FTX, Theranos e Disney: o que aprendemos com CEOs ruins?

20 de dezembro de 2022

Bob Iger, que já foi CEO da Disney e acaba de voltar para o comando da empresa

Enquanto listamos as lições aprendidas ao sermos enganados por um rei do cripto que nos deslumbrou com dinheiro mítico e uma jovem empreendedora que ganhou riqueza e fama com uma tecnologia que não funciona, outra figura importante ganhou os holofotes recentemente: o CEO da Disney, Bob Iger.

Iger, agora com 71 anos, criou sua reputação de uma forma diferente. Quando tinha a mesma idade de Elizabeth Holmes, que abandonou a faculdade em Stanford e levantou quase US$ 200 milhões (R$ 1 bilhão) para abrir sua startup de exames de sangue Theranos, Iger estava trabalhando como meteorologista em um canal de TV a cabo na cidade de Ithaca, no estado de Nova York.

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Aos 27 anos, ele impressionou os executivos da empresa quando focou a cobertura das Olimpíadas da ABC para a equipe jamaicana de bobsled por conta de atrasos causados pelo clima. Sam Bankman-Fried, fundador da FTX, nessa mesma idade, estava a caminho de se tornar bilionário com sua empresa.

Reprodução / Forbes

Sam Bankman-Fried, fundador da FTX

Agora, Holmes foi condenada e está presa, e Bankman-Fried foi preso nas Bahamas no último dia 12, em um estado mental difícil de imaginar. Ambos hoje não têm fortuna alguma, enquanto Iger, pela última vez que verificamos, tinha um patrimônio líquido de US$ 690 milhões (R$ 3,6 bilhões) por entregar 15 anos de crescimento real à Disney por meio de inovação e aquisições inteligentes como Pixar, Marvel Studios e Lucasfilm. Como os próprios filmes de princesas da Disney, o herói e os vilões aqui são bem claros.

O papel dos conselhos

Mas vamos dar uma olhada nos conselhos. A FTX não tinha exatamente um conselho de administração, o que sem dúvida tornava mais fácil para o chefe da corretora de criptomoedas colocar as mãos nos depósitos dos clientes.

O mistério é por que essa óbvia falta de supervisão não incomodou seu elenco de investidores repleto de estrelas, especialmente aqueles com um forte dever fiduciário, como o fundo de pensão dos professores de Ontário. Os capitalistas de risco talvez possam espalhar dinheiro por aí, mas aqueles que agem como guardiões das aposentadorias das pessoas deveriam demonstrar mais probidade.

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Enquanto o fundo dos professores de Ontário emitiu um comunicado dizendo que havia realizado “devida diligência robusta” no investimento de US$ 95 milhões (R$ 504 milhões) da FTX que agora está reduzido a zero, o novo CEO da FTX, John Ray, diz que nunca “viu uma falha tão completa de controles corporativos e uma total ausência de informações financeiras confiáveis”. E olha que é o mesmo homem que foi contratado para lidar com a falência da empresa americana de energia Enron. Quando essas coisas acontecem, a primeira pergunta que muitos investidores fazem é: “onde estava o conselho?” Nesse caso, o que é surpreendente é que eles não tenham dito: “Como é que não há conselho?”

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Elizabeth Holmes, fundadora da Theranos

Mas todos sabemos que ter um conselho nem sempre ajuda. Elizabeth Holmes, da Theranos, que foi recentemente condenada a 11 anos de prisão, tinha um conselho repleto de políticos mais velhos como Henry Kissinger e George Shultz, ex-secretários de Estado dos EUA, e Jim Mattis, ex-secretário de Defesa. Mesmo eles não questionaram a eficácia da tecnologia revolucionária da Theranos, que acabou sendo falsa.

O caso Disney

Em contraste, o conselho de administração da Disney parece ser um modelo de governança corporativa, com CEOs como Mary Barra, da GM, e Safra Catz, da Oracle, zelando pelos interesses dos acionistas. Mas a recente nomeação de Iger – e a forma como eles lidaram com a saída de seu sucessor escolhido a dedo, Bob Chapek – foi tão repentina que deixou as pessoas assustadas, dentro e fora da empresa.

A questão não é que os diretores discordaram de Chapek, que foi oficialmente demitido “sem justa causa”. Desde que assumiu o cargo de Iger em fevereiro de 2020, o CEO novato estava no comando enquanto a divisão de streaming da Disney registrava perdas crescentes. Além disso, ele supostamente não tinha o charme e o histórico de seu conhecido predecessor – agora de volta ao posto.

Será que Iger teria feito o mesmo que Chapek, colocando a Disney em maus lençóis com o governador da Flórida, Ron DeSantis, por supostamente apoiar o projeto de lei “Don’t Say Gay” (Não Diga Gay, em tradução livre)? Será que Iger, com sua boa relação com as celebridades, teria deixado Scarlett Johansson chegar ao ponto de processar a Viúva Negra? Ele teria demitido um amado chefe de TV, c?

Talvez não. Mas os crescentes desafios em torno de Chapek não foram uma surpresa. O conselho teve tempo e poder para colocar um novo líder de dentro ou fora da Disney. Poderia ter olhado em volta. Em vez disso, estendeu o contrato de Chapek no final de junho e o rescindiu abruptamente em novembro para trazer de volta um herói icônico que faria os funcionários e acionistas felizes novamente.

Bob Iger, CEO bumerangue

Ainda assim, para citar o cantor Gordon Lightfoot, os heróis geralmente falham. E o histórico de “CEOs bumerangues” como Iger é misto. Para cada líder icônico que é bem-sucedido pela segunda vez – ou terceira, no caso de Howard Schultz, da Starbucks – há muitos, como AG Lafley, da P&G, que nunca conseguem retomar a mágica.

Iger renunciou pouco antes do início da pandemia – mais ou menos, já que ele permaneceu por mais dois anos como presidente executivo. Ele agora está voltando para enfrentar os mesmos ventos contrários que derrubaram Chapek, desde a competição no streaming até uma economia desafiadora e um clima político polarizado nos Estados Unidos.

Por outro lado, Iger pode ter sorte, pois Chapek disse que as perdas de streaming já atingiram o fundo do poço, que superou as expectativas de crescimento de assinantes do Disney+ e obteve o melhor ano de todos os tempos para parques temáticos. Se a Disney der conta, os investidores terão que decidir se os resultados são devidos a Iger ou às condições criadas pelo CEO que acaba de sair.

O que está claro é que o último plano de sucessão do conselho claramente falhou. Os investidores vinham debatendo sobre isso há muito tempo, com medo de quando Iger deixaria o cargo. Menos de um ano atrás, ele disse a um repórter da CNBC que sentiu que era hora de renunciar quando começou a desprezar as ideias dos outros, como se já tivesse ouvido tudo isso antes. “Com o tempo, comecei a ouvir menos”, disse ele, acreditando que Chapek provavelmente tomaria decisões diferentes e a mudança, em geral, seria boa.

Isso foi antes. Agora Iger está de volta. Quando se trata de liderança, a Disney parece se inspirar na série de fantasia “Highlander”: só pode haver um líder. Chapek foi supostamente pego de surpresa, embora uma recisão de US$ 23 milhões (R$ 122 milhões) possa ajudar a aliviar a dor da demissão. Iger deve receber US$ 27 milhões (R$ 143 milhões) no ano que vem se mudar as coisas. Ele vai desfazer o que Chapek fez? Ir adiante com mudanças difíceis, mas necessárias? Começar a ouvir mais? O que sabemos é que ele ficará por dois anos e sem dúvida encontrará um time pelo menos em parte moldado pelo homem que acabou de ser demitido.

Nenhuma empresa deveria estar nessa situação. Desta vez, Iger e o conselho juram que vão acertar na sucessão. Esperemos que sim, porque trazer de volta uma superestrela não é uma forma sustentável de administrar uma empresa.