Jackie Stewart:Depois de 49 anos com a marca, realmente me sinto parte da família Rolex, com uma fantástica trajetória. Sou muito orgulhoso da relação que se iniciou quando eu ainda nem havia ganho um título mundial. Minha admiração pela Rolex cresce a cada ano por conta da qualidade do produto e das pessoas que trabalham ali. Como a marca patrocina a excelência individual, sinto-me incrivelmente privilegiado de pertencer à família de embaixadores Rolex há quase 50 anos.
FB: Rolex é parceira global e responsável pela cronometragem oficial da Fórmula 1. Qual é a importância desse feito?
JS:A Rolex traz respeitabilidade para todos os seus parceiros, sejam eles o circuito mundial equestre, de golfe, de tênis ou de esporte motor. A marca carrega um poder e uma influência significativos. Ao se juntar à Fórmula 1, é como se a marca tivesse colocado uma estrela “extra” na categoria, o que a deixou da noite para o dia com 6 estrelas. Nenhuma companhia de relógios no mundo demanda tanta precisão com alto padrão. Os componentes que vão à indústria relojoeira permitiram à Rolex atingir a excelência em engenharia. E na Fórmula 1 não é diferente: têm-se os melhores equipamentos e materiais e também pessoas excepcionais trabalhando juntas para atingir o mais alto nível de performance.
FB: O senhor sonhava em ser piloto de corrida na infância?
JS:Nunca pensei que seria um piloto de corrida. Meu irmão Jimmy Stewart foi piloto e eu ia em muitas corridas com ele. Tinha apenas 14 anos, mas ia com a intenção de pegar autógrafos dos maiores pilotos do mundo, como os argentinos Juan Manuel Fangio e José González [ambos correram na categoria nos anos 1950, sendo Fangio o segundo maior campeão da história da Fórmula 1, com cinco títulos]. Encontrei com muitos pilotos daquele período, mas nunca sonhei que seria um deles, era apenas um caçador de autógrafos. Na verdade, eu era um atirador competindo pela Escócia e a Grã-Bretanha naquele momento, então, viajava o mundo focado nisso. A oportunidade surgiu de repente, quando eu trabalhava como mecânico em uma pequena oficina e alguém me deu uma chance de pilotar um carro de corrida. Não era algo com o qual eu sonhava.
FB: Quais são as diferenças entre os pilotos de sua era e os de agora?
JS:Acho que o instinto é o mesmo, mas a tecnologia é diferente, isso muda constantemente na Fórmula 1: da era de Stirling Moss [piloto britânico dos anos 1950 e 1960, com quatro vice-campeonatos] para o período em que eu corri e, agora, para a era de Lewis Hamilton, Sebastian Vettel e Fernando Alonso, que competem com a mesma paixão. É o mesmo tipo de competidor atrás do volante hoje e na minha época, mas a busca por novas tecnologias, como na eletrônica e na aerodinâmica, revolucionou o esporte. Ao longo dos anos, houve um enorme avanço técnico que exige adaptação dos pilotos e de seu desejo de imprimir um ritmo que vai além do seu limite e do carro, o que também alia a Rolex e a Fórmula 1.
FB: Na sua opinião, onde está o equilíbrio entre correr riscos e se manter em segurança?
JS:O equilíbrio para mim está no controle da mente. Aprendi a fazer a gestão da mente no tiro. Se eu perdesse um tiro, não teria essa chance novamente e, automaticamente, teria 99 chances em 100. Já nas pistas, se eu cometesse um pequeno erro durante uma corrida, poderia compensar aquele erro no restante da prova, ou nas últimas curvas de Interlagos, por exemplo. A disciplina exigida no tiro me permitiu gerenciar meu temperamento enquanto pilotava: não ficar ansioso antes da corrida nem muito empolgado, tampouco nervoso. Quando você está nervoso, diz coisas que não desejava ter dito, e o mesmo acontece para a pilotagem. Eu aprendi a evitar isso. A capacidade que adquiri no automobilismo me permite gerenciar as minhas atividades diárias e o meu trabalho. Esporte é um ótimo formador de caráter, e fico surpreso que grandes corporações não contratem atletas, pois eles são determinados, aplicados, dedicados e fazem enormes sacrifícios na vida para conseguir o sucesso, que são qualidades inquestionáveis em todos os caminhos da vida. Além de os atletas odiarem perder!
FB: Você é conhecido por ser um dos pioneiros na questão da segurança na Fórmula 1. Qual é a sua opinião sobre as melhoras que foram introduzidas na categoria, tanto nos carros como nos circuitos? O senhor acredita que o Halo, sistema de proteção do cockpit, pode realmente proteger a cabeça do piloto?
JS:Devemos adotar o Halo. Eu lutei muito pela melhora da segurança no automobilismo a minha vida toda, porque, quando era piloto, a categoria era absurdamente perigosa. Infelizmente, ninguém queria aumentar a segurança, e as pessoas não queriam gastar dinheiro para mudar aquele panorama. Acredito que o Halo é importante para o futuro da Fórmula 1, porque muitos amigos meus morreram quando a roda se soltou do carro e atingiu suas cabeças. A roda do carro do Ayrton Senna o atingiu e eu acho que foi provavelmente a causa da morte dele. O filho de John Surtees [britânico campeão mundial, em 1964] foi atingido por uma roda que se soltou de outro carro, acertando a sua cabeça e o matando [durante uma corrida de Fórmula 2 no circuito de Brands Hatch, em 2009]. Se eles tivessem o Halo nos carros, haveria boas chances de que estivessem vivos hoje. Então, por que ficar no risco? Alguns dizem: “Eu não vou mais assistir a uma corrida porque os pilotos não são mais corajosos e não se verá mais o piloto…”. Claro que o piloto vai ser visto e, se pudermos salvar uma vida, então, fizemos algo especial.
FB: É possível mensurar quantos pilotos foram salvos graças ao avanço da tecnologia?
JS: Não sei dizer com certeza. O que eu sei é que, quando corria, muitos amigos meus morreram. Em certo momento da minha carreira, em 1968, morreu um por mês por quatro meses consecutivos. Estávamos correndo no quinto mês seguido, eu venci a corrida e a primeira pergunta que respondi quando saí do cockpit foi: “Todo mundo está bem?”. Era altamente perigoso, algo deveria mudar, e éramos capazes de fazer a mudança. O automobilismo atual é mais seguro do que em qualquer outro momento da história do esporte. Isso não significa dizer que os pilotos não vão mais perder as suas vidas: o carro ainda pode perder o controle em velocidades altas, mas hoje é mais seguro.
FB: Como o senhor foi dono de uma equipe independente, pode apontar quais foram as dificuldades em gerenciá-la, sem ter uma grande montadora como parceira? Acredita que a Fórmula 1 precisa de mais times independentes?
JS:Acho que há espaço para equipes independentes, mas poucas obtiveram sucesso porque os grandes times, como Ferrari, Renault e Mercedes-Benz, são da indústria automobilística, que conta com um grande orçamento para produzir carros de passeio e, ao mesmo tempo, carros de corrida. Então, é difícil [a competição para os times independentes]. Tive uma equipe de Fórmula 1 e tivemos Rubens Barrichello em um dos nossos cockpits, mas a escala exigida por uma equipe é muito grande. Quando eu era piloto, tínhamos de 200 a 300 pessoas trabalhando para uma equipe, enquanto atualmente há de 2.000 a 3.000 funcionários. É a forma como a tecnologia se acelerou. Esses times precisam de mais pessoas para atingir o nível de sucesso demandado por um esporte comercial e global como é a Fórmula 1. Eu me diverti muito quando tivemos nossa equipe, mas tive de vendê-la e acho que a venda foi no momento certo. Estou orgulhoso de ver o crescimento da Stewart até se tornar a Red Bull Racing [tetracampeã mundial de construtores e de pilotos, com o alemão Sebastian Vettel, entre 2010 e 2013].
FB: Qual o futuro da Fórmula 1?
JS:Os novos donos da Fórmula 1, a empresa de mídia americana Liberty Global [que adquiriu a categoria em 2016], têm uma rica experiência nas indústrias de entretenimento e de esporte, e acho que eles vão criar um grande público para o espetáculo. Isso significa que a audiência tem uma participação importante no esporte, que se tornará mais acessível aos fãs. Anteriormente, só eram atendidos os interesses das equipes e das celebridades. Acho que, agora, eles vão servir aos espectadores em geral. O foco será mais em ação e na paixão pelo automobilismo. A paixão pelo esporte a motor ainda é predominante, particularmente, no Brasil e na Itália. Há muito entusiasmo e somos agraciados com esse respeito, é um esporte glamuroso e empolgante e que pode crescer ainda mais. Há um grande futuro, enquanto não há uma substituição do veículo motor. Todo mundo dirige um carro hoje, seja um Fiat ou uma Ferrari, então acredito que o esporte vai melhorar. A Fórmula 1 também tem uma das melhores audiências televisivas no mundo, maior que a dos Jogos Olímpicos. Atualmente, a Fórmula 1 visita 20 países e sua pegada global exemplifica como Rolex e a categoria se combinam perfeitamente, ambos estão na vanguarda do que representam e estabelecem padrões ao redor do mundo.
FB: Você disputou com o brasileiro Emerson Fittipaldi. Ele foi um competidor leal?
JS:Emerson Fittipaldi foi um competidor leal e difícil. Não era apenas um grande competidor, mas também uma excelente pessoa e um amigo querido. Mantemos a amizade desde quando corremos juntos. Eu conquistei o título mundial, ele o tirou de mim, recuperei e ele conquistou novamente após a minha aposentadoria. Ainda sou um bom amigo do Fittipaldi, como também sou do Nelson Piquet. Na verdade, fui amigo de muitos pilotos brasileiros. Ao longo dos anos, o Brasil produziu um grande número de talentosos pilotos, e José Carlos Pace certamente foi um deles [o brasileiro competiu na categoria nos anos 1970, com a única vitória no GP do Brasil de 1975]. O Brasil também apoiou muito bem os seus pilotos, melhor que quase todos os outros países. Sou um grande fã do Brasil.
FB: O senhor é constantemente escolhido como um dos dez melhores pilotos da história da Fórmula 1. Quem são os seus três melhores?
JS:Do meu ponto de vista, os melhores pilotos de todos os tempos foram Juan Manuel Fangio, Jim Clark [piloto escocês bicampeão em 1963 e 1965], Alain Prost e Ayrton Senna.