Como a Uber drenou lucro de montadoras de veículos no Brasil

11 de dezembro de 2019
Phil Noble/Reuters

Dois terços dos 600 mil motoristas da Uber no Brasil não possuem os veículos que dirigem

Como muitos motoristas da Uber em São Paulo, Augusto Caio Pereira não é dono do carro que dirige na cidade. Em vez disso, ele aluga o carro mais vendido do Brasil, o Onix, por R$ 390 por semana da Localiza, maior locadora de veículos do país.

“Eu falo normalmente que segunda e terça eu trabalho para pagar o custo do aluguel, e quarta, quinta e sexta são para mim”, disse Pereira, de 23 anos. Ele foi demitido de um escritório de advocacia alguns meses atrás, juntando-se ao exército de 12 milhões de desempregados do país. Sem rendimentos, ele agora dirige em período integral.

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Assim como ele, dois terços dos 600 mil motoristas da Uber no Brasil não possuem os veículos que dirigem, disseram executivos da indústria de aluguel de carros em outubro. Esse número é um dos mais altos registrados pelo aplicativo de transporte no mundo.

Acesso barato a carros novos está acelerando o crescimento da Uber e de locadoras no Brasil, bem como elevando as vendas de veículos, que acumulam crescimento de 7% neste ano.

Mas o crescimento das vendas de veículos também mascara uma crise para as montadoras como General Motors: as margens estão encolhendo, conforme as locadoras de veículos abocanham cada vez mais carros a preços descontados.

As vendas diretas, também conhecidas como vendas a frotistas, estão em nível recorde atualmente, representando 46% de todos os emplacamentos no Brasil ante nível de 25% em 2012, segundo a associação de concessionários de veículos, Fenabrave. Já as vendas no varejo, que carregam margens maiores, acumulam queda de cerca de 50% no período.

“Como montadora, o que você vê é que seus clientes estão fazendo muito dinheiro com teu produto, e você não está tendo lucro nenhum”, disse Ricardo Bacellar, líder do setor automotivo na KPMG no Brasil. “As vendas diretas são um modelo insustentável no longo prazo.”

As direções das montadoras de Detroit e de Wolfsburg estão cientes do impacto corrosivo das vendas diretas. Desde 2015, montadoras com fábricas no Brasil, incluindo GM, Volkswagen e Ford, receberam mais de US$ 50 bilhões em subsídios de suas matrizes, segundo dados do Banco Central. Este volume é o triplo do recebido entre 2010 e 2014.

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“As montadoras só conseguiram manter as operações nos últimos anos porque as matrizes concederam empréstimos ou injetaram capital”, disse o presidente da associação dos fabricantes de veículos, Anfavea, Luiz Carlos Moraes, este ano.

Enquanto isso, as três principais locadoras de veículos do país, Localiza, Movida e Unidas, registraram lucros recordes em todos os anos, menos um, desde 2015, segundo mostram suas demonstrações de resultado.

Uma pesquisa divulgada na semana passada pela Anfavea afirma que alternativas de transporte como as empresas de serviços por aplicativos são a segunda razão, atrás de problemas em finanças pessoais, que desencorajam os brasileiros de comprar carros próprios.

A escala dos descontos oferecidos pelas montadoras às locadoras de veículos na venda de modelos novos é mantida sob forte sigilo. Mas a média de preços de todos os carros comprados pela Localiza este ano, incluindo SUVs, vans comerciais e carros de luxo, foi cerca de US$ 640 menor que o preço do modelo mais barato do Onix, segundo números da companhia.

As vendas diretas no Brasil superaram a marca de 1 milhão de veículos pela primeira vez em 2018 e este ano já atingiram o patamar de 1,1 milhão.

Enquanto isso, a Localiza saiu de um nível de compra de 2% dos veículos leves do país em 2012 para 10% este ano. Os motoristas de aplicativos são o segmento que mais cresce para a empresa.

VENDAS DESESPERADAS

Com o Brasil se recuperando lentamente da recessão desde 2017, as montadoras têm pouca opção além de acompanharem a demanda gerada pelas locadoras e frotistas, disse Guido Vildozo, da empresa de pesquisa de mercado IHS Markit. “Estas são vendas desesperadas.”

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Em 2013, um ano antes da Uber chegar ao Brasil, apenas 6% das vendas do Onix eram destinadas a frotistas. Este ano a fatia atinge 40%.

Explicando porque a receita caiu em 2019 fora da América do Norte, a GM afirmou a investidores recentemente que um dos principais motivos foi um “conjunto desfavorável de fatores, principalmente gerado por vendas maiores do Onix no Brasil”.

Em outubro, Caleb Varner, diretor de veículos da Uber para América Latina, falou a dezenas de executivos de pequenas locadoras durante uma conferência do setor. Ele garantiu que a empresa vai trabalhar para trazer demanda nova para as locadoras.

“E com essa demanda vocês conseguirão crescer em escala (…) comprando um número de veículos maior, conseguindo desconto maior na montadora, e por aí vai”, afirmou Varner na ocasião e se referindo a um “círculo virtuoso” para a Uber e as locadoras.

Representantes da Uber não se manifestaram sobre os comentários de Varner, embora a presidente-executiva da empresa no Brasil, Claudia Woods, tenha afirmado à Reuters que as locadoras de veículos são importantes parceiras da empresa.

Algumas montadoras, que oferecem carros de aluguel diretamente em mercados desenvolvidos há anos, agora estão experimentando a mesma estratégia no Brasil.

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A Toyota, que tem menos vendas de frota do que a GM, está “investindo fortemente” em um negócio de aluguel no Brasil, informou a empresa. A CAOA do Brasil – que fabrica carros para Chery e Hyundai – anunciou ontem (10) que montaria seu próprio negócio de aluguel.

Com as vendas a frotistas no Brasil em tendência de alta, segundo recente pesquisa da KPMG com executivos do setor de veículos, o dilema deverá se aprofundar. “O modelo veio para ficar”, disse o presidente-executivo da Localiza, Eugenio Mattar, à Reuters.

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