Que momento de particular alegria é aquele em que a sobremesa chega à mesa! O toque de doçura que encerra a refeição como uma coroação ao paladar. A experiência do doce na boca pode, às vezes, provocar prazeres até mais intensos do que aqueles experimentados nos pratos salgados. Decerto, trata-se da magia química do açúcar fazendo efeito no cérebro, mas é também o efeito surpresa de um passeio que muda de paisagem de repente e pode chegar a lugares inebriantes! Pois seu objetivo é exatamente este: mudar o caminho da comida posta à mesa e, assim, nos conduzir ao desfrute de sabores distintos dos anteriores. A sobremesa vem para virar o jogo.
Mas nem sempre o percurso foi esse. O momento da sobremesa é mais uma invenção da vida moderna, de origem europeia, que hoje assumimos como uma tradição em quase todos os países do mundo. Antes da modernidade, nos banquetes medievais, todos os pratos eram postos à mesa ao mesmo tempo: carnes, queijos, sopas, tortas, bolos, frutas, mel. Fala-se que o marco da separação entre doces e salgados nas refeições foi o casamento de Catarina de Médici, de Florença, com o Rei Henri II, da França, em 1553. Teria sido ela a responsável por estabelecer que os doces fossem sempre servidos após os pratos salgados, junto a toda uma coleção de normas de conduta ao redor da mesa que se convencionou chamar de “etiqueta”.
Também os doces mais antigos eram diferentes destes que conhecemos hoje. O açúcar, durante muitos séculos, foi uma especiaria presente apenas no Oriente; no Ocidente, a doçura era sinônimo de mel e frutas.
A descoberta da especiaria açúcar pelo Ocidente resultou em diversas delícias doces criadas nas regiões entre a França e a Itália. Tornou-se uma das mercadorias mais importantes para determinar o estabelecimento das rotas comerciais entre a Europa e a Ásia na Idade Média. No entanto, foi apenas a partir do século XVI, com a expansão da plantação da cana-de-açúcar nas colônias das Américas, e mais tarde, com o procedimento de extração do açúcar da beterraba, desenvolvido no século XVIII, que o açúcar refinado foi finalmente incorporado nas receitas de doces mais populares. Assim, foi só no século XIX que aconteceu a cultura que conhecemos hoje, dos biscoitos, bolos e tortas doces, acompanhando os chás e os cafés.
Já a confeitaria contemporânea nos apresenta novas possibilidades de se produzir doçura. Tendo agora à disposição tecnologias de preparação culinária extraordinárias, como a gastronomia molecular, que permitem transformações físico-químicas até então inimagináveis dos materiais comestíveis, podemos hoje saborear novas notas nos doces (que podem ser azedos, amargos e até mesmo umamis!), assim como novas formas, texturas – em geral, mais leves, coloridas, apresentadas em formatos surpreendentes. A confeitaria atual também busca incorporar ingredientes inéditos, ao mesmo tempo que propõe releituras de doces tradicionais regionais.
Sendo meu pai italiano e minha mãe francesa, cresci envolvida por cannoli e pains au chocolat. O aroma da confeitaria é para mim (como acredito ser também para todo mundo!) um abraço carinhoso no corpo e no ânimo. A afetividade é, sim, uma dimensão essencial do universo dos doces. Mas a delicadeza de uma boa sobremesa exige ainda excelência na execução das receitas. A formação de confeitaria é uma das mais rígidas escolas culinárias. Por causa disso, digo sempre que um bom restaurante é aquele que apresenta uma carta de sobremesas à altura da qualidade dos primeiros pratos. A experiência gastronômica merece o extasiante grand finale.
Carla Bolla é restauratrice do La Tambouille, em São Paulo
Siga FORBES Brasil nas redes sociais:
Facebook
Twitter
Instagram
YouTube
LinkedIn
Siga Forbes Money no Telegram e tenha acesso a notícias do mercado financeiro em primeira mão
Baixe o app da Forbes Brasil na Play Store e na App Store.
Tenha também a Forbes no Google Notícias.
Os artigos assinados são de responsabilidade exclusiva dos autores e não refletem, necessariamente, a opinião de Forbes Brasil e de seus editores.