Esperança de vacina para Covid-19 torna fundador da BioNTech um bilionário

3 de junho de 2020
GettyImages/ picture alliance

Uğur Şahin, CEO e cofundador da BioNTech

Em outubro de 2019, Uğur Şahin viajou da Alemanha para Nova York para fazer a oferta pública inicial (IPO) de sua empresa de biotecnologia que já está no mercado há uma década com uma mensagem sobre sua tecnologia nova e não testada. “Contamos com o sistema imunológico do paciente”, disse Ahin antes de tocar a campainha de abertura de mercado da Nasdaq. “Queremos ativar as células imunológicas do paciente para identificar, detectar e eliminar células tumorais.”

A visão científica de Şahin não cativou os investidores como ele esperava. A BioNTech previa vender até US$ 264 milhões de suas ações no IPO, mas acabou arrecadando US$ 150 milhões, pois vendeu menos ações a um preço mais baixo do que o proposto. O IPO, no entanto, deixou a BioNtech com uma avaliação de mercado muito saudável de US$ 3,4 bilhões.

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Mas a pandemia mudou a visão dos investidores da tecnologia de ponta da BioNTech, particularmente sua plataforma de RNA mensageiro (mRNA) que visa transformar as células dos corpos em fábricas de medicamentos. A BionNTech está atualmente medicando voluntários com sua vacina experimental de mRNA para Covid-19 e fechou um acordo de colaboração para desenvolvê-la em conjunto com a gigante farmacêutica americana Pfizer, esperando que, no melhor dos casos, a disponibilize para algumas populações vulneráveis ​​no outono norte-americano.

Os negociadores de ações reagiram com uma procura maior por papéis da BioNTech, que mais do que triplicaram seu valor desde o IPO, conferindo uma avaliação de US$ 11,5 bilhões à empresa. O elevação no preço levou o patrimônio líquido de Şahin aos US$ 2,1 bilhões, colocando-o na lista de bilionários da Forbes pela primeira vez.

Um registro da BioNTech na Comissão de Títulos e Câmbio dos Estados Unidos (SEC, na sigla em inglês) mostra que, em fevereiro, Şahin possuía 18% das ações da BioNTech. Em seu IPO, a BioNTech vendeu certificados de ações como um emissor privado estrangeiro. Embora o bloqueio das ações pós-IPO da BioNTech para seus diretores e acionistas tenha expirado, Şahin não fez nenhuma divulgação de valores mobiliários desde fevereiro, sugerindo que não vendeu suas partipações da BioNTech, pelo menos em uma quantidade material. Dada a natureza dos registros de valores mobiliários de Şahin e o status de emissor da BioNTech, ele precisaria fazer um registro na SEC se vendesse mais de 2% dos seus papéis.

Isso distingue Şahin do bilionário Stéphane Bancel e outros executivos da Moderna, outra empresa de capital aberto que desenvolve uma vacina experimental para Covid-19 usando a tecnologia mRNA. O site “Stat News” informou na semana passada que Bancel e os outros quatro principais executivos da Moderna venderam US$ 89 milhões em ações da empresa neste ano. Em maio, a Moderna também conduziu uma oferta de ações de US$ 1,3 bilhão que foi anunciada no mesmo dia em que a empresa divulgou uma prévia de dados positivos de seu teste de vacina Covid-19. A BioNTech não emitiu novas ações ao público desde o início da pandemia.

Um porta-voz da BioNTech se recusou a comentar sobre o patrimônio líquido de Şahin e suas participações acionárias na BioNTech.

Aos 54 anos, Şahin vai de bicicleta para os escritórios da BioNtech em Mainz, na Alemanha, todas as manhãs. Ele está completamente focado em desenvolver uma vacina para a Covid-19 o mais rápido possível, dizem as pessoas que o conhecem. Em abril, a BioNTech começou a testar sua candidata, a BNT162, em 200 participantes do estudo na Alemanha. Com a ajuda da Pfizer, outros 360 voluntários serão testados com as vacinas da BioNTech nos EUA e o teste poderá aumentar para 8.000 participantes.

A Pfizer se comprometeu a gastar cerca de US$ 1 bilhão para desenvolver a vacina em 2020, incluindo a fabricação de vacinas antes que sua eficácia seja conhecida e a disponibilização delas já em outubro para algumas populações vulneráveis. Tudo está longe de ser certo: nenhuma vacina ou tratamento com mRNA foi aprovada pelos reguladores dos EUA ou da Europa.

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Nascido na Turquia, Şahin foi criado na Alemanha, onde seus pais trabalhavam em uma fábrica da Ford. Treinado como médico, se ele tornou professor e pesquisador focado em imunoterapia. Muitas vezes, colaborou em seu trabalho com sua esposa imunologista, Özlem Türeci, e juntos em 2001 fundaram a Ganymed Pharmaceuticals para desenvolver anticorpos monoclonais contra o câncer. Türeci seria CEO, e a empresa era apoiada pelos gêmeos bilionários idênticos Thomas e Andreas Strüngmann. A Ganymed foi adquirida em 2016 pela Astellas Pharma em um acordo de US$ 1,4 bilhão.

Şahin fundou a BioNTech em 2008, novamente apoiado pelos bilionários irmãos Strüngmann. Türeci, que administrou a Ganymed, durante anos foi consultora científica da empresa e ingressou na BioNTech como diretora médica depois que a Ganymed foi vendida.

Şahin construiu a BioNTech para usar a imuno-oncologia para combater o câncer de várias formas, lançando mais de 20 programas de desenvolvimento diferentes ao longo dos anos. Mas a BioNTech ficou mais conhecida por seu trabalho usando o RNA mensageiro para desenvolver vacinas contra o câncer, incluindo uma personalizada, conhecida como iNest. A ideia era criar fábricas de medicamentos ou vacinas a partir de corpos humanos e programar células para produzir proteínas terapêuticas.

Ao longo do caminho, a BioNTech fez parceria com a Pfizer em uma vacina contra gripe e obteve apoio financeiro da Fundação Bill e Melinda Gates. Mas, apesar de todas as operações promissoras, a BioNTech ainda não conseguiu aprovar nenhum de seus produtos de mRNA para uso humano em sua primeira década de existência, como a rival Moderna Therapeutics conseguiu.

Mas tanto a Moderna como a BioNTech estavam em uma posição forte para fornecer uma solução potencial para a pandemia de coronavírus. Ambas as empresas são extraordinariamente bem-financiadas e bem conectadas. Uma abordagem de mRNA também teria o potencial de reduzir drasticamente o tempo de desenvolvimento de uma vacina para Covid-19.

Em um fim de semana de janeiro, Şahin leu um artigo na revista científica “The Lancet” sobre o vírus e fez uma previsão a Thomas Strüngmann: que uma pandemia que fecharia as escolas estava chegando. “Após o fim de semana, ele comunicou na segunda-feira para sua equipe que, embora a maioria estivesse em oncologia, a maior parte deles iria se concentrar na vacina”, disse Strüngmann em entrevista.

Em fevereiro, Şahin ligou para Kathrin Jansen, chefe de pesquisa e desenvolvimento de vacinas da Pfizer. Os dois se conheciam bem porque, dois anos antes, a BioNTech havia feito uma parceria com a Pfizer para desenvolver uma vacina contra a gripe baseada em mRNA. Şahin disse a Jansen que a BioNTech apresentou candidatos a vacina para a Covid-19 e perguntou se a Pfizer estaria interessada em trabalhar com ele. “Uğur, você está perguntando?” Jansen respondeu. “Claro que estamos interessados.”

Em meados de março, a BioNTech anunciou “progresso rápido” em sua candidata, BNT162, e em sua colaboração com a Pfizer. A gigante farmacêutica dos EUA concordou em financiar todos os custos iniciais de desenvolvimento e produção, até US$ 1 bilhão, que inclui um pagamento inicial de US$ 185 milhões à BioNTech. A gigante farmacêutica também deve incluir outros US$ 563 milhões em pagamentos à BioNTech, se tudo correr bem. A Pfizer está agregando sua enorme capacidade de fabricação, regulamentação e pesquisa ao projeto. As ações da BioNTech dispararam, embora desde então tenham perdido grande parte desses ganhos iniciais.

Uma coisa que torna a parceria da BioNTech com a Pfizer diferente do esforço vacinal da Moderna é que eles não dependem de nenhum financiamento do governo. A Moderna está recebendo US$ 483 milhões da Autoridade de Pesquisa e Desenvolvimento Biomédico Avançado do governo federal. Outro aspecto único da parceria da BioNTech com a Pfizer, é que estão sendo testadas quatro vacinas diferentes e com plataformas distintas de mRNA. Os pesquisadores acompanharão de perto os dados de imunogenicidade dos participantes, buscando a produção de anticorpos neutralizantes, visando o abandono de qualquer uma das quatro vacinas que não os produzem suficientemente.

Alguns em Wall Street acham que os negociadores das ações da BioNTech estão ficando otimistas demais. Em 20 de março, por exemplo, analistas do JPMorgan Chase sugeriram que os investidores moderassem seu entusiasmo, observando que a capitalização de mercado da BioNTech ultrapassou muitas avaliações de empresas de biotecnologia com mais de US$ 1 bilhão em receita.

“Qualquer capacidade futura de monetizar uma terapia com Covid-19 mais a perspectiva potencial de lidar com essa pandemia já se reflete nessa avaliação”, escreveram eles. “A capacidade de monetizar um ativo de Covid-19 é claramente uma consideração secundária neste momento para a empresa. O foco principal é lidar com uma emergência de saúde pública.”

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Essa parece ser uma avaliação precisa. “A velocidade com que fomos capazes de passar do início do programa para o início dos testes mostra o alto nível de envolvimento de todos”, disse Şahin em comunicado em abril.

O CEO da Pfizer, Albert Bourla, acelerou o cronograma da potencial vacina para Covid-19, pressionando a multinacional farmacêutica a tentar solicitar autorização de uso precoce da agência norte-americana que administra alimentos e medicamentos (o FDA, na sigla em inglês) em outubro e produzir 20 milhões de doses até o final do ano. As vacinas normalmente levam anos para se desenvolver e torná-las seguras e eficazes pode ser extraordinariamente difícil. A certa altura, Bourla foi pressionada por alguns na Pfizer a não divulgar publicamente a linha do tempo agressiva, mas ele achou que era fundamental tornar o trabalho sobre a Covid-19 da Pfizer totalmente transparente ao público em meio a uma pandemia.

Bourla, que nasceu e cresceu na Grécia, conversou com Şahin e os dois concordaram em compartilhar um raki, uma bebida alcoólica popular nos dois países de origem, assim que a vacina for desenvolvida com sucesso. “Existe apenas um inimigo”, disse Bourla em entrevista. “O vírus e o tempo.”

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