O tempo voou, o mundo deu voltas, o pai de Elie se deu bem no Brasil e ensinou ao caçula seu maior legado: a caridade. Entregou aos necessitados tudo o que tinha. Elie já doou 60% de seu patrimônio. Agora, luta para que outros brasileiros sigam o mesmo caminho. “Já estive do outro lado. Sofri por não ter dinheiro. Me revolta quando alguém tem dinheiro e não ajuda.”
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Pai de três filhos e avô de cinco netos, Elie acredita ter transmitido a eles a essência do que aprendeu com o pai, Raphael Horn. “Sem caridade, a vida não tem sentido. A reação [da sociedade na pandemia] foi muito positiva. O que precisa agora é ajudar todo dia, a vida inteira. O pobre não precisa comer só na crise.”
Forbes: O que os seus pais faziam na Síria?
Elie Horn: Loja de tecido em Aleppo. Importação de tecido da Coreia.
EH: Minha mãe [Rachel] quase com certeza tem ascendência síria; a família do meu pai veio da Áustria, Polônia… Ele tinha passaporte polonês, mas perdeu depois de ser convocado para a guerra em 1914 e não ir. Minha avó veio ao Brasil com passaporte polonês.
F: Vocês eram em quantos?
EH:Sete irmãos. Três meninos e quatro meninas. Sou o caçula.
EH: Meu pai optou por viver no Líbano, não sei o motivo, quando eu tinha 6 meses. E saímos de lá porque meu pai faliu, por volta de 1950. Perdeu tudo. Fomos viver na Itália, na casa de uma irmã. No Líbano, ficamos nove anos; na Itália, um. E depois veio o Brasil. Por que Brasil? Porque era a terra do futuro.
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F: Que lembranças tem da infância no Líbano?
F: O senhor voltou ao Líbano depois disso?
EH: Não, nunca mais. Gostaria de rever os lugares onde vivi. Para a Síria não dá para voltar. Aleppo está acabada – uma cidade milenar que não existe mais.
F: Onde viveram no Brasil?
F: O que se lembra desse início em São Paulo, aos 10 anos de idade?
EH: Da falta de comida. Da vergonha do meu pai por ter falido. As pessoas te tratam mal por isso. São mágoas que machucam a vida inteira. Até hoje não superei.
F: Chegando ao Brasil, o que sua família fez?
F: O que sonhava quando criança?
EH: Sonhava em refazer a vida. Não podia ficar por baixo. Tinha que ganhar dinheiro e ser um pouco antiburguesia. Depois que você perde dinheiro, ninguém te respeita mais. Quando comecei a trabalhar, tive úlcera logo nos primeiros seis meses, porque eu trabalhava 15 horas por dia sem comer.
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EH: Corretagem de produtos químicos. O segundo trabalho foi corretagem de imóveis, compra e venda de apartamentos.
F: Além da filantropia, que exemplos seu pai deixou?
EH: Eu não era muito amigo do meu pai, a gente tinha muita diferença de idade. Mas eu o respeitava pela inteligência. Me ensinou a fazer o bem e a caridade. Foi meu grande mentor, me mostrou o caminho.
EH: Meu avô materno [Joseph Dwek], que fez um orfanato para 3 mil crianças da Primeira Guerra Mundial. Levantou dinheiro da Inglaterra para ajudar as crianças pobres na Síria. Não o conheci, mas ouvi falar muito dele, especialmente pela minha mãe. Seu nome era Jodoeck, grande filantropo na Síria.
F: Como a Cyrela foi criada?
EH: Aos 19 anos, comecei a trabalhar com produtos químicos. Depois entrei de sócio com o engenheiro construtor Zolmen Rosental, cuja mulher se chamava Cyrel. Era uma empresa de gestão de condomínio de apartamentos prontos, mas eu não me interessava pelos serviços. Então, comecei a mexer com compra e venda de apartamento sem ter dinheiro. Por exemplo: o apartamento custava US$ 10 mil. Eu dava US$ 1 mil de sinal, que eu pegava emprestado do banco ou de alguém; US$ 3 mil em 90 dias, sem juros ou correção; e US$ 6 mil em 36 meses com juros. Depois de 90 dias, eu tinha a obrigação de vender o apartamento para poder pagar o resto. Se não vendia, não podia pagar. Então, tinha que vender. Na marra. E vendia quase todos. Depois passamos a comprar e vender terrenos. Mesmo sistema: 10%, 30%, 60%, tinha que vender ou permutar em 90 dias. Isso fez com que passássemos de um capital de zero para muitos milhões de dólares em dez anos. Virou uma empresa familiar. Aos 35 anos, me separei dos meus irmãos, botei o ‘a’ no Cyrel e criei a Cyrela [inaugurada em setembro de 1962]. É nome próprio, mas, em iídiche, é pérola ou brilhante.
F: Como vendia com essa pressão dos 90 dias?
EH: Persistência e muito trabalho. Começava a trabalhar 6h30 e ia até 9h da noite. Quando solteiro, eu saía com as meninas procurando terrenos à noite. Uma estratégia que, pelo jeito, funcionou.
F: Que paralelo o senhor faz entre o Brasil daquela época e o atual?
F: O senhor já comentou que o “dinheiro corrompe a alma e os costumes”. O ato de doar é capaz de dar outro significado ao dinheiro?
EH: Eu falei o seguinte: o dinheiro pode ser seu patrão, se você não doar – ele manda e, então, você passa a ser alguém mesquinho. O dinheiro corrompe à medida que você não faz bom uso dele. Pode ser maldito ou bendito. Se você ajudar alguém a não morrer de fome, ele é bendito.
F: Voltando no tempo outra vez: na época da escola, tinha uma matéria favorita?
F: Como conseguiu se formar?
EH: O único ano – já me esqueci o ano que me formei – que não teve exame da OAB foi o ano que me
formei. Por isso, tenho o diploma. Sou um advogado fajuto. Mas nunca exerci, nunca enganei ninguém.
F: O que importa mais: o ato de doar ou o valor?
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F: Como surgiu o Instituto Liberta, em 2016?
EH: Há uns 12 anos, eu li um artigo sobre prostituição infantil no Nordeste que me comoveu. Cheguei a me envolver em um projeto, mas não levei adiante. Anos mais tarde, decidi retomar o assunto – e não abandonar mais. Contratei uma pessoa muito boa, a Luciana Temer, e fizemos uma ONG para atacar a prostituição infantil e a violência sexual. Já somos referência no Brasil. Nossa melhor arma é conscientizar. Não somos polícia, temos que convencer as pessoas a não praticar um ato ilegal e a denunciar. Fizemos um filme com o Luciano Huck que foi visto por 20 milhões de pessoas.
EH: Aos 40 anos, decidi doar 60% do meu patrimônio para caridade. Há uns dez anos, encontrei um consultor estrangeiro que me perguntou se eu era sócio do The Giving Pledge. Falei que não – mas que podia ficar. [Decidi ficar sócio] para ajudar as pessoas a doarem também. Só que até agora não consegui que um brasileiro ficasse sócio. Estou lutando, não vou desistir.
F: Qual é a grande dificuldade de convencer um brasileiro a entrar nesse grupo?
EH: Medo da mulher, ou medo da família, ou medo de abrir mão do seu patrimônio. Eu comecei querendo dar 100% [do patrimônio], como o meu pai. Na discussão familiar, falaram que era muito, e eu acabei concordando. Mas 50% eu não queria dar porque era o mínimo possível. Mesmo assim, [no The Giving Pledge] eu sou o anãozinho minoritário. Lá as pessoas doam 90%, 99% de valores muito maiores.
EH: Com quem eu falava, a pessoa estava envolvida em alguma doação. A reação foi muito positiva. Ajudaram bastante. O que precisa agora é não ajudar só na crise. Tem que ajudar todo ano, a vida inteira. O pobre não precisa comer só na crise. Come todo dia.
F: Quais as principais lições que tiramos da pandemia?
EH: Essa crise tem dono. É Deus. Havendo Deus, ele domina tudo. Ele manda crise como mensagem: faça o bem, seja menos egoísta, pense mais, faça autoanálise, olhe para sua consciência. Pare de ser material, pare de olhar só o prazer e o lazer. A principal luta, claro, é ter menos mortes, mas o mal já está feito.
EH: Nasci otimista e vou morrer otimista. Vejo sempre o copo meio cheio. Toda ação tem uma reação. O mundo é um ciclo de altos e baixos. No fim, tudo dá certo.
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F: O senhor acredita que conseguiu transmitir para os filhos e netos a essência do que foi passado por seu pai?
F: O que gosta de fazer?
EH: Ler. E só faço duas coisas na minha vida: trabalho e filantropia. Não vou me aposentar, não vou jogar golfe. Aliás, já não posso mais jogar tênis, esporte que pratiquei por 15, 20 anos. Tenho Parkinson há oito anos, não consigo mais andar direito. Gostava de caminhar. Agora uso andador.
F: O senhor tem se dedicado a algum novo projeto pessoal?
Reportagem publicada na edição 80, lançada em setembro de 2020
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